Face aos seus encantos quase epopeicos, a história ficará colada a cimento. No calor empapado de humidade em Miami e logo no dia do seu primeiro encontro, um joelho de Jakub Mensik incomodou-o com dores tais que o checo já preenchera o formulário para entregar ao árbitro da partida, burocracia necessária para comunicar a desistência do torneio. “Tinha o papel na mão”, disse o checo. A sua intenção calhou na hora de almoço, coincidiu com o juiz de cadeira a alimentar-se e o tenista, com a sobra no relógio, pediu ajuda a um dos fisioterapeutas que a ATP disponibiliza aos jogadores em cada prova. “Por uma última vez”, estando com tempo, “fui ao tratamento”.

E aconteceu “um milagre”. Apanhou-lhe só o primeiro nome, mas, durante a hora prévia ao jogo inaugural do checo no Masters 1000 norte-americano, um tal de Alejandro atentou ao seu joelho e teve mãos curandeiras. “Por causa dele” Mensik pôde discursar, suado de exaustão, no domingo, perante uma arena cheia e com o troféu de vencedor em mãos. “Foi por ele que entrei no court”, reforçou o longilíneo tenista, perdido de agradecimentos para o fisioterapeuta que o fez amarrotar o papel da desistência.

Quando pisou o campo, as dores de Mensik pareceram logo uma miragem: livrou-se do espanhol Roberto Bautista Agut em três sets, impondo um 6-1 no derradeiro, seguindo-se vitórias contra Jack Draper (o vencedor do recente Masters de Indian Wells) e o russo Roman Safuillin, antes de vencer por desistência o compatriota Thomas Machac, ultrapassar o francês Arthur Fills e prevalecer contra o gigante da casa, Taylor Fritz. Perdeu apenas dois parciais rumo à final anunciada como apoteose e possível coroar de um feito redondo para o seu adversário, homem de 38 anos e abeirado da conquista do seu 100.º título. Calhava ser também o ídolo que cresceu a admirar.

Jakub Mensik jogou em Miami por graça do fisioterapeuta, mas “basicamente” começou a jogar ténis devido a Novak Djokovic, a lenda sérvia que tinha a idade atual do checo, meros 19, quando conquistou o primeiro dos seus quatro Masters da cidade da Flórida. Mensik viera ao mundo apenas há um ano. Abismada entre gerações, a final pouco teve a separar os tenistas, sendo decidida nos detalhes de dois tiebreaks, 7-6 (4), 7-6 (4). A diferença veio do momento do desempate onde Djokovic costuma ser irredutível. Desta feita, acabou a elogiar a fortaleza de nervos alheia. “Rendeste nos momentos decisivos. Foi um esforço mental fenomenal para te agarrares aos pontos difíceis. Para um jogador jovem como tu, essa é uma grande qualidade”, enalteceu Novak, na cerimónia de entrega dos canecos.

Al Bello

Ser alvo dos louros do sérvio que construiu a sua lenda com nervos de betão armado quando a pressão verga raquetes e prende braços diz um generoso pedaço acerca da vitória de Mensik. O checo embalou no seu serviço-canhão (ganhou 84% dos seus primeiros saques), do alto do que o seu braço alcança para lá dos 193 centímetros de altura dos pés à cabeça, fiando na sua esquerda - a pancada preferida - para ser o jogador com pior ranking da história a triunfar em Miami. O checo era o 54.º classificado ao entrar no torneio; à saída, escalou até à 24.ª posição, engordando a carteira com um prémio de 1,1 milhões de dólares.

Miami proporcionou a colisão de trilhos tão distintos. Mensik jogava para o seu primeiro título ATP e Djokovic a fugia à ferrugem do tempo em busca do seu centésimo triunfo. O checo, extasiado com o feito, não se coibiu em prolongar o abraço ao sérvio junto à rede, a amparar as lágrimas de alegria. O espanto eufórico ainda o habitava nas intervenções finais. “Só o facto de ter podido jogar uma segunda vez contra ele é uma sensação incrível”, disse, já vencedor. Tinham partilhado court o ano passado, nos quartos de final do Masters de Xangai, onde o mais garoto também vencera o primeiro parcial no tiebreak, memória que prestou visita à sua mente durante a final de Miami.

O idolatrado já conhecia o admirador. Tinha Mensik uns “15 ou 16 anos” quando Djokovic o convidou a treinar com ele em Belgrado, foi “realmente bom” observar “o seu desenvolvimento e evolução”, confessou Novak, indo ao diplomático ponto de se endereçar ao checo como “um dos poucos jogadores contra quem ficaria contente por perder”. A idade lima as arestas à elegância na derrota. “Estou super satisfeito por ele estar a aproveitar o potencial que tem”, acrescentou o ostentador de 24 torneios do Grand Slam, com a flor da idade deixada lá para trás, mas ainda um flagrante desafiador dos cânones do que é razoável esperar de um tenista a dois meses de chegar aos 38 anos.

Após ser eliminado, à primeira, em Indian Wells, o sérvio prosperou até à final em Miami, onde competiu com um olho inflamado que o obrigou a ir recorrendo a um medicamento oftálmico, em gotas, durante o jogo com circunstâncias peculiares: teve o seu início adiado em quase cinco horas e meia devido à chuva. Acabaria por perdurar quem no início de tudo, quando torneio raiava, “não conseguia andar, nem correr”. O entusiasmo mediático recente tem iluminado João Fonseca, o prodígio brasileiro que ameaça ser uma próxima grande cara do ténis, no encalço de Alcaraz e Sinner.

Atenção a Jakub Mensik, outro adolescente que teve o joelho socorrido por um fisioterapeuta, depois foi generoso em “diferentes” anti-inflamatórios nem a meia hora do primeiro encontro em Miami, experimentou-se numa passadeira de corrida e cerrou os dentes. “Aguentei a dor e, nos dias seguintes, o joelho melhorou.” E não mais reparou na hora de almoço dos árbitros.