Encontrou um clube afundado na tabela - último lugar com três derrotas e três empates em seis jogos disputados -, intranquilo - e com mais dúvidas do que certezas -, contudo, apesar da tarefa complicada, rapidamente encontrou a fórmula do sucesso (e da revitalização).
Fernando Santos - mais conhecido como Nandinho - chegou, viu e venceu no Al-Bukayriyah.
Nandinho Division 1 Arábia Saudita 2024/25 |
4 Jogos
4 Vitórias
0 Empates
0 Derrotas
8 Golos
1 Golos sofridos
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E sim, tudo isto em apenas quatro partidas. O treinador português começou esta mini epopeia com a vitória em casa do Ohod Club e, na receção ao Al Jandal, confirmou o bom momento: quatro jornadas, quatro vitórias, oito golos marcados e apenas um sofrido.
Em entrevista ao zerozero, Nandinho explicou a chave da invencibilidade no Al-Bukayriyah, abordou a adaptação (cultural e desportiva) ao país saudita e relembrou algumas das principais memórias da carreira: os avançados distintos - Paulinho e Darwin -, o projeto mais estável (Gil Vicente) e o projeto mais atribulado (B SAD).
«Procurei atingir a parte emocional dos atletas»
Zerozero: Aterrou num clube que não estava a viver um período muito fácil. O que fez para dar a volta à situação?
Nandinho: Sim, chegámos com o campeonato em andamento. A equipa estava em último lugar e com apenas três pontos após seis jornadas: três derrotas, três empates, um golo marcado e cinco sofridos... A situação não era fácil, mas - de qualquer das formas - antes de aceitar o convite vi uns jogos e constatei que havia potencial. O nível das equipas [na Arábia] é equilibrado e observei que havia capacidade para melhorar a situação. Numa primeira instância procurei conhecer a realidade do clube, das pessoas, jogadores, das pessoas por de trás dos jogadores, para tentar chegar à parte emocional dos atletas e procurar que eles acreditassem que era possível dar a volta à situação.
zz: Certamente ocorreram mudanças chave na equipa.
Nandinho: Alterámos significativamente a forma de trabalhar na equipa/clube e os jogadores acabaram por gostar da nossa ideia de jogo. Para além disso, fizemos alguns ajustes na equipa - alguns jogadores que não jogavam e não eram titulares passaram a ser -, mas é uma escolha, refira-se, algo prematura ainda. Escolhemos conforme as características dos jogadores que melhor se adaptavam à nossa filosofia e as escolhas resultaram.
zz: Encontrou um bom clube ao nível de infraestruturas?
Nandinho: Pelo feedback que vou obtendo - comparativamente com outros clubes da II Liga na Arábia Saudita - são boas o suficiente. Tem condições mínimas para se desenvolver um bom trabalho, mas claro que gostaríamos de ter, por exemplo, dois relvados e um campo só para nós, mas de qualquer das formas é o suficiente.
zz: E como foi a adaptação à Arábia Saudita?
Nandinho: Tem corrido muito bem. Fomos muito bem recebidos, as pessoas são afáveis, cumpridoras, o nosso diretor desportivo anda sempre connosco e, em cima disso, há muitos portugueses a trabalhar na Arábia, o que também ajuda. Já estive um ano no Barém e, do ponto de vista cultural, não é muito diferente. Contudo, a experiência na Arábia - para já - tem sido uma agradável surpresa. Apesar dos clubes, como apanágio, atrasarem nos pagamentos, a verdade é que acabam sempre por pagar. O Al-Bukayriyah é um clube cumpridor e com pessoas sérias.
zz: Em sexto lugar (15 pontos), com quatro triunfos seguidos, as aspirações/objetivos do clube mudaram?
Nandinho: O que me pediram foi simples: tirar o clube da posição em que se encontrava. A direção tinha feito uma aposta grande no início da época e acreditavam muito no potencial do plantel, com o objetivo de andar em posições cimeiras da tabela e, talvez, chegar aos play-offs. Nós procurámos trazer o clube de volta à terra, porque - apesar das expectativas altas - estavam em último lugar, sendo que, o fundamental era ter estabilidade. A prioridade é o clube garantir a manutenção, depois - quando alcançado o objetivo -, então sim, iremos lutar por algo mais.
zz: O nível do segundo escalão saudita é muito diferente para o segundo escalão português?
Nandinho: As boas equipas da Segunda Liga portuguesa têm um nível superior às boas equipas da Segunda Liga na Arábia. A qualidade individual [em Portugal] é superior, mas a Segunda Liga Saudita já tem um bom nível, principalmente com o aumento de estrangeiros. A evolução do primeiro escalão saudita também ajudou nesse aspeto.
«Torna-se difícil um treinador não se apaixonar pelo Paulinho»
zz: A sua última experiência em Portugal foi na B SAD, um clube mediático, mas polémico. O que retira de positivo/negativo da experiência?
Nandinho: Foi um projeto que abracei porque acreditei nele e porque tinha de aparecer, visto que já não treinava há algum tempo. Serviu para voltar a colocar o meu nome no mercado. O que fica de melhor da experiência foi mesmo o grupo que encontrei e a qualidade de jogo que apresentámos. O pior foi a falta de condições de trabalho - muitas vezes tínhamos de treinar em sintéticos -, o facto de não termos o 'nosso' estádio, de termos de jogar com a casa às costas e, claro, não termos massa adepta que, em momentos cruciais, ajudam muito as equipas. Jogávamos sempre fora de casa.
zz: Recuando um pouco na sua carreira, foi em Barcelos onde encontrou maior estabilidade. Como recorda esse período?
Nandinho: Correu muito bem. Peguei numa equipa muito jovem, que tinha descido da Primeira Liga, subi seis sub-19 à equipa principal e muitos jogadores que atuavam em divisões inferiores. Consegui deixar a minha marca nesse ano e acabei por regressar mais tarde. De qualquer forma, foi o melhor projeto em que estive. Aliás, em Portugal só tive dois projetos e ambos foram no Gil Vicente.
zz: Chegou a orientar o Paulinho. Como recorda a passagem do avançado?
Nandinho: O Paulinho, na altura em que cheguei aos seniores, queria sair - estava desanimado, porque tinha jogado pouco e não tinha sido opção - e eu convenci-o a ficar: dei-lhe a braçadeira de capitão e disse-lhe que ia ser uma peça importante. Mas não foi o único. O Simy também queria sair e eu lá o convenci a ficar mais um ano. Ambos fizeram grandes épocas e estão, agora, em patamares de maior dimensão, fruto do seu trabalho e qualidade.
zz: O que destaca no Paulinho?
Nandinho: Para além da qualidade técnica, a sua polivalência. Era um jogador que apresentava um rendimento muito acima da média em várias posições. Ele comigo nunca foi um avançado assumido: ora jogava a segundo avançado, número 10, ala... Mas é mesmo como segundo avançado onde eu acho que ele rendeu mais. No Sporting, por exemplo, foi onde ele conseguiu produzir mais com a chegada do Gyökeres. Nunca vi o Paulinho como um ponta de lança, apesar de no Sporting - e agora Toluca - se ter destacado nessa posição e com essas rotinas.
zz: Ruben Amorim deixou, de forma quase constante, rasgados elogios ao avançado.
Nandinho: Ele é muito inteligente, pois não só faz golos como também cria oportunidades e isso faz toda a diferença. É uma excelente pessoa e torna-se difícil um treinador não se apaixonar por um jogador destes.
zz: Já em Espanha, no Almería, volta a apanhar um avançado muito distinto...
Nandinho: Darwin Núñez. Tinha a certeza que ia atingir o patamar onde está agora. É um jogador com características únicas. Muito explosivo, muito rápido, excelente em condução, agressivo nos duelos... É claro que tem de melhorar alguns aspetos, como na hora de finalizar de cabeça, no momento da receção/definição, mas é um avançado muito bom. E nem é um goleador nato. É um jogador diferente de Paulinho, mas ao mesmo tempo tem algumas semelhanças na forma como produz muitas assistências/cria oportunidades.
zz: Continuando por Espanha: foi adjunto no segundo escalão espanhol e orientou o Almería B no quarto escalão. Quais as principais diferenças para os escalões inferiores portugueses?
Nandinho: O nível em Espanha é superior ao português. Na altura fui para a quarta divisão em Espanha e tinha o nível de uma Liga 3 portuguesa e se calhar de algumas equipas da Segunda Liga. O nível técnico do jogador espanhol é elevadíssimo, acima de tudo pela excelente formação que têm. Agora, a nossa formação está a um nível semelhante, mas os espanhóis começaram muito mais cedo e a grande diferença é a nível técnico, nos aspetos básicos como passe e receção. Estiveram sempre um passo acima dos portugueses.
zz: Muitos espanhóis estão a saltar de divisões inferiores espanholas para o primeiro escalão português. É, aliás, um fenómeno que se acentuou esta temporada.
Nandinho: A surpresa era não ver os espanhóis nos campeonatos portugueses. Mas também percebia que isso estava mais relacionado com a realidade em Espanha, uma vez que, na perspetiva dos espanhóis, o campeonato português não está incluído nos big 5. Em adição, a qualidade dos clubes na segunda divisão espanhola é igual - se não melhor - que a maioria dos clubes da Primeira Liga em Portugal, com natural exceção para quatro ou cinco clubes. Este boom acabou por se verificar porque viram em Portugal a possibilidade de dar um salto na sua carreira.