Na passada semana afirmei aqui - e mantenho - que não acredito que o Governo tenha intencionalmente planeado diminuir as verbas para o Desporto no Orçamento de Estado para 2025, ou seja, que os 42,5 milhões de euros a si destinados (que naturalmente deixaram multidões a reclamar) não eram decisão consciente de um programa político, mas antes um “azar” inesperado que tocou ao dossier governamental desportivo.
Volto aqui ao assunto por duas ordens de razão. Na primeira, simplesmente porque pretendo e mereço, enquanto cidadão, saber exatamente o que aconteceu. Na segunda, porque nos é de direito também, enquanto interessados pelo desporto (no meu caso com historial de responsabilidade neste domínio), saber claramente qual vai ser o apoio financeiro público ao dossier em 2025.
A explicação sobre o que aconteceu ainda não foi devidamente oferecida. Todos nós, mesmo os mais leigos em matéria de técnica orçamental, compreendemos que, tratando-se de um mero lapso ou omissão de escrita, teria sido imediata e simplesmente retificado.
O que me falta é saber como se explica que este Governo, que foi competente para elaborar um orçamento distribuindo por todas as áreas de governação 129 mil milhões de euros, tenha vindo cometer uma “gaffe” imperdoável nos 42,5 milhões de euros para o Desporto. Um valor que, como o próprio quadro que elaborou para o relatório do OE esclarece, representa uns míseros 0,03% da despesa total.
O que aconteceu? Não sei. Nenhuma das explicações ouvidas até agora me parecem suficientemente válidas ou mesmo convincentes. A primeira foi em comunicado do Governo, atribuída a uma “inconsistência no quadro”, palavra que significa, segundo o dicionário da nossa bela Língua Portuguesa da Porto Editora, “falta de firmeza nas ideias, falta de coerência, contradição.” A segunda foi mais simples: “houve três linhas que faltaram onde estavam 12 milhões de euros". Onde faltaram essas linhas? Até hoje ainda não se sabe…
Recentemente recebemos uma mais completa explicação: “…houve falta de três linhas de cruzamento de vários ministérios que carregam dotações, ou seja, verbas alocadas ao desporto para programas na área da prevenção, da participação desportiva, de programas de vida ativa (...) por exemplo, o Ministério da Educação tem várias linhas relacionadas com atividade escolar, são verbas relacionadas com atividade escolar, desporto escolar, etc.” E acrescentou-se também não haver “certeza se são três ou quatro linhas que totalizavam cerca de 12 milhões que não apareceram no quadro.”
Vamos ver se nos entendemos e sabemos bem do que estamos a falar: estas “fabulosas” linhas não apareceram no quadro, nem tinham de aparecer, como nunca aparecem, apesar de sempre terem existido nos orçamentos passados. Porque pertencem a outras áreas governamentais e nunca se vieram confundir com as verbas destinadas diretamente ao sistema desportivo. Imagine-se que a partir de agora, sempre que o Ministério da Educação aumentasse o ordenado dos seus professores de educação física, se viesse afirmar que se aumentou o orçamento para o Desporto!
Para quem tiver dúvidas basta consultar os últimos orçamentos e serão facilmente detetadas duas evidências:
1 - Todos os relatórios que descrevem apostas políticas para a área do desporto apresentam-nas claramente quantificadas. Ou seja, apresentam o respetivo valor, cujo somatório resulta no valor final de orçamento. No relatório do OE 2025, nenhuma das medidas apresenta qualquer número de investimento. Então porquê? Quem fez o relatório não sabia claramente de quantos euros ia dispor? Por minha saúde e paz de espírito prefiro não me deixar sequer imaginar que esse seja o caso.
2 - Em nenhum orçamento se misturam as verbas que são diretamente consignadas ao Desporto com as de outros ministérios que porventura também contribuem para a atividade desportiva, mas não se destinam ao financiamento do sistema desportivo propriamente dito. Imagine-se passar a ver o orçamento da Cultura como uma fatia de contribuição para o orçamento da Saúde, dados os claros benefícios saludares da música, da dança e demais para os nossos cidadãos, e vir diminuir a já carente fatia da Saúde em correspondente valor!
Em conclusão: este OE 2025 começou mal. Esperemos, para o bem do país e de todos nós, que acabe melhor. Há, porém, uma lição importante a tirar de toda esta “trapalhada”: o movimento desportivo vai ter de se mostrar suficientemente competente, organizado e credível para se assumir como o verdadeiro impulsionador de um novo desporto em que cada um dos intervenientes - desde logo Estado e agentes desportivos - saiba qual é exatamente o seu papel e assuma as consequentes responsabilidades. E que o faça sempre com clareza, transparência e sentido de interesse público.
Deixemos para lá as “Sebastiânicas” três ou quatro linhas, desaparecidas nas brumas dos corredores das finanças orçamentais. Por muito “desejadas” que pareçam ao nosso governo neste momento de discussão, elas não chegam de forma alguma para salvar a nação desportiva. Em vez disso, repense-se bem o valor do dossier governamental do Desporto para os portugueses, e façam-se os ajustes urgentes e adequados aquando da aprovação final deste orçamento. Nada mais conta aqui, realmente.