João Almeida já ganhou a Volta à Polónia, uma prova do World Tour. Já venceu uma etapa do Giro d'Italia, já triunfou numa tirada na Volta à Suíça, já conquistou a Volta ao Luxemburgo. Mas talvez nenhum êxito tenha o sabor, a dimensão, o significado daquele que o caldense obteve numa montanha francesa perto de Lyon.

A quarta etapa da 83.ª edição do Paris-Nice levou o pelotão por 163,4 quilómetros entre Vichy e La Lage des Gardes. Em dia de muita chuva, em que chegou a nevar, com frio, numa tarde de tormenta que levou a que a corrida fosse interrompida durante alguns quilómetros, João Almeida protagonizou uma exibição de luxo.

Ganhou a etapa, tornando-se o primeiro português a vencer uma tirada do Paris-Nice, uma das principais provas de uma semana do mundo. Se levantar os braços nesta competição seria sempre digno de registo, foi o modo como se deu a vitória que a torna especial, entrando no planeta de um dos extraterrestres das bicicletas e superando-o.

Nas rampas finais de La Lage des Gardes, ascensão de 6,7 quilómetros a 7,1% de inclinação média, Jonas Vingegaard arrancou. Em condições normais, seria uma fuga para a vitória: o dinamarquês é um fenómeno, campeão do Tour em 2022 e 2023, craque que só um certo esloveno parece capaz de derrotar.

Mas João Almeida tinha uma almeidada guardada. Pareceu ficar para trás, até que, no quilómetro e meio final, arrancou. Arrancou à João Almeida, assente na bicicleta, sem se levantar, mãos sem luvas — apesar do frio — colocadas no guiador, dentes cerrados. A distância para Vingegaard foi encolhendo, encolhendo, o que eram 10 segundos passaram a sete e os sete tornaram-se três. Nos metros finais, já com a meta à vista, deu-se a ultrapassagem.

Dario Belingheri

Ganhar no Paris-Nice. Ganhar uma etapa de montanha no Paris-Nice. Ganhar uma etapa de chuva, neve, frio no Paris-Nice. Ganhar derrotando Vingegaard, ganhar de forma épica, in extremis, indo ao duelo direto, mostrando ser mais forte do que um dos dois melhores trepadores desta geração. É difícil dizer se foi a maior ou a melhor vitória de Almeida, mas terá sido aquela com um sabor mais especial, com um toque de grandeza, a prova de que o João de 2025 — segundo na Volta à Comunidade Valenciana e segundo na Volta ao Algarve — é o melhor João que já vimos.

Após a etapa, o homem da UAE-Emirates mostrou-se "muito feliz". Assumindo que sofreu "bastante" com o frio e com a neve, condições que forçaram a que parte do percurso fosse neutralizado, não sendo cronometrado, o caldense admitiu que "é possível" ganhar a classificação final do Paris-Nice.

Depois de um contra-relógio por equipas que não correu bem à Emirates, era preciso recuperar tempo neste dia de montanha. Foi isso que foi feito. Na geral, o português é quinto, a 37 segundos de Vingegaard. Faltam quatro etapas numa corrida que, até ao tradicional final em Nice, esconde muitas armadilhas, a começar na próxima tirada, com várias subidas na parte final. Para já, há um cidadão de A-dos-Francos cheio de confiança. "Estou pronto para mostrar quem é o João Almeida", atirou o vencedor após a conclusão da etapa.