
Ter momentos de magia neste encontro na Reboleira chegou a parecer tão difícil como descobrir amor nas trincheiras. O ambiente era tenso, de confronto, de quedas, choques, interrupções. O jogo deu ares de uma emissão de rádio cujo sinal nos chega fraco, inconstante, com pausas permanentes.
Mas pode sempre haver paixão no mais bélico dos campos. Aos 81', Gyökeres, que chega a março cheio de vida e fulgor físico, encontrou Quenda. O adolescente dos milhões precisou de poucos toques para dar ao Estrela-Sporting o feitiço que parecia impossível: receção de classe para tirar Ruben Lima do lance, condução, remate, 2-0.
Aos 81', os visitantes asseguraram os três pontos contra um adversário que estava com 10 desde os 34'. Ainda haveria mais tempo para Gyökeres viver em loop — desmarcação e remate, desmarcação e remate —, ganhar novo penálti e chegar aos 3-0, mas ali, naqueles minutos, os leões viviam com a mesma sensação de quem evita um acidente. Na curta deslocação à Amadora, houve muito trânsito, perigos múltiplos, mas confirmou-se que este é o melhor momento da equipa desde que um certo técnico saiu para Manchester.
Num fim de tarde com oito amarelos, dois vermelhos, 36 faltas e dois penáltis, o 3-0 explica-se, em parte, pelas dificuldades do Estrela, equipa que levou a agressividade ao limite, que se encheu de cartões, que muito lutou mas não fez um remate à baliza de Rui Silva. E explica-se, ainda, pela fome e talento de Gyökeres, que andou a ser gerido com pinças e surge na reta final da temporada como um predador pronto para mostrar quem está no topo da cadeia alimentar.
O desafio começou mentiroso, a fazer promessas que não cumpriria. Aos 6', o Sporting já somava duas oportunidades claras, parecendo que se arrancava para um embate partido, com ações recorrentes junto das balizas. Falso.
Os visitantes demoraram 30 segundos a aplicar a sua armar preferida. Bola na profundidade, correria de Gyökeres, remate. João Costa desviou para canto o que seria o único remate enquadrado até ao desconto. Pouco depois, Matheus Reis, descaído para a esquerda, atirou ao poste. Seriam as duas oportunidades de golo do primeiro tempo.
A vertigem ofensiva rapidamente se tornou numa partida emperrada, como um trânsito de hora de ponta, cheia de pequenos toques, de colisões, de congestionamentos. Não fluía, não andava. As jogadas ficavam estancadas como um condutor que vê o vermelho e o verde sucederem-se antes de superar aquele semáforo eterno.
O Estrela, que nas 11 jornadas anteriores só derrotara o lanterna-vermelha Boavista, não se preocupava muito em efetuar passes curtos. As tentativas de chegar junto de Rui Silva eram feitas com envios de longa distância, como quem tenta evitar o trânsito passando por cima dele. Lançamento lateral a meio do meio-campo adversário? Bucca usa a força de braços para o colocar na área. Livre a uns 40 metros da baliza do Sporting? Alan Ruiz bate-o para a zona de penálti.
As intenções diretas da equipa da Amadora foram condicionadas aos 34'. Culminando minutos cheios de paragens, com vários amarelos e a saída por lesão de Miguel Lopes, Montóia foi expulso, por acmulação de cartões, aos 34'.
Com menos um, o Estrela fechou-se ainda mais, deixando ainda mais evidente a falta de criatividade dos campeões nacionais. Debast e Felicíssimo eram uma parelha de médios sem chegada, Reis e Fresneda uma dupla de alas sem desequilíbrio e o Sporting um conjunto sem perigo. Aos 39', Trincão levou-nos, por um instante, de volta para o Portugal-Dinamarca, mas o remate descaído para a direita, com o corpo a tentar fazer a bola ir para o poste mais distante, foi parar às bancadas.
Era preciso uma equipa visitante diferente depois do intervalo e, para agitar, Borges lançou Geny Catamo para o lugar de Fresneda, baixando Quenda para ala direito. Se uns tentavam atacar, outros procuravam não acentuar a inferioridade numérica: Faria tirou os amarelados Bucca e Keliano e colocou Nilton Varela e Leó Cordeiro.
O Estrela tardou pouco em voltar à auto-destruição, à sabotagem. Eis uma equipa que só fez sete pontos em 2025, que somente tem 23 pontos em 27 rondas, mas que pode terminar a jornada fora da zona de despromoção, evidência do escasso ritmo de quem anda na cauda da tabela. Aos 52', Alan Ruiz foi imprudente num lance com Diomande. VAR, penálti, matador sueco, 1-0.
Gyökeres tem já seis golos contra a equipa da Amadora. Não tantos como o melhor marcador dos duelos entre os vizinhos, Liedson, que festejou nove vezes. Curiosamente, o levezinho falhou um penálti na única vez que o Sporting perdeu contra o Estrela neste século, um 1-0 em Alvalade que foi, também, a primeira derrota de Paulo Bento como técnico verde e branco.
Em inferioridade numérica e no marcador, o Estrela nunca incomodou Rui Silva. O Sporting foi vivendo como vive, Gyökeresdependente, como quem tem um depósito de rentabilidade elevada, aguardando o dinheiro que de lá venha.
Sem forçarem em demasia, os visitantes engordaram o triunfo muito devido à fome do sueco que já tem 30 golos neste campeonato. O 2-0 surgiu numa combinação entre Viktor e Quenda, dois futebolistas que passaram a pausa de seleções a ver os outros jogar, o 3-0 baseou-se em momentos clássicos deste Sporting: Harder a decidir rematar do meio da rua, Gyökeres a correr que nem leão esfomeado para pegar no ressalto. Penálti, expulsão de Ruben Lima, 3-0. Entre tanto choque e fricção, a ida à Amadora foi concluída sem acidentes para o Sporting, que vai na melhor fase com Rui Borges.