O nome de uma pessoa, quando dito para o ar e captado por orelhas, acende de imediato uma lâmpada dentro das nossas cabeças. Ouvido “Andy Carroll”, a primeira memória a fazer piscar uma luz poderá ser a de um tipo esculpido que nem um armário, alto e largo, canhoto de pé, um rabo de cavalo no cabelo e vestido com o vermelho da camisola do Liverpool. Há quase década e meia, o clube desembolsou 40 milhões de euros para contratar o mamute de avançado ao Newcastle, transformando-o na então transferência mais cara na história do futebol britânico.
O inglês nortenho jogou na Liga dos Campeões, foi convocado para a seleção e marcou no Campeonato da Europa de 2012, cumes de uma carreira de mais promessa do que uva. Tipo de avançado pneumático, com um estilo martelo e ávido de poucos toques na bola, desde a ida para o Liverpool que Andy Carroll não mais alcançou a marca dos 10 golos por temporada em 13 anos que preencheu entre a equipa vermelha da cidade de onde brotou Paul McCartney e John Lennon, o ‘seu’ Newcastle, o West Ham ou o Reading.
Em 2023, com vontade de largar Inglaterra e sem nunca ter experimentado o estrangeiro, aventurou-se um pouco, esticando o pé para alcançar a outra margem do Canal da Mancha e pisar Amiens, terra de onde podia conduzir de volta à ilha nas suas folgas. Retribuiu na última época só com quatro golos, apanágio de um avançado para ser referência na área e outros servir outros que gravitem em seu redor. A contemplar pensamentos de reforma, jogando cada vez menos, quis mudar e o seu agente, em simultâneo um conselheiro de um clube caído em desgraça, sugeriu-lhe encarar o futebol apenas pelo prazer de jogar, abdicando de mordomias.
E o matulão Andy Carroll, sábio com os seus 35 anos, pensou: “Posso jogar num clube enorme e desfrutar da minha vida.”
Foi assim, pensando apenas assim, sem um neurónio dedicado a regalias ou, dito pelo próprio em entrevista recente ao The Athletic, a “coisas estúpidas” que fez com os balúrdios que auferiu noutras paragens, que o inglês acabou Bordéus, o histórico clube do sul de França banhando pela riqueza da sua região vinícola que tombou esta temporada na 4.ª divisão. Empobrecido pela falência a que muitos anos de ruinosas gestões o condenaram, o Bordéus foi castigado com a despromoção ao escalão semi-profissional, mas Carroll não quis saber.
“Gasto mais dinheiro por estar no Bordéus do que aquele que ganho, basicamente”, explicou o grandalhão inglês. Além dos custos com “alimentação e carro”, a renda de casa que paga “é mais do que aquilo que recebe” do clube.
Enterrados os tempos em que comprava mansões a Rod Stewart e depois a enchia a garagem de carros luxuosos ou decorava as assoalhadas de gatos Bengal, uma das raças mais caras, Andy Carroll cansou-se dos perlimpimpins de dar nas vistas fora do campo (não sem culpas próprias no cartório) e da perseguição da cultura dos paparazzi em Inglaterra. Ainda hoje, lamenta, “cada vez” que vai a Inglaterra o treinador do Bordéus lhe diz “ó não, primeira página de jornais” novamente. Parece acertar sempre: “Estive lá três vezes esta época e houve sempre uma história na imprensa. Não consigo fugir disso.”
Isso acontece quando aproveita o tempo livre para ir ao seu país. Em França, Andy Carroll diz regozijar com o sossego de poder sair à rua, da certa indiferença concedida ao jogador para quem apareceu tudo demasiado rápido. Um geordie (alcunha dos nativos de Newcastle) de gema, foi aos 21 anos de helicóptero para Liverpool, sucumbido à pressão de protagonizar a mais cara transferência entre clubes britânicos na mesma janela de transferências em que o clube comprou as dentuças de Luis Suárez ao Ajax. O uruguaio seria um dos melhores avançados que alguma vez pisou Anfield e a Premier League, o inglês um projeto sem um pinga de sucesso no clube (fez 11 golos em 58 jogos).
O seu repentino aparecimento na ribalta serve de paralelo, embora na direção contrária, à vertigem sofrido pelo Bordéus, que o empurrou para onde hoje está: a temporada passada, já na segunda divisão, o clube propriedade de Gérard López cedeu ao poço das perdas milionárias e dívidas sem fim, fazendo o também dono do Boavista, outra instituição endividada, declarar falência. A equipa outrora de Zinedine Zidane e Alain Giresse, campeã de França em 2009 com Christian Gourcouff, perdeu a licença para jogar nos campeonatos profissionais.
Trágico na sua queda, mas ainda a mover 20 mil adeptos para os encontros caseiros no Matmut Atlantique, moderno e bonito estádio erguido para o Euro 2016, o Bordéus seduziu timidamente Andy Carroll com o pouco que tinha. Foram iscos que chegaram e sobraram ao avançado, feliz por aceitar as humildes condições reveladas, este sábado, pelo Sud Ouest. O jornal da região noticiou que o avançado aufere 1.614 euros de salário bruto e renunciou a receber uma prestação que lhe permitira alegadamente receber mais de 4.000 euros adicionais. “Gosto de jogar futebol, seja em que nível for”, garantiu ao The Athletic, dando conta que ex-companheiros em equipas da Premier League lhe enviam mensagens a perguntar o que raio anda a fazer nas catacumbas do futebol francês, num clube pelos vistos a perecer.
Está lá, explica-lhes, simplesmente “pelo amor ao jogo”. Era “exatamente isso” que ele queria.