Vista por muitos como uma prova premium, a edição 2024/25 da final four da Taça da Liga acabou mesmo por juntar em Leiria os quatros primeiros classificados da última edição do campeonato.

Sporting, FC Porto, Benfica e SC Braga, quatro dos seis clubes que já conquistaram a prova (Vitória FC e Moreirense foram os outros dois), preparam-se para disputar o primeiro troféu da temporada, num cenário que certamente fará as delícias de uma boa parte dos adeptos de futebol em Portugal.

Ainda que, mesmo para nós, jornalistas, seja desafiante cobrir este tipo de competições, propusemo-nos a um exercício ligeiramente diferente.

«E se, numa semana em que os holofotes estão apontados para o Estádio Municipal de Leiria e para os chamados grandes, fossemos conhecer o último classificado da divisão mais baixa da Associação de Futebol de Leiria?»

A premissa inicial estava bem delineada: a reportagem nunca teria um tom jocoso ou desprestigiante. Queríamos apenas conhecer a realidade do clube em questão, o trabalho que este faz e as dificuldades que enfrenta.

Uma rápida pesquisa na nossa base de dados e... eis o Avelarense.

Um clube feito pelas pessoas da terra

Mentiríamos se disséssemos que já nos tínhamos cruzado com o nome do Avelarense antes. Assim sendo, a nossa abordagem inicial com o presidente André Mendes foi direta e concisa.

«André, se tivesse de apresentar o Avelarense a alguém que não conhece o clube, como o faria?»

Pois bem, a resposta não podia ser uma melhor porta de entrada para a agradável conversa que se seguiria:

André Mendes lidera o clube desde 2023 @Arquivo Pessoal

«É um clube muito bairrista, as pessoas aqui da terra sentem muito o clube. De há uns anos para cá tem-se alicerçado na formação, ainda que o norte do distrito de Leiria tenha pouca população e vá tendo cada vez menos. Vamos fazendo o nosso caminho, essencialmente somos um clube das pessoas da terra e que vive do melhor que essas pessoas têm para dar.»

A família de André Mendes está envolvida no clube há duas gerações e, em 2023, o também ex-jogador do Avelarense foi desafiado a avançar com a candidatura à presidência do clube de forma a suceder ao seu tio. Pese embora vá acompanhando o dia a dia da equipa um pouco à distância, isto na medida em que trabalha como militar em Ovar, André não poupa em elogios à direção que o acompanha.

«Mantemos um contacto diário e a sede e o bar do clube estão abertos todos os dias. Os diretores fazem uma escala e o bar está em funcionamento das 18h30 às 22h durante a semana e ao longo de todo o dia durante os fins de semana. Dentro da disponibilidade de cada um, vamos procurando soluções para os problemas que vão surgindo. Há uma entrega muito grande de todos», acrescenta.

Neste momento, o Avelarense conta com cerca de 140 atletas na formação, distribuídos por todos os escalões no masculino e por duas equipas (sub-13 e sub-17) no feminino. Este ponto, de resto, é enaltecido por Afonso Fareleiro, jogador dos seniores que fez toda a formação em Avelar.

«É um orgulho para mim ver a forma como o meu clube tem apostado no futebol feminino. Para além disso, é importante também destacar a aposta que a equipa sénior faz nos escalões de formação - a média de idades do nosso plantel ronda os 24 anos. Pese embora estudemos noutras cidades, procuramos continuar ligados ao nosso clube para sentirmos que pertencemos à comunidade e que fazemos algo pela nossa terra», começa por nos dizer o jovem de 22 anos, que fala de uma forma claramente sentida:

«Nós crescemos no clube e é-nos sempre incutido o espírito de querermos chegar aos seniores. Alguns conseguem e outros não, mas os que não conseguem mantêm-se ligados ao clube. Seja em atividades que o Avelarense organiza ou na bancada quando há jogos. O grupo mantém-se mais ou menos o mesmo.»

Arranque aquém das expectativas

Nove jogos: uma vitória, dois empates e seis derrotas. 13 golos marcados e 25 sofridos. Último lugar da Série A da 1ª divisão distrital da AF Leiria (o último da Série B soma seis pontos).

Depois do 8º lugar em 2023/24, o Avelarense teve uma primeira metade de 2024/25 abaixo do esperado, num cenário difícil de explicar até para os membros da equipa.

«Não posso dizer que a época tem sido negativa, negativos são apenas os resultados. O início de época não foi fácil, tivemos alguns problemas com inscrições, lesões e castigos e isso limitou-nos. Só nas últimas três/quatro semanas é que tivemos todos os jogadores disponíveis. Já sofremos algumas reviravoltas e perdemos alguns pontos, mas a nível de entrega temos sido excelentes. Por exemplo, neste nível não é normal termos sempre à volta de 20 atletas nos treinos», refere Luís Ferreira, treinador adjunto que acompanha o técnico João Pedro Vilão no conjunto de Avelar.

Equipa conquistou o torneio do município em setembro @Arquivo Pessoal

Elogiando também a assiduidade do plantel no que aos treinos diz respeito, o jovem presidente André Mendes (31 anos) considera que a forte aposta na formação, embora benéfica e necessária, tem a si associada algumas dores de crescimento:

«Há coisas que não se explicam, sinto que sofremos golos em todos os erros que cometemos. Para além disso, temos tido problemas na finalização e há um aspeto que também faz a diferença: a experiência. Sabemos que, nestas divisões, há sempre aqueles jogadores mais velhos e 'ratos' e a nós falta-nos essa experiência. Ainda assim, os jogadores estão todos juntos para dar a volta aos resultados.»

Uma coisa é certa: os três intervenientes com quem falámos acreditam de forma bastante efetiva que o Avelarense não irá terminar o campeonato no último lugar.

«Este ano está a correr pior do que estamos à espera, mas é algo que faz parte do futebol e da vida. Aliás, podemos tentar levar um ensinamento para a nossa vida daqui e aprendermos a lidar com contratempos. Há um enorme espírito de equipa, algo que, porventura, não se vê nos escalões mais altos. Como acreditamos muito na equipa técnica e uns nos outros, temos conseguido manter um bom estado anímico. À sexta-feira jantamos todos juntos independentemente da fase em que a equipa atravessa. Temos consciência que podemos dar mais, mas não vamos atirar a toalha ao chão», atira Afonso Fareleiro, que concilia o futebol com o mestrado em Ciência de Dados.

Novo relvado no horizonte

Um pouco à imagem do que acontece com quase todos os clubes nas divisões distritais, o Avelarense esforça-se para fazer muito com pouco, isto na medida em que as condições de que o o conjunto de Avelar dispõe não são propriamente prósperas.

«Uma das grandes dificuldades que temos tem a ver com as infraestruturas. Para além de só termos um campo, o nosso relvado sintético já é de 2006. Precisamos de uma mudança a curto prazo, no máximo um/dois anos. Há treinos todos os dias, as equipas treinam em espaço reduzido», confidencia André Mendes, que vai ainda mais longe:

O atual recinto do Avelarense @Arquivo Pessoal

«Depois temos as dificuldades inerentes a todos os clubes, que têm a ver com a parte financeira. De há uns anos para cá, as verbas para o futebol são cada vez menores, aspeto que se sente muito numa zona do país algo desertificada em termos de população e de empresas.»

Ainda assim, a atual direção, cujo mandato termina em junho, deixa trabalho feito. «Para além de termos feito obras nos balneários - passaram de dois para três, o que ajuda muito com o feminino -, mudámos a iluminação do campo para luzes LED», enumera ainda o dirigente.

Dois irmãos e um primo no plantel

Sendo certo que o facto de Afonso Fareleiro ter passado toda a sua carreira no Avelarense (chegou ao clube em 2010 para atuar nos sub-9) nos fez querer falar com este jogador em específico, a verdade é que houve outro dado que deu força a este desejo.

Consultando o plantel do Avelarense, o nome 'Fareleiro' surge não uma, não duas, mas sim três vezes. A explicação?

Afonso (ao centro) com o irmão Duarte (à esquerda) e o primo Pedro (à direita) @Arquivo Pessoal

«Exatamente, somos todos familiares! O Duarte é meu irmão e o Pedro é meu primo. É incrível poder jogar com membros da família, quando chegamos a casa conversamos sempre sobre os jogos e os treinos. Ainda assim, eu tenho tanta ligação com alguns colegas como tenho com o meu irmão e com o meu primo», revela-nos Afonso.

Perante este cenário, a pergunta é inevitável: «Em casa, o irmão mais velho dá uns calduços ao irmão mais novo devido ao que acontece em campo?»

«Acontece depois de quase todos os treinos porque ele é dos que tem mais qualidade no plantel. Tem mais qualidade do que eu e vejo-o com capacidade para chegar a outros patamares. Daí dar-lhe um pouco mais na cabeça [risos].»

O lateral direito despede-se realçando a importância destas ligações familiares neste tipo de clubes. «Há um espírito muito familiar, literalmente. Neste momento somos três Fareleiros, mas já houve várias famílias a ter jogadores no clube. É isso que continua a manter estes clubes vivos», remata Afonso.

«Jorge Jesus deixou-me 30 minutos no banco num treino»

Agora treinador adjunto do Avelarense, Luís Ferreira conta com um passado enquanto jogador de futebol. Natural de Guimarães, o antigo ponta de lança terminou a sua formação no Moreirense, clube com o qual teve oportunidade de assinar contrato profissional em 2004 (jogou na 1ª e 2ª Ligas ao serviço dos cónegos).

«Depois de ter feito a pré-época, o mister Vítor Oliveira fez-me assinar contrato profissional. Foi uma experiência incrível e, mesmo tendo sido curta, é algo que levo para a vida. Curiosamente, a minha estreia como profissional foi em Leiria, num UD Leiria-Moreirense. Ainda hoje me lembro da sensação que tive ao entrar em campo. Estava habituado a ver os jogos pela televisão, foi incrível pensar assim: 'Agora sou eu que estou aqui dentro'», começa por recordar.

A equipa técnico do Avelarense @Arquivo Pessoal

Para além do saudoso Vítor Oliveira, Luís Ferreira foi ainda orientado por Jorge Jesus nessa temporada na 1ª Liga. De forma natural, episódios caricatos com o agora treinador do Al Hilal não faltaram:

«Tenho uma história com o mister Jorge Jesus. Houve um treino em que estávamos 23, sendo que ele queria fazer um jogo 11 para 11, com 22 jogadores. Então virou-se para mim e disse: "Agora ficas aqui no banco um bocado sentadinho a ver se aprendes." A verdade é que fiquei 30 minutos a ver o treino. Entretanto ele lá se lembrou e disse-me "Estás ai? Não devias ter entrado já? Fod***!". E eu respondi: "Oh mister, só fiz aquilo que me mandou" [risos]. Na altura fiquei chateado, mas agora como treinador consigo compreender um pouco. Com o Vítor Oliveira não tenho assim histórias caricatas, ele era mais sério e certinho, no entanto ele foi o meu pai no mundo do futebol.»

E mesmo que o Avelarense não tenha ainda pisado palcos como aqueles que o treinador Luís Ferreira já pisou, uma coisa é certa: o clube ganhou fãs na redação do zerozero (permita-nos o tom ligeiramente parcial, caro leitor).

Ficamos agora à espera para ver o que o conjunto de Avelar consegue fazer no que falta jogar da temporada 2024/25.