De certeza que é boa ideia abandonar este estádio? Querem mesmo sair deste coliseu, deste teatro de emoções, deste recinto erguido quando Eduardo VII ainda era o monarca do Reino Unido? Se calhar ainda vão a tempo de devolver o projeto megalómano para o fundo da gaveta.

Quando tudo acabou, Ruben Amorim destacou o som. O rugir, o grito, o barulho, o barulho intenso. "Nos golos do Mainoo e do Maguire, o som do estádio é o melhor que já ouvi. É o melhor som do mundo". Mudem tudo, só não mudem o rugido.

O rugido de Old Trafford. Olá, eu sou o Ruben. Olá, eu sou Old Trafford, muito gosto. Uma coisa é ver algo pela primeira vez. Outra é senti-lo pela primeira vez, vivê-lo. 17 de abril de 2025: a noite em que Amorim conheceu o lado louco de Old Trafford.

À entrada para o minuto 120, a eliminatória dos quartos de final da Liga Europa parecia ser mais um capítulo negro na pior temporada da história recente dos red devils. Atuando com mais um desde os 89', o United estava a perder por 4-3 contra o Lyon. Após o 2-2 da primeira mão, a equipa de Paulo Fonseca arrancou a perder por 2-0, fez o 2-2, forçou o prolongamento e, nessa fase, marcou aos 105' e 110'. Bruno, sempre Bruno Fernandes, reduziu de penálti aos 114', mas o os ingleses encaminhavam-se para uma derrota que deixava profundas feridas no projeto Amorim.

"Pensávamos que tínhamos a passagem garantida", comentou, depois do jogo, Paulo Fonseca. Só que não.

Martin Rickett - PA Images

"É difícil entender exatamente o que sucedeu", acrescentou Fonseca. Vamos tentar.

Entrando nos 120', o United estava eliminado. Estava eliminado e nem sequer tinha muitas opções atacantes em campo, privado dos lesionados Amad Diallo ou Zirkzee, com Garnacho e Højlund já substituídos. Solução? Maguire, defesa, a ponta de lança, Mainoo, médio, como uma espécie de segundo atacante. Pensos rápidos para tentar sarar a ferida.

E chegou-se a uma vertigem, a segundos de loucura. Aos 109:09, Bruno tocou para Casemiro, o brasileiro deu para Mainoo e o jovem, ágil, tirou um adversário da frente e marcou. 4-4 e os penáltis à vista. Só que não.

Passados 86 segundos, Casemiro cruzou para Maguire. Repare-se na originalidade dos posicionamentos. Mainoo como atacante, Casemiro a cruzar bolas, Maguire, o patinho feito Harry, como homem de área. Cabeceamento, 5-4.

"Revi o documentário sobre 99 para obter inspiração para estes momentos", contou Ruben após o apito final. O United de Amorim já tem a sua reviravolta à Barcelona 1999.

Do lado da derrota ficou o estético e bem trabalhado Lyon de Paulo Fonseca, uma equipa unida em torno do seu técnico, duramente castigado em França. O português só chegou em fevereiro, mas já catapultou o OL para quarto lugar da Ligue 1, a apenas dois pontos do segundo, e esteve a segundos da meia final da Liga Europa.

Com o fantasista Cherki a brilhar, possivelmente numa espécie de apresentação ao público inglês que na próxima temporada o verá regularmente, os franceses caíram ante a mística de Old Trafford. "Neste estádio, neste clube, tens sempre a sensação que algo pode acontecer. Hoje foi mais um dia assim", disse Amorim.

A épica vitória não apaga os problemas do United. Este continua a ser um clube com uma política desportiva indefinida, com contratações que não resultaram, com demasiado ruído. Este continua a ser o 14.º da Premier League. Mas perder teria sido um duro golpe para o projeto Amorim, que ficaria a receber críticas e a aglutinar dúvidas até agosto, com a garantia de entrar na próxima temporada muito pressionado. "É o tipo de momento que pode mudar muita coisa na cabeça dos jogadores", admitiu o ex-Sporting.

Michael Regan - UEFA

Na apresentação emocional de Old Trafford a Ruben Amorim, o treinador respondeu de volta mostrando, possivelmente pela primeira vez em Inglaterra, o seu famoso sorriso. A alegria, a felicidade. Em poucos meses, o técnico pareceu envelhecer vários anos, o olhar mais cansado, a expressão mais irritada, a luz que emanava a apagar-se. Como se os dois golos em 86 segundos tivessem reiniciado a máquina, Ruben pareceu de volta, regressando os festejos, a felicidade, a celebração de punho cerrado para a bancada, até um salto para comemorar à golo de Matheus Nunes nos descontos do dérbi contra o Benfica em 2021.

Quando Amorim se juntou a Ferdinand e Scholes para uma entrevista pós-jogo, o médio do cabelo cor de cenoura atestou a face contente do técnico. "É bom ver o teu sorriso", disse Paul.

"É por isto que o futebol é o melhor desporto do mundo", atirou Amorim, que já definiu a rota para as próximas semanas. Dar prioridade à Liga Europa é a ordem, correndo "riscos com os miúdos na Premier League". Até Bruno Fernandes, assegura o treinador, deverá ter descanso no campeonato, de olhos postos na prova europeia que, em caso de vitória, dará entrada na Liga dos Campeões 2025/26.

Assim, a receção ao Wolverhampton de Vítor Pereira, que chega em excelente momento, e a visita ao Bournemouth serão compromissos de menor relevo face à eliminatória com o Athletic Bilbao. O United irá ao País Basco a 1 de maio, recebendo os espanhóis uma semana depois. Em caso de triunfo, os red devils voltarão a San Mamés, estádio da final, e Amorim já lembrou que, em 2013/14, o Ruben jogador também disputou meias-finais e final no mesmo local, no caso Turim, quando o Benfica derrotou a Juventus antes de perder a final com o Sevilha.

A última vez que o Manchester United vencera um encontro por 5-4 foi a 1 de fevereiro de 1958, em Highbury, contra o Arsenal. Duncan Edwards, Bobby Charlton, Tommy Taylor, com um bis, e Dennis Viollet marcaram naquele triunfo. Passados cinco dias, Edwards e Taylor morreriam no desastre aéreo de Munique.