“E se corre bem?”

Há epígrafes cujo autor se perde entre a popularidade que assumem. A determinado momento da sua fama passam a ser de todos e não apenas de quem as disse pela primeira vez. Esta que aqui se recupera saiu da boca de Rúben Amorim e estendeu-se até braços tatuados. Foi com ela que o treinador se apresentou no Sporting, em 2020, e, passados sensivelmente quatro anos e meio, com ele supostamente de saída para o Manchester United, pode responder: sim, correu bem.

Conquistou dois campeonatos, duas Taças da Liga e uma Supertaça. Pelo meio, houve uns quantos momentos traumáticos que trouxeram os leões – e Rúben Amorim, em particular – de volta à realidade sempre que a confiança se começava a aproximar de Marte. O técnico fez questão de não os deixar cair em esquecimento, recalcando as experiências negativas em momentos-chave na esperança que a memória de ter passado por elas ajudasse a evitar vivê-las de novo.

Independentemente de ter entrado no Sporting na ponta final de 2019/20, Rúben Amorim conseguiu desde logo uma sequência de oito jogos sem perder, algo pouco normal no clube até então. Porém, na última jornada do campeonato, com uma derrota no Estádio da Luz, os leões acabaram por terminar no quarto lugar, falhando o acesso direto à fase de grupos da Liga Europa.

O início da época seguinte, a primeira com Rúben Amorim no banco desde o começo, trouxe reforços e expectativas. O campeonato foi conquistado com cinco pontos de avanço face ao FC Porto. Acontece que todo o percurso na I Liga, sem adeptos nas bancadas, teve que ser feito com uma mancha no vestuário. No play-off de acesso à Liga Europa, o Sporting foi goleado em casa pelos austríacos do LASK Linz (1-4), hipotecando a participação nas provas internacionais. Ainda hoje essa desfeita surgia aqui e ali nas intervenções públicas do treinador.

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Rúben Amorim chegou a considerar a derrota como “o pior dia” que teve em Alvalade. “Foi um jogo que não sai da nossa cabeça e tem que lá estar até ao último dia que estivermos no Sporting”, referiu em setembro de 2023, quando o Sporting viajou até à Áustria para defrontar o Sturm Graz.

O princípio de 2022/23 traria o maior desgosto de Rúben Amorim na Taça de Portugal. Aos 70 minutos, João Faria, defesa do Varzim, desviava um livre lateral para a baliza de Franco Israel. Os poveiros, da Liga 3, mesmo jogando em Barcelos (casa emprestada), eliminavam o Sporting da competição. A partir desse momento, sempre que o emblema verde e branco defrontou um adversário dos escalões inferiores, Amorim mencionou o duelo com os varzinistas.

De todos os títulos nacionais que podia ter conquistado, só a Taça de Portugal não constará no segmento do museu destinado à era Amorim. Além da eliminação perante o Varzim, o Sporting acumulou um par de outros momentos desagradáveis na prova rainha. Foi igualmente inesperada a queda aos pés do Marítimo, em 2021. Além disso, só por uma vez, na época passada, o Rúben Amorim conseguiu levar o Sporting à final. No clássico frente ao FC Porto, os leões deixaram escapar o título após serem penalizados com uma reviravolta.

No aglomerado de pungentes duelos com os dragões está também a mais recente edição da Supertaça, perdida após o Sporting ter três golos de vantagem. “Há dias difíceis no futebol, este foi um deles”, lamentou. Mais tarde, acentuaria o sentimento: “Foram os dias mais difíceis que já vivemos.”

A labuta de Rúben Amorim devolveu o Sporting à Liga dos Campeões. O regresso, em 2021, quatro épocas depois da última presença, foi apadrinhado pelo Ajax. A jogar no Estádio de Alvalade, o Sporting queria demonstrar que pertencia à elite. Pois bem, o resultado foi uma sólida goleada (1-5). Azar de principiante? Talvez, porque se este jogo foi um trauma, também é do contexto europeu que o treinador leva um dos melhores momentos no banco leonino quando eliminou o Arsenal, em pleno Emirates, da Liga Europa, na época seguinte.

Gualter Fatia

Na última grande obra no Sporting, o Campeonato Nacional de 2023/24, o técnico teve que lidar com um duro golpe que serviu de ponto de viragem. No Estádio da Luz, na 11.ª jornada, aos 90 minutos, os leões venciam por 0-1 e preparavam-se para saírem da casa do rival com seis pontos de vantagem. Aos 90+8’, o jogou virou com golos de João Neves e Casper Tengstedt e o Benfica subiu à liderança. O desfecho da I Liga acabou por ser favorável ao Sporting.

Tudo isto se passou dentro do campo, mas também fora dele aconteceram algumas peripécias.

No final de abril de 2024, Rúben Amorim foi forçado a gerir uma crise por ele criada. Causou alvoroço a mítica viagem a Londres, quando o seu nome estava a ser associado a clubes ingleses e se avizinhava um clássico frente ao FC Porto, importante nas contas do título. O treinador considerou que a deslocação “foi um erro” e acabou a “pedir desculpas”. Nessa altura, a mudança não aconteceu. Quanto ao voo, talvez algum dia tenhamos um documentário sobre o assunto ou algo assim.

Um tópico com o qual o próprio técnico, semanas mais tarde, no Marquês de Pombal, arriscou brincar: “Malta, vamos despachar isto que tenho um avião para apanhar amanhã. É muito cedo para esta piada, vou guardar para mais tarde.” Caso o cortejo do Manchester United não o faça ir para Inglaterra, este episódio poderá também ficar como traumático.