A última vez que o Manchester United venceu a Premier League foi em 2012/13, ainda com Alex Ferguson. Desde então, passaram pelo clube nove treinadores – dois interinos - e nenhum, nem José Mourinho, teve grande sucesso em Old Trafford. Ruben Amorim chega para tentar repetir a epopeia que protagonizou no Sporting. Reerguer um gigante adormecido é difícil, mas o "sonhador" Amorim acredita que é “a pessoa certa no momento certo”.

A história começa a ser escrita este domingo (16h30, horário de Portugal continental), na casa do Ipswich Town, para a liga inglesa. A preparação foi curta – o técnico de 39 anos não teve mais do que uma semana de treinos – e o tempo de trabalho não deixará de ser escasso. Depois da estreia, o Manchester United vai fazer nove jogos num período de 30 dias.

“O importante é largar os vícios do passado”

Na primeira conferência de antevisão ao serviço do novo clube, Amorim recusou a ideia de “revolução”, mas garantiu que vai implementar “um estilo de futebol totalmente diferente”. A mensagem é clara: com ele, não se olha para o passado vencedor, muito menos para os fantasmas recentes. Ruben quer ser ele próprio, algo que mostrou logo na sua primeira grande decisão.

Ruud van Nistelrooy, lenda dos red devils, assumiu a equipa de forma provisória nos quatro jogos entre a demissão de Erik ten Hag e a chegada do novo treinador, somando três vitórias e um empate. O antigo avançado demonstrou querer algo mais do que ser interino no futuro e Amorim decidiu não contar com ele na sua equipa técnica.

Tomás da Cunha, analista de futebol na Tribuna Expresso, diz à SIC Notícias que “o mais importante para o United é largar-se dos vícios do passado”, esquecer “a nostalgia do trabalho de Alex Ferguson” e trabalhar na modernização de um clube que “ainda está muito longe de ser campeão”. O ‘não’ a Ruud van Nistelrooy faz parte deste “corte com o passado”.

“Ruben Amorim teria, porventura, um ídolo que poderia facilitar a sua chegada, mas creio que o novo treinador não precisa disso, porque tem um carisma próprio que não pede a presença de um corpo estranho. Outro fator é a confiança que tem na respetiva equipa técnica e nas próprias capacidades”, defende o também comentador de futebol.

Amorim tem “duas ideias-chave”

Num colosso da dimensão do Manchester United, a bola parece rolar antes mesmo do apito inicial. Os primeiros dias do ex-Sporting em Inglaterra decorreram em modo ‘non-stop’. Mas, ainda que apressado pelo contexto, o caminho parece traçado. Para Tomás da Cunha, há já “duas ideias-chave que Ruben Amorim tem presente para estes primeiros tempos”.

“A primeira é extra-campo: existe um impacto ao passear em Manchester, visitar o clube, conversar com as pessoas, transmitir uma mensagem de esperança e confiança para o futuro. É algo que ele já tinha feito no Sporting. Até temos tido acesso aos treinos, o que não acontecia muito em Portugal. A segunda é a transformação da equipa para um sistema mais confortável, um modelo que já conhece. Vamos seguramente ver o United a jogar num 3-4-2-1, como no Sporting. Vimos essa estrutura no treino".

O próprio Amorim já deu pistas de que vai replicar em Manchester a estrutura que é marca registada do treinador desde os tempos de Casa Pia. Ainda em Portugal, reconheceu as intenções de pôr em prática “algo que conhece muito bem”, tendo em conta o pouco tempo de preparação. Ainda assim, é difícil imaginar que, rapidamente, transforme o United numa máquina de futebol de ataque.

“No imediato, será muito difícil que o United seja uma equipa dominadora, que jogue no campo todo, que pressione muito alto, que consiga ter muita criatividade em ataque organizado. Em primeiro lugar, porque há uma mudança drástica. E depois porque o próprio plantel tem algumas lacunas nesse sentido. Nos últimos cinco ou seis anos, o United foi uma equipa que esteve, muitas vezes, mais confortável a defender atrás e a explorar o contra-ataque”, considera Tomás da Cunha.

Dos 3 centrais aos 3 rivais

Os três centrais - que, no Sporting, Amorim dizia serem os seus principais “construtores” - representam uma aposta que “não é muito normal” entre as grandes equipas da liga inglesa. Para o analista, "é uma mudança que pode levar a algum choque e até a preconceitos - um deles é aquele chavão de que jogar com três centrais é muito defensivo - mas que podem ser destruídos mais à frente”.

O treinador desvalorizou a questão antes do jogo deste domingo: "O futebol não é assim tão diferente apenas porque se joga com cinco ou três jogadores na defesa. São as minhas ideias e aqueles nas quais acredito (…) Não se tratará de uma revolução, será sobretudo tentarmos acreditar na forma como queremos jogar futebol."

Para além dos desafios internos, Amorim vai encontrar na Premier League uma concorrência pesada, a começar pelo outro lado da cidade. O Manchester City ganhou as últimas quatro edições e luta por um inédito pentacampeonato, com Pep Guardiola a renovar por mais dois anos, estando próximo de completar uma década no comando dos citizens.

O Arsenal, que tem Mikel Arteta ao leme desde 2019, ainda não reconquistou a liga - título que escapa desde os lendários Invencibles de 2003/04 - mas consolidou-se como uma das principais equipas da Premier League, tendo ocupado o segundo lugar nas últimas duas épocas. E ainda há o Liverpool, que lidera a competição este ano, com Arne Slot a suceder Jürgen Klopp.

E aqui só estão os três principais candidatos ao título, uma luta que não é, para já, a dos red devils. “O objetivo do United, pelo que se conhece, é ganhar [o campeonato] em 2028”, lembra Tomás da Cunha, apontando que a ambição nesta temporada “passará por conseguir o apuramento para a Liga dos Campeões”, com “legítimas aspirações nas Taças e na Liga Europa”, e, sobretudo, ”melhorar a equipa, torná-la à imagem de Amorim e preparar as bases da próxima época".

“O United ainda está muito longe de ser campeão. Talvez esse processo possa ser acelerado, mas percebe-se tanto na direção do clube como nos adeptos que o Ruben Amorim chegou para um trabalho a longo prazo.”

Ruben Amorim ao serviço do Benfica, contra o United, em 2011
Ruben Amorim ao serviço do Benfica, contra o United, em 2011 Armando Franca

Há jogadores que “podem catapultar a equipa”

Questionado sobre quem se pode destacar na era Ruben Amorim, Tomás da Cunha lança logo um nome para cima da mesa. Mason Mount, “o jogador do United mais parecido com Pedro Gonçalves" e que "já está a ser experimentado como médio ofensivo pela esquerda". Mas, num plantel que mistura experiência e juventude, há mais por onde pegar.

“Acho que é necessário acelerar o desenvolvimento de certos jogadores. Um deles é o Kobbie Mainoo, que tem todo o potencial, mas está algo estagnado. Estou muito curioso também para perceber se Amorim consegue melhorar o Rashford, que é um jogador muito unidimensional, ou seja, faz bem certas coisas, mas não desenvolveu outras nos últimos anos (…) Diria que estes três [Mount, Mainoo e Rashford], além dos miúdos que vão aparecer, como o Leny Yoro, podem catapultar a equipa para outro nível", diz o analista.

O onze provável (e possível)

Por fim, e em modo de aquecimento antes do jogo deste domingo, Tomás da Cunha aceitou montar um provável onze inicial para a estreia de Ruben Amorim no Manchester United, respeitando às ausências face aos jogos das seleções e aos atletas lesionados:

Onana; De Ligt, Jonny Evans e Lisandro Martínez; Diogo Dalot, Casemiro, Mainoo e Mazouri; Mount, Bruno Fernandes e Rashford

“Não sei se nesse momento será o onze que Amorim gostaria de ter, mas sim uma conjugação dos jogadores que estiveram a treinar e dos que sente que é importante agarrar, como Rashford, Bruno Fernandes e Casemiro. Tenho alguma dúvida se Antony vai contar para a ala direita, ou se pode haver uma adaptação do Garnacho. É difícil prever os titulares na defesa, porém mais fácil do meio campo para a frente.”