No domingo passado, o Barcelona defrontou a Real Sociedad, num jogo em que foi derrotado por 0-1. Aos 15 minutos, os blaugrana chegaram à vantagem, com golo de Lewandowski, que foi, posteriormente, anulado por fora de jogo. Acontece que, para muitos, aquilo que a tecnologia anulou não foi o mesmo que aconteceu em campo.
As imagens da tecnologia semiautomática de fora de jogo mostraram um cenário que parecia diferente daquilo que havia passado no terreno: o pé do avançado polaco aparece, na imagem artificial, para lá do de Aguerd no momento do passe de Frenkie de Jong. Estes protestos geraram uma onda de contestação em Espanha, com vários ângulos a parecerem deixar claro que, na verdade, o atacante estava em posição regular. Não é a primeira vez que tal acontece, mas, assim sendo, como surgiu, como funciona e porque está a ser aplicada esta tecnologia, que, ao que tudo indica, também é falível?
12 câmaras, 50 análises por segundo
A FIFA implementou esta tecnologia para o Mundial 2022, no Catar, após testes feitos na Liga dos Campeões Árabes e no Mundial de Clubes de 2021, para «ajudar a fazer decisões mais rápidas, reproduzíveis e mais precisas no fora de jogo». «A nova tecnologia usa 10 a 12 câmaras dedicadas e até 29 pontos de dados de cada jogador, 50 vezes por segundo, para calcular a sua posição exata no campo. Os 29 pontos incluem todos os membros e extremidades que são relevantes para avaliar possíveis foras de jogo», explica o órgão que tutela o futebol mundial.
Significa isto que, a partir desses 29 pontos, pode criar-se um modelo artificial dos jogadores, e, com as 12 câmaras, é possível saber - ainda que nem sempre - onde está a bola. Além disso, o esférico está equipado com um sensor que permite saber qual o momento exato em que é tocado, para poder fazer a análise da imagem correta do jogador a ser avaliado, não só no espaço, mas também no tempo.
Esta tecnologia envia, logo no imediato, um sinal às equipas de arbitragem, presentes tanto no campo como em frente aos ecrãs de análise de videoarbitragem. São estes últimos que têm a responsabilidade de aferir se o processo foi efetuado corretamente de forma artificial e só depois é que essa informação é enviada para o árbitro principal, que pode tomar a decisão.
No caso de Lewandowski, aquilo que, segundo os adeptos, poderá ter acontecido, é o facto de a imagem ter confundido a ponta do pé do avançado com a do defesa, dando assim a entender que o atacante do Barça estava para lá da linha possível. Hansi Flick, treinador, ficou visivelmente furioso e, no intervalo questionou o árbitro Cuadra Fernández. «Para ti, claro que não há fora de jogo, porque é para a tua equipa. Se o VAR diz que está fora de jogo, porque é que estaríamos a inventar? Porque inventaríamos um fora de jogo?», retorquiu.
Serie A foi a primeira a adotar a tecnologia
Em Inglaterra, Itália e na Liga dos Campeões já se usa esta tecnologia. Na prova europeia, esta já faz parte desde a época 2022/23 e, no início da temporada passada, a Serie A tornou-se na primeira liga nacional a utilizá-la. Foi nessa altura que o campeonato espanhol tomou a decisão de adotar o fora de jogo semiautomático, mas só no ano seguinte. O início de 2024/25 foi a data escolhida para tal e assim foi: esta temporada, La Liga usa a tecnologia em todos os encontros. Contudo, este lance com Lewandowski não foi o único digno de polémica.
Logo na primeira jornada, soaram os alarmes sobre a fiabilidade do processo artificial. No Celta-Alavés, Iago Aspas fez golo, foi anulado, mas uma análise posterior permitiu ver que o pé do defesa Douvikas estava à frente do do espanhol.
Havendo ainda tantas dúvidas em aberto sobre esta tecnologia, A BOLA colocou a Duarte Gomes, ex-árbitro e especialista em arbitragem, algumas questões.
Por que terão aderido só três campeonatos de topo a esta tecnologia? Não teria sido mais positivo a aplicação em mais ligas?
É algo que está seguramente ligado aos elevados custos e dificuldade de operacionalidade que a tecnologia pressupõe. Há um conjunto de câmaras, que não as da transmissão televisiva, que devem ser fixadas no teto dos estádios, para rastrear vinte e nove pontos do corpo de cada jogador de campo. Isso pressupõe investimento avultado e viabilidade real em todos os estádios, para que as condições sejam as mesmas em todos os jogos. Como sabemos, os estádios não são todos iguais, apresentando diferenças entre eles. Além disso, cada bola a utilizar tem um sensor que envia dados para o VAR sobre o exato momento em que o passe é feito. Tudo isso é processado em tempo real pela Inteligência Artificial. A ultrapassar-se a questão orçamental e de instalação, o fora de jogo semiautomático pode ser uma realidade em todas as ligas profissionais.
A utilização destas imagens 3D poderá levar os próprios árbitros e videoárbitros a perderem o sentido crítico quando as imagens em tempo real lhe parecem dizer outra coisa, como no caso recente do fora de jogo tirado a Lewandowski?
Não irá acontecer como não tem acontecido. A questão é simples: o fora de jogo semiautomático é (quase) infalível, ou seja, a informação que a tecnologia presta à equipa de arbitragem é precisa, tal como o é a que está subjacente à linha de golo. Os árbitros são informados do adiantamento ou não de um jogador e tomam a sua decisão em função dessa realidade. A única intervenção que têm é em relação ao fora de jogo por alegada interferência sobre adversários, que requer interpretação sobre possível impacto (ou não).
O fora de jogo automático sem recurso a imagens será o passo seguinte?
Não está ainda definido qual o futuro do fora de jogo ou o que se seguirá em termos tecnológicos. Existem propostas em cima da mesa para que a Lei 11 seja parcialmente alterada, tal como haverá sempre novas tecnologias a emergir a toda a hora. O que parece certo é que a regra é para manter, independentemente da controvérsia que possa levantar. Futebol sem fora de jogo é outra coisa qualquer.