
Qual a multa por ser muito pior do que uma das piores equipas da I Liga? Qual o castigo por fazer uma exibição em que, a haver um resultado diferente, seria uma vitória mais gorda do Estrela da Amadora, que em 2025 ainda não triunfara em casa?
O FC Porto jogou na Reboleira como quem parte para um dia de ressaca. O despertador nunca tocou, os olhos não ganharam vida. Depois de dias à volta com festas e multas, chegou o futebol. Ou melhor, não chegou. Porque, na Amadora, o FC Porto foi uma equipa ausente, como quem cancela planos por ainda estar atordoado pela noite da véspera.
O Estrela, o aflito Estrela, ganhou por 2-0. E teria sido natural que vencesse por mais, numa noite em que criou muito, desperdiçou muito e concedeu pouco. O FC Porto não criou qualquer oportunidade dentro da área do adversário.
Foi uma noite de horrores para os dragões, novo episódio numa temporada de pesadelo. Desta feita nem houve o salvador Rodrigo Mora, que não pode conduzir nem beber e portanto estará ilibado de muitos possíveis pecados associados aos seus companheiros.
Martín Anselmi lançou o jogo falando sobre “compromisso”, apelando aos “valores” e ao “bem maior” do coletivo. Uma mensagem de chefe que precisa que haja apoio para a causa, mas cedo foram evidentes os problemas dos visitantes. Quando o árbitro apitou para o intervalo, estar só 1-0 era mesmo a melhor notícia para os dragões. Quando o desafio terminou, entre bolas ao ferro e falta de pontaria dos locais, a derrota não ter sido escandalosa foi o menos mau para um coletivo em claro divórcio com os adeptos.
O plano do Estrela, que só somara 10 pontos nas 14 rondas anteriores de 2025, era claro. Recuperar, olhar para diante, explorar o espaço nas costas da defesa do FC Porto. Aproveitando a passividade do meio-campo do adversário, os locais foram tornando o plano uma forma de vida, quase um vício, um bom vício que valeu diversas oportunidades de golo.
Kikas poderia ter tido o encontro de uma carreira. Poderia ter tido uma noite que, em 2060, nos levaria a questionar "lembras-te daquele jogo do Kikas?". Não foi assim tão histórico, mas ainda assim foi muito bom. Incisivo a desmarcar-se nas costas da última linha, o atacante teve uma mão-cheia de oportunidades claras. Aos 5’ e aos 7’, sempre lançado pelo maestro Alan Ruiz, Kikas não conseguiu superar Cláudio Ramos, que não jogava na I Liga desde 21 de abril de 2024 e fê-lo por baixa de Diogo Costa.
Anestesiado, como um corpo de ressaca para quem qualquer gesto é pesado, a vista turva, a cabeça a andar à roda, o andar cansado, o FC Porto era uma entidade sem alegria de vida. O mínimo gesto custava, era preciso sacar de cada gota de energia para, sequer, pensar em caminhar. Eustáquio voltou a ter aquele papel híbrido, ora central, ora médio, ora ajudando na saída de bola, ora participando no meio-campo, mas a ideia, que poderá ser boa no papel, é confusa na prática.
O Estrela não tinha problemas para criar perigo. Bucca levou a bola a beijar a barra, Kikas parecia o mais incontrolável dos pontas de lança. Só aos 32’, Deniz Gül efetuou o primeiro remate dos dragões à baliza do Estrela. O disparo foi de fora da área, tal como foram tentativas de Mora ou Alan Varela no segundo tempo. Tirando os tiros de meia distância, o FC Porto foi nulo em ocasiões.
Até que, aos 38’, as ameaças do clube da Reboleira concretizaram-se. A fórmula foi a de sempre, lançando Kikas na profundidade, desta feita com desvio precioso de Bucca. O atacante, isolado perante Cláudio Ramos, teve a eficácia que lhe ia faltando, conseguindo levar o aflito Estrela em vantagem para a segunda parte.
A cara de André Villas-Boas, sentado na tribuna presidencial, era a expressão da desilusão, como um pai enfurecido porque o filho foi sair na véspera de um exame importante. Cada grande plano do presidente era um ponto de interrogação face ao futuro de uma entidade no vazio. Anselmi lançou Samu ao intervalo, mas as desmarcações de Kikas levariam ao 2-0.
O hiperativo ponta de lança escapou nas costas da retaguarda do FC Porto, conseguindo ter a pausa que muitas vezes lhe falta. Olhou e viu Bucca ao segundo poste, sendo o argentino derrubado por Cláudio Ramos. O árbitro começou por dar simulação, mas após revisão do lance optou pelo penálti. Alan Ruiz, protagonista de grande exibição, bateu para o 2-0.
Em desvantagem, nunca houve urgência nem força para o FC Porto tentar virar o resultado. As duas melhores oportunidades do encontro até final fora, como sempre, do Estrela. Kikas, sempre Kikas, ficou a centímetros da noite de uma carreira, vendo Cláudio Ramos negar o bis com um grande voo. Jovane Cabral, possivelmente na melhor partida desde que chegou à Reboleira, atirou ao poste já perto dos 90'.
A noite de ressaca acabou. O Estrela, sem surpresa para quem viu o jogo, venceu. O FC Porto, dormente, sonâmbulo, como quem quer voltar à cama, perdeu. Desde 1976 que os dragões não terminam fora do pódio. A três jornadas do fim e com o SC Braga a dois pontos de distância, o FC Porto pode estar perto de quebrar um indesejado jejum. Qual a multa por isto?