
Artur Soares Dias colocou um ponto final na carreira de árbitro em agosto do ano passado, mas esta segunda-feira, durante o seu discurso na gala 'O Gaiense', revelou que continuará a trabalhar na Federação Portuguesa de Futebol, uma vez que recebeu um convite de Pedro Proença para integrar a equipa de relações externas do organismo.
Leia o discurso de Artur Soares Dias na íntegra:
"A primeira vez que eu senti bem de perto a enorme pressão do relvado, mas também o incrível prazer de liderar o jogo, foi quando em 1996 tive a oportunidade de acompanhar o meu saudoso pai a um jogo no Estádio da Luz que eu iria apitar. Tinha apenas 16 anos de idade, mas saí desse com uma profunda e inabalável convicção de que queria ser árbitro. Por isso, voltei para o Porto, determinado em iniciar uma carreira que corporizasse a minha paixão pelo futebol, sabendo que ia contra a minha maior referência, que era o meu pai. Todos conseguirão facilmente perceber o porquê.
Bem ao meu estilo, não perdi tempo e inscrevi-me naquele ano no curso de árbitro e iniciei o intenso e apaixonado processo de estágio e aprendizagem, que nos forçava a arbitrar quatro, cinco ou até mesmo seis ou sete jogos por semana. Não escondo que na altura, cheguei a reclamar, comigo mesmo, a intensidade de jogos realizados, pagos a menos de 10 euros e que me tiravam muitas horas de namoro e de borga com os meus amigos. Mas olho para trás, com muita saudade, e recordo essa fase da minha vida como sendo a fase de esforço gratificante.
Esforço esse que se prolongou ao longo da minha formação superior em gestão e que muito bem soube aproveitar na arbitragem, até pelo desenvolvimento de competências associadas ao rigor, à disciplina, ao bom desempenho, à gestão do mérito e à valorização da razão.
Mais mundo houvesse e lá chegaríamos, já dizia Luís de Camões. Hoje somos uma potência do futebol internacional e isso, não tenham dúvidas, deve-se a muitos de vós aqui presentes. Tive a sorte de ter sempre quem me apoiasse, ensinasse e ajudasse a concretizar o sonho de ser um árbitro internacional, um sonho que também era do meu pai. Aliás, muitas vezes dizia-lhe em tom de gozo que seria muito melhor que ele e atingiria a categoria de internacional.
Confesso que nem nos meus melhores sonhos pensei que pudesse chegar tão longe. Em 2010, já sem a sua presença física, atingi o sonho de me tornar internacional e não descansei um minuto para me tornar o primeiro árbitro a representar Portugal nos Jogos Olímpicos. É muito justo aqui destacar o meu querido amigo José Fontelas Gomes, anterior presidente do Conselho de Arbitragem, que foi ele que me acompanhou nos Jogos Olímpicos, nos diversos Mundiais, nos Europeus e na mais recente final europeia, metas mais fáceis de atingir com a sua ajuda. Não há ninguém que consiga o sucesso sozinho.
Tóquio'2020 foi um dos maiores sonhos realizados na minha carreira e, por isso, assumo aqui um compromisso de honra de que estarei sempre disponível para ajudar os meus colegas mais novos a continuarem o nosso trabalho. O trabalho de servir Portugal e honrar a arte e engenho de ser português, o que é muito bem personificado pelos dirigentes desportivos, em particular pelos presidentes dos clubes de futebol, a quem volto a saudar.
Por isso, a todos os meus assistentes que aqui estão presentes, o meu obrigado por me acompanharem e por me fazerem chegar até aqui. A todos eles, desculpem-me o meu rigor exagerado, a minha definição de objetivos contínua, à minha exigência semanal, mas estou seguro que o caminho difícil acabou por ser recompensador.
Estou completamente agradecido perante os simpáticos comentários e elogios que tenho recebido após o final da carreira, assim como agradecer a todos os presidentes com os quais tive o prazer de trabalhar. Tenho sido 'atacado' nas ruas por elogios, coisa a que não estou habituado. Contudo, há outro pilar fundamental em todo este percurso, assenta como não poderia deixar de ser na família. A minha querida mãe, como todos as mães e mulheres, sempre sofreu com o nosso amor pelo futebol, sofreu e aguentou com as nossas ausências. Por isso, à minha mãe, que já não bastava ter sofrido as injustiças de ter um árbitro por perto, à minha irmã Joana, à Bia, ao Bernardo, que sofreram com as minhas ausências e com as minhas más disposições quando o jogo não corria da melhor forma, porque sim, nós também perdemos quando não nos corre bem, a todos eles quero dar uma palavra de apreço e gratidão por tudo o que fizeram por mim.
Foi o suporte dos amigos mais próximos, do árduo trabalho da minha equipa, do suporte dos diversos profissionais da minha associação de classe, da APAF, da Liga e da Federação, que permitiram que conseguíssemos sair do último Euro de uma forma que, desculpem-me a vaidade, só somou pontos para o futebol português. Deixo aqui também uma justa homenagem a Luciano Gonçalves, atual presidente do Conselho de Arbitragem, que muito tem sabido apoiar os árbitros portugueses.
No futuro, que já é hoje, posso afirmar que aqui continuarei, face ao simpático convite que recebi do meu querido Pedro Proença. A ele o meu muito obrigado por reconhecer em mim capacidades para tão prestigiada função de representar a nossa Federação e o nosso país internacionalmente através das relações externas da Federação. Estou seguro que será mais uma caminhada de sucesso".