Todas as janelas de transferências do futebol internacional brindam-nos com transferências aleatórias, impossíveis aos olhos de alguns adeptos. Andy Carroll, experiente avançado inglês, foi a última prova disso mesmo, depois de trocar o segundo escalão do futebol francês pelo... Bordeaux, atualmente a disputar o campeonato National 2 Groupe B, correspondente à quarta divisão de França.

Inúmeras experiências em Inglaterra @Getty / Clive Rose
Apesar de estar longe dos principais holofotes, o histórico emblema assinou contratos com Paul Baysse e Rio Mavuba, dois jogadores que tinham pendurado as botas há algum tempo, após vários anos ao mais alto nível. Agora, estão de regresso para tentar ajudar uma equipa que representaram no passado e que atravessa, neste momento, um dos períodos mais conturbados da sua história.

O futebol é imprevisível e traz consigo narrativas com contornos insólitos. Andy Carroll em Bordeaux. Um internacional inglês (que outrora custou mais de 40 milhões de euros) a tentar ajudar um conjunto francês a voltar aos maiores palcos. Quem diria? O impacto internacional alastrou-se até ao zerozero e fomos tentar perceber o primeiro impacto da «estrela da companhia». O ídolo. O avançado habituado a jogar na Premier League, um dos melhores campeonatos do mundo.

Subida de diversos degraus

Não nos enganamos na introdução, caro leitor. O Bordeaux - que conquistou, entre outros, uma UEFA Intertoto Cup, seis Ligue 1 ou três Taças da Liga Francesa - vive dias complicados no que ao futebol diz respeito [veja aqui a reportagem exclusiva com Alain Giresse e Bruno Basto]. 2018 foi o início de um autêntico pesadelo, pois o grupo M6, que detinha o clube, decidiu vender as suas ações e colocar um ponto final numa ligação de 19 anos. Próximo capítulo? A chegada da empresa norte-americana King Street, avaliada em vários milhões de euros.

Ainda assim, a entrada de dinheiro proveniente dos Estados Unidos da América de nada serviu, «obrigando» Gerard López, dono da Genil Capital e acionista da SAD do Boavista, a tentar salvar o emblema francês dos piores cenários idealizados. Pois bem, a descida de divisão acabou por ser uma realidade, na temporada 2021/2022, acabando a prova no último lugar da tabela classificativa - seis vitórias, 13 empates e 19 desaires.

2022/2023 e 2023/2024 também não correram de feição. A primeira época, agora na Ligue 2, até alimentou algumas pequenas esperanças. Jogadores como Alberth Elis ou Fransérgio fizeram parte do plantel, mas acabaram «por morrer na praia», uma vez que terminaram a sua campanha no terceiro lugar do pódio, o primeiro fora dos principais palcos.

O segundo ano, porém, traduziu-se no 12º lugar e, consequentemente, em inúmeras dívidas que nunca foram saldadas. Qual o próximo passo a dar? Colocar um ponto final numa ligação de vários anos? Terminar com todos os escalões? A solução encontrada recaiu no Bordeaux perder o estatuto de «clube profissional» e, assim sendo, acabar por ser empurrado para o quarto escalão.

O primeiro jogo nestas andanças acabou por ser contra o Stade Poitevin FC, correspondente à terceira jornada da prova - os primeiros embates foram adiados. Empate a uma bola, sendo que a turma da casa contou apenas com 14 jogadores na ficha da partida. O marcador do golo? Lassana Diabaté, guarda-redes maliano, aos 93 minutos. Épico!

«Ter vindo até me está a custar dinheiro»

Andy Carroll entra em cena neste momento. Depois de começar 2024/2025 com a camisola do Amiens SC - quatro jogos pelo conjunto da Ligue 2 -, decidiu aceitar o convite para ingressar no Bordeaux (atualmente no 14º lugar, fruto de seis pontos), dando continuidade ao seu trajeto em território francês, onde chegou em 2023, após abandonar o Reading.

«Já estive ao mais alto nível, onde as pessoas ganham mais de 100 mil libras por semana. Vim para França e os salários não estão perto disso. Ainda assim, chegam todos os dias para trabalhar no duro, sempre com um sorriso na cara. É um modo de vida completamente diferente. Brilhante. Exatamente o que eu queria e o que precisava na minha vida», disse, em entrevista à BBC Sport.

Início em grande @Getty Images
Mas, afinal, o que leva um internacional inglês, numa fase descendente da carreira, a ingressar na quarta divisão francesa? «Gosto muito de estar aqui. Só isso. Muitos atletas, que já não estão a jogar futebol ou estão perto do final da carreira, perguntam-me porque é que estou em França, longe da família. Tal como já referi, a resposta é simples», acrescentou.

«Adoro jogar futebol. Para ser honesto, ter vindo para o Bordeaux até me está a custar dinheiro. No entanto, estou feliz. Quero fazer parte da história deste clube e, para ser franco, não foi por uma questão de dinheiro. Na minha carreira, o dinheiro nunca foi questão», explicou, em declarações reproduzidas pela RMC Sport.

Andy Carroll
3 títulos oficiais

O avançado, atualmente com 35 anos, já pensa no final do trajeto. Afinal, são 18 anos a jogar ao mais alto nível e a lidar com a pressão mediática praticamente todos os dias. «Os meus filhos continuam a dizer: 'devias ir para treinador ou gerente'. Eu respondo: 'espero que, quando tenham idade suficiente, possamos ser companheiros de ataque na mesma equipa' [risos]», disse, mas em entrevista à rádio inglesa.

Pese embora as centenas de jogos nas pernas, o avançado ainda 'não perdeu o jeito'. Se esteve distraído, caro leitor, o inglês já leva quatro golos apontados em apenas dois encontros. Aliás, o primeiro bis foi decisivo para alcançar o empate diante do Voltigeurs Châteaubriant (com mais de 10 mil adeptos nas bancadas), equipa que conseguiu uma vantagem de dois remates certeiros no primeiro tempo.

E o segundo bis? Também decisivo! O camisola nove disputou 90 minutos e deu a vitória à sua equipa na reta final do embate, agora em casa do Olympique Saumur, na sétima jornada da Natione 2 Groupe B (1-2). A próxima jornada será diante do US Avranches, sendo que Andy Carroll é um dos grandes candidatos a permanecer no onze inicial. Será ele capaz de levar o clube de volta à Ligue 1? Uma tarefa longe de ser fácil...