Depois de anos de divórcio, a íntima relação entre o Benfica e a Taça da Liga regressou. Diante do Sporting, nas grandes penalidades, as águias não tremeram e celebraram pela oitava vez a conquista da competição. Pelo momento conturbado com que o Benfica chegava à segunda semana de janeiro, numa sequência de duas derrotas consecutivas, Bruno Lage era o mais pressionado a fazer boa figura na Taça da Liga. A vitória moraliza, mas o seu impacto foi muito menor do que poderia ter sido.

O jogo diante do Braga, na meia-final, trouxe uma nova versão do Benfica, mais criativa e com capacidade para ferir a baliza adversária. Se a primeira parte da final apresentou uma versão idêntica – mas com problemas defensivos claros – a segunda voltou a recuperar alguns dos problemas que marcam a temporada encarnada. Perante um Sporting com cinco lesionados e jogadores em claro défice físico e desgaste – Francisco Trincão à cabeça – exigia-se uma exibição e uma vitória mais contundente às águias.

As substituições de Bruno Lage, em busca do poder de fogo, aumentaram o caos que, na primeira parte, era balizado por alguma organização. O Benfica já é, por si, uma equipa vertical e de procura insistente – e, por vezes, incriteriosa – da baliza adversária. Se Andreas Schjelderup dá lugar a Kerem Akturkoglu (45’), se Fredrik Aursens dá lugar a Leandro Barreiro (72’), se Tomás Araújo dá lugar a Alexander Bah (72’), se Orkun Kokçu dá lugar a Renato Sanches (80’) e se Vangelis Pavlidis dá lugar a Zeki Amdouni (80’), ainda menos criteriosa será.

A primeira parte do Benfica foi, dentro do plano de jogo preparado por Bruno Lage, extremamente competente. A pressão com referências individuais a todo o campo deixava muito espaço nas costas dos médios e exigiu a Florentino Luís que se desdobrasse por todos os lados e teve consequências. O Sporting, que propositadamente baixava os laterais e os médios, para atrair os jogadores do Benfica, procurava sair de forma mais direta para criar situações de igualdade ou vantagem numérica já no meio-campo das águias e, mesmo com menos volume ofensivo, conseguiu criar oportunidades mais claras de golo. O Benfica, conseguindo recuperar bolas mais alto e mantendo a posse por mais tempo, superiorizou-se com um domínio nem sempre traduzido em oportunidades.

A versão ideal do Benfica é a do domínio, mas para isso são necessários os perfis indicados. O caos organizado traz o melhor das águias que, sem perder o controlo, potenciam situações de campo aberto ou de velocidade para explorar. A identidade constrói-se a partir dos jogadores, já afirmou Bruno Lage nesta temporada, e, nesse sentido, o segredo está em casá-los dentro de campo. Por isso, Tomás Araújo foi tão importante como lateral, Orkun Kokçu foi crucial ao assumir as despesas da construção (libertando Florentino Luís desta tarefa) e o impacto de Andreas Schjelderup foi imediato.

A substituição do norueguês, para «refrescar os corredores» estava condenada ao insucesso desde o início. Eduardo Quaresma é um jogador com capacidade nos duelos individuais e, dificilmente, será a velocidade a bater o central adaptado a lateral. Schjelderup mostrou o caminho, através da arte do engano e do drible curto. Trazer Kerem Akturkoglu para jogo numa fase tão precoce (e não havendo qualquer justificação física) levou o jogo para uma dimensão física que reduziu as probabilidades do Benfica ter sucesso. As restantes substituições, com um meio-campo com muita capacidade física, mas sem uma vertente técnica evoluída, desorganizaram o caos que as águias montaram e tornaram um jogo aberto num jogo partido, dois conceitos absolutamente diferentes. É este o equilíbrio que ditará muito do que será a época do Benfica e a lição mais valiosa que Bruno Lage leva.

A outra dá pela cara de Florentino Luís, mas também se enquadra a jogadores como Maxi Araújo ou Eduardo Quaresma, do lado do Sporting. Há jogadores que, não sendo unidimensionais no seu jogo, apresentam diferenças gritantes nas capacidades defensivas e ofensivas. O segredo, mostrou a final, não está em abdicar dos jogadores, mas em possibilitar-lhes o contexto certo.

O plano de jogo do Benfica deixará sempre e de forma inevitável, o médio mais posicional do Benfica desconfortável e com demasiado campo para cobrir. Quando os adversários procuram sair a jogar desde trás, o limbo entre pressionar o médio e impedir uma opção de saída clara rivaliza com o campo todo deixado livre nas suas costas. Só Florentino, em todo o plantel do Benfica, consegue apresentar mais benefícios que dúvidas quanto a este funcionamento. Longe de fazer uma exibição perfeita, o médio conseguiu contrariar este handicap que o Benfica provoca e foi competente na definição dos tempos para saltar na pressão e recuperar bolas altas ou para aguardar em posições mais recuadas. A eficácia nos duelos tratou de resolver os lances em que não foi tão eficaz na leitura dos jogos. O plano do Benfica, adiantando um dos médios para condicionar o central, tem o seu quê de kamikaze e Florentino Luís é a única opção que o torna fiável. Sem bola, e ao contrário do jogo de Alvalade, foi Orkun Kokçu o médio de ligação, jogando à esquerda dos centrais e permitindo ao português jogar dentro do bloco adversário, com muito menos impacto nesta fase do jogo.

Depois de colocar os jogadores nas posições certas, recuperando o nível exibicional do Benfica mal chegou à Luz, o próximo passo para Bruno Lage está na consolidação das dinâmicas. Aí, mais importante que a posição base, é a função atribuída a cada jogador e o perfil escolhido para cada posição. E nisso, a Taça da Liga pode ter um impacto interessante na época do Benfica.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Tanto contra o Braga como hoje, o Benfica projetou os laterais de ambos os corredores e jogou com os extremos muito por dentro. Que dinâmicas pretende com este posicionamento base da equipa e como pretendia atacar o Sporting desta maneira?

Bruno Lage: Quer num jogo quer no outro quisemos fugir à pressão do adversário. Você entende a minha resposta assim. Quisemos fugir à pressão do adversário, trazer os médios para o jogo e obrigá-los a tentar reorganizar e a pressionar de outra forma.

Bola na Rede: Perante um Benfica que procurou defender muito alto, mas deixou algum espaço nas costas dos médios, o Sporting procurou saídas mais diretas e rápidas, mas jogou com os médios e defesas muito baixos. O que pretendia com este posicionamento e qual a avaliação que faz deste momento de jogo?

Rui Borges: Era explorar alguns espaços que o Benfica dava nas marcações. Procurava defender homem a homem e tínhamos de ser dinâmicos e provocar situações no último terço de 3X3, 4X3, 4X4. Era o que o jogo estava a dar. Com o Benfica a pressionar, saímos várias vezes com qualidade, a equipa não se escondeu e procurou sempre. Percebemos os espaços que estavam a dar, tanto tentámos curto como fomos buscar o Viktor [Gyokeres] e conseguimos sair de frente para a linha defensiva do Benfica. São estratégias que a gente vai procurando e entendendo perante o que adversário vai dando. Isso diz-me a mim que a equipa está numa leitura muito boa e que teve uma capacidade enorme de perceber o jogo. Está dentro do que idealizámos e pedimos tendo em conta o adversário. Só me deixa de consciência tranquila e com a certeza que o futuro será muito feliz.