É um sinal de validação que os ídolos se transformem em colegas de trabalho. Kika Nazareth adquiriu o certificado que a promove a membro da elite aos 21 anos, consequência de ter ajudado a fazer da ínfima realidade do futebol feminino português algo que não precisa de ser visto com uma lupa. Ainda há pouco, quando estava no Benfica, andava a dar de caras com o Barcelona na Liga dos Campeões e a louvar Aitana Bonmatí para lá da finitude dos minutos que delimitam um jogo. Hoje, partilham balneário.

Desde que se mudou para a Catalunha, Kika Nazareth não perdeu encanto. Ter passado a fazer pandã com as maiores estrelas a valsarem sobre a bola só fez com que expressasse deslumbramento com conhecimento de causa. Porém, uma mudança da Terra para o céu tem os seus prejuízos. Nas últimas duas épocas no Benfica, foi além dos 30 jogos, aproveitando-os para ultrapassar largamente os 20 golos em ambas. Uma vez chegada ao Barcelona tem que se deliciar com a presença em campo apenas durante as intermitências dos astros.

Com maior ou menor utilização, Kika Nazareth participou em todos os primeiros nove jogos da temporada das catalãs. No entanto, somou apenas 311 minutos, o equivalente a 3,5 jogos, colando as partículas de utilização.

Para já, o momento mais proveitoso da internacional portuguesa foi a 9.ª jornada da Liga Espanhola, contra o Levante. Titular num Estádio Ciutat de València composto com 12.269 almas, Kika Nazareth marcou o primeiro golo oficial pelo Barcelona, o segunda da equipa na vitória por 4-1. Um momento que passou do imaginário à efetividade.

“Quero tudo para ontem”, admitiu a jogadora na zona mista. A meio de uma “adaptação que leva tempo”, esteve pela primeira vez 90 minutos em campo desde que rumou ao clube blaugrana – no qual foi apresentada já a saber cantar o hino. “Aqui, com as melhores jogadoras do mundo, temos que aceitar que as coisas levam tempo. É muito fácil jogar e treinar com elas. Foi uma mudança muito grande: país, cidade, equipa, companheiras, amigas.”

Desmarcando-se nas costas da defesa do Levante, Clàudia Pina serviu-lhe a bola para o pé esquerdo e Kika Nazareth fez esquecer aquela versão de si mesma que só ela era capaz de ver, a de uma jogadora que não sabe rematar à baliza. Foi com esse golo que o Barcelona desfez o empate que se registava após o Levante ter reagido ao 1-0 marcado por Vicky López, jovem prodígio que também teve oportunidade no dia em que o Barça atingiu os 21 pontos, coletânea baseada nas sete vitórias em sete jogos.

Kika Nazareth custou €500 mil ao Barcelona, tornando-se na contratação mais cara da equipa feminina. No que toca a si, está “muito consciente” da realidade em que se encontra e até já aceitou que “há dias bons e dias maus”. “Afinal, estou no Barça. Há que dar valor a isso e estar feliz. Isso é uma vitória. Mas eu quero sempre mais.”

O papel no Barça

Duas Ligas dos Campeões depois, Jonatan Giráldez continuou a carreira nos Estados Unidos. Pere Romeu, antigo adjunto, herdou o cargo de treinador principal da equipa que move o mundo. O processo tem provas dadas e faz as individualidades ajoelharem-se perante ele.

“O Barça é a melhor equipa da Europa, tem um plantel em que todas estão num nível incrível.” Sandra Riquelme estava na transmissão do Levante-Barcelona para a DAZN Espanha e manifestou-se no ar a favor da eleição de Kika Nazareth como mulher do jogo. “Atuou com muita liberdade, melhorou todas as jogadas, jogou muito bem de frente, soube aguentar a bola quando tinha que a aguentar, soube acelerar quando tinha que o fazer”, descreve à Tribuna Expresso.

A comentadora entende que existem “razões lógicas” para que Kika Nazareth esteja a demorar a afirmar-se. Mesmo que a ideia de jogo do Benfica, “de crescer através da posse, de domínio da bola”, seja “muito similar à do Barcelona”, não é “simples” entrar no onze.

“Acho que lhe tem custado mais porque a testaram em várias posições.” Sendo que para Sandra Riquelme a posição de falsa nove é aquela onde a jovem “melhor de encaixa”, a concorrência é forte. Ewa Pajor outra jogadora que reforçou as catalãs esta época, vinda o Wolfsburg, “parece que jogou a vida toda” no Barcelona. A sagacidade da polaca levou-a a conseguir dez golos nos primeiros nove jogos em Espanha. “Pere Romeu tem uma nove clara e está a testar quem colocar quando tem que dar descanso à Ewa Pajor. Está a tentar que seja Kika.”

A seu favor, a criativa tem o facto de ter caído “nas boas graças do balneário e dos adeptos pelo caráter extrovertido”. E não só. Tem também demonstrado “sacrifício” ao ser “a primeira a tentar recuperar a bola” sempre que a perde. Uma vez que “entende o futebol como o Barça o entende”, Kika está mais próxima de ser aposta consistente no futuro.