A apoteose de Celine Dion a cantar na Torre Eiffel
Os sacrifícios. É esse o recheio da medula de qualquer atleta olímpico, seja quem for, para chegar ao píncaro desportivo que é estar presente nos Jogos, nuns Jogos, os que forem. Quando, há duas semanas, a Torre Eiffel se rendeu à escuridão para nela serem iluminados apenas os cinco anéis olímpicos, Paris quietou-se por momentos, o que será que vinha aí, a música era o preâmbulo de uma magicação maior. O único outro foco de luz mostrou-a, branca e reluzente, a brilhar como uma das estrelas que o bocejo da Lua ilumina. Celine Dion já era um rumor, não foi propriamente inesperada a sua presença na cerimónia de abertura.
Mas não assim. Há quatro anos que a canadiana estava em silêncio, ela sem cantar, o mundo sem a ouvir, a música mais pobre pela crueldade de uma raríssima doença neurológica (Síndrome de Pessoa Rígida, que afeta músculos e tendões com espasmos frequentes, incluindo as cordas vocais) a ter escolhido. Quando a sua força da natureza cantou “mon amour, crois-tu qu’on s’aime?”, a penúltima frase do ‘Hino ao Amor’, de Édith Piaf, com o seu vozeirão de sempre intacto, a cara da cantora não escondeu ser uma pessoa quase a desmanchar-se ali, por completo e em lágrimas, ao fitar a multidão lá em baixo. O olhar enternecido, abismado até, do pianista que a acompanhou, ilustra a majestosa atuação com que Celine Dion abriu os Jogos Olímpicos. E basta ver o documentário ‘I Am Celine’ para se ter uma singela ideia dos sacrifícios que a cantora terá feito para lhe ser possível estar a ousar cantar na Torre Eiffel.
A mulher que é mulher e deu um murro em cheio no bullying
Factualmente, Angela Carini entrou no ringue, levou nem três socos na cara e desistiu do seu primeiro combate no torneio de boxe olímpico ao fim de 46 segundos. A desolada italiana queixou-se de nunca ter sido esmurrada com tanta força. Quem a derrotou, nesse dia, esteve quase duas semanas volvidas a combater na arena fechada de Roland-Garros, de murro em soco, até acabar com a medalha de ouro na categoria de 66 quilos e declarar, não inocentemente: “Eu sou uma mulher forte.” É mesmo, Imane Khelif provou-o com risos e lágrimas, cheia de uma força que ultrapassa a que precisa de ligaduras a prender pulsos e luvas vestidas nos punhos.
A argelina não teve apenas de esquivar-se de socos e responder com os seus, mas, por forças desmioladas que não controla, foi forçada a ver como duvidaram do seu género: políticos a acusarem-na de não ser mulher, o presidente da desacreditada Associação Internacional de Boxe a convocar uma conferência de imprensa, em plenos Jogos, para apontar o mesmo, alegando os resultados (que nunca divulgou) de um “teste” realizado há um ano e medir umbigos com o Comité Olímpico Internacional, que há muito lhe retirou o estatuto de regulador da modalidade, jornalistas a irem ao seu país e o seu pai a mostrar-lhes a certidão de nascimento da filha. O ouro de Imane Khelif, da mulher Imane Khelif, foi um murro em cheio nas bochechas de quem adora desinformar sem provas ou cavar sem pensar duas vezes (talvez nem uma primeira) uma trincheira na terra onde guarda os estereótipos.
A selfie (da publicidade) entre atletas das duas Coreias
Que as duas Coreias, enquanto nações, não se olham bem nos olhos é pedra assente desde o final da Segunda Grande Guerra e o subsequente conflito (1950-53) que riscou no mapa uma fronteira forçada 38 graus a sul da linha do equador. Desde então que há uma Coreia do Norte e outra do Sul, a iminência de um novo conflito paira de forma mais ou menos iminente, conforme sopra o vento (o que empurrou, em maio, balões de ar que os vizinhos de cima encheram de fezes para a brisa levar rumo ao lado de lá da divisão). As animosidades parecem percecionadas como acérrimas.
Depois lá aparece o desporto, com o seu condão de peace and love. Também aparente, ou não, a prova mista de ténis de mesa olímpico proporcionou um momento para acreditar que sim. No pódio que entregou as medalhas, Lim Jong-hoon, sul-coreana que venceu o bronze com Shiu Yu-bin, pegou no já típico telemóvel dado aos medalhados nestes Jogos, virou as lentas para si, sorriu e, no enquadramento, ficaram os tímidos sorrisos de Ri Jong Sik e Kim Kum Yong, dupla da Coreia do Norte - e lá atrás, já agora, Wang Chuqin e Sun Yingsha, os chineses que levaram o ouro, mas irrelevantes neste gesto. Mesmo se por um momento, eis atletas vindos de país que se antagonizam, principalmente o que tem armas nucleares, a simbolicamente provarem que o desporto pode ser um campo que deixe estar as diferentes sossegadas, mesmo que apenas brevemente.
E tudo se deu com um telemóvel de marca Samsung, gigante tecnológica da Coreia do Sul que fez várias marcas parceiras dos Jogos Olímpicos ficarem algo furibundas por ter um pedaço de produto dos seus a ser usado no instante (em todos, aliás) que o Comité Olímpico Internacional sempre protegeu de investidas publicitárias.
O ‘Teddy Bear’ que afrancesou o judo
Não sabemos se estão bem a ver quem é Teddy Riner. Uma ajuda: mede 204 centímetros, a balança indica que pesa algures entre os 130 e 150 quilos, conforme o estado de forma, o espelho devolve um físico que é um armário de músculo. Ele foi quem ateou a chama olímpica de Paris (a meias com a ex-velocista Marie-José Pérec) e um dos sete atletas escolhidos para apagarem, com sopro, a chama representada por uma vela na cerimónia de encerramento. Não é ter aparecido nessa convivência com o fogo que o matulão francês merece uma referência.
É, sim, por ter sido, a par do nadador Léon Marchand, o maior sedutor de atenções do povo francês, das barulhentas gargantas que encheram a Arena Champs-de-Mars, onde ele, já com o ouro conquistado na prova individual de +100 quilos - a sua terceira medalha olímpica das mais valiosas -, se prestou a resgatar o país para uma vitória épica. Às tantas, pareceu um guião de Hollywood a piscar o olho aos colarinhos dos espetadores, cheio de trama disposta em montanha-russa: a França discutia com o Japão a final mista de equipa, tudo estava empatado, era preciso sortear a categoria de peso para um último e decisivo combate, toda a gente olhou para o sorteio eletrónico em suspense. Calhou o peso de Teddy Riner. E o bom gigante, vindo ao mundo na Martinica e Embaixador da Boa-Vontade da UNICEF, pôs Tatsuru Saito no tatami no derradeiro combate foi decidido no golden score.
O grandalhão que o carinho de um povo conhece por ‘Teddy Bear’ ou ‘Le Roi Teddy’ levou um pavilhão, com certeza um país também, à euforia. E tornou-se, aos 35 anos, o atleta francês que tem mais medalhas de ouro (cinco) em Jogos Olímpicos. O ruivo Léon Marchand, na flor da idade, com as suas quatro, poderá eventualmente destroná-lo.
Katie Ledecky, a mulher-medalha
Sorriso cândido, olhar simpática, cabelo ruivo penteada com as mesmas linhas desde há muito, ou pelo menos de 2012 para cá, quando Katie Ledecky, um fenómeno de precocidade nas piscinas, mergulhou nos Jogos de Londres para, aos poucos, se fundir com a água cheia de cloro. Uma dúzia de anos contados e a americana, de 27, parece uma experiente veterana das braçadas. Vistas bem as coisas, é um facto. Porque temos de atentar às suas conquistas.
Paris fez de Ledecky a mulher com mais medalhas olímpicas da história, são 14, ou se calhar foi Katie a fazer da capital francesa a cidade que teve a honra de coroar uma das melhores desportistas da história, a verdade dependerá da perspetiva. A nadadora americana levou quatro (duas de ouro, uma de prata, outra de bronze) medalhas destes Jogos, igualando a contagem de Larissa Latynina, antiga ginasta soviética. Para sempre ficará a memória de ver Ledecky nada sozinha, sem um salpico vindo das pistas ao lado, ao terminar a prova dos 1500 metros onde não há mulher que se aproxime dela. Uma das promessas de Los Angeles, daqui por quatro anos, é já a coroação que estará à espera de Katie Ledecky.
A levitação de Gabriel Medina na fotografia mais partilhada dos Jogos
Fotografia é lente, obturador, luz e velocidades de disparo. Saber onde estar e para onde olhar também. E a sorte. Jérôme Brouillet estava no barco que guardava dezenas de pessoas com câmaras em riste em Teahupo’o, a flutuar à margem das mandíbulas da onda taitiana onde decorreu a prova olímpica de surf, a aguardar o preciso segundo em que sabia que Gabriel Medina haveria de sair disparado de uma brutal caverna de água. O seu instinto tinha as antenas sintonizadas, o kick off do brasileiro surgiu mesmo na sua mira.
Medina vinha da melhor onda do evento (de zero a 10, foi pontuada com 9.90) tomado pela adrenalina, aproveitou a rampa de água, saiu de braço esticado no ar - e o botão premido por Jérôme, francês que se mudou para a Polinésia Francesa há uns anos, chamado pela fotografia de surf - apanhou o surfista a levitar sobre a água salgada, hirto e na vertical, com a prancha em simetria e o leash a ligá-los paralelo à linha do mar. “Bom, desta vez carreguei no botão certo”, brincaria o fotógrafo que conseguiu a imagem mais marcante dos Jogos de Paris e contou à Tribuna Expresso que, no momento, até estava mais preocupado em não salpicar o equipamento com água.
De Santa Lúcia, com amor e muita pressa
Santa Lúcia é uma minúscula nação-ilha das Caraíbas, humilde em recursos e pobre em meios, pertencente ao lote de delegações, entre as mais de 200 que vão aos Jogos, por demais singela em feitos olímpicos. Não é incomum que os países caribenhos, à semelhança da Jamaica, nutram os poucos recursos humanos que tenham para darem corda aos sapatos na velocidade - às vezes, até nem solas têm para vestir os pés, que treinam nas areias de praias ou pistas de aeroportos.
Julien Alfred não está num desses extremos, mas no outro, das atletas a quem a vida sorriu com sorte e familiares resilientes que arranjaram forma de a enviar, em criança, para a Jamaica, depois para uma Universidade nos EUA, onde aprimorou a corrida e lá foi fazendo tempos promissores, portanto rápidos, muito rápidos mesmo, mas sem as luzes da fama de uma Sha’Carri Richardson ou Shelly-Ann Fraser-Pryce, americana que a viu ganhar os 100 metros em pista e a jamaicana que assistiu à distância, retirada por lesão. Julien Alfred foi a surpresa a correr por fora que ainda foi ao bronze nos 200 metros, dando logo duas medalhas a Santa Lúcia que jamais ganhara alguma. É uma das histórias-postal que ficam de Paris.
Léon Marchard, rei em casa
A La Défense Arena quase ia abaixo. E quatro vezes. Nem sempre essa feliz coincidência acontece, mas a maior figura dos Jogos Olímpicos de Paris é alguém da casa, um nadador de exceção, que empolgou o público e por ele também foi puxado, numa simbiose gloriosa e dourada a cada último toque na parede da piscina. León Marchand sai dos Jogos com quatro medalhas de ouro individuais ao peito e ainda contribuiu para o bronze francês na estafeta de 4x100m estilos, um total de cinco caricas que o coloca no topo dos atletas mais medalhados nestes Jogos.
Treinado por Bob Bowman, o homem que acompanhou toda a carreira de Michael Phelps, o francês de 22 anos foi ouro nos 200m estilos, 400m estilos, 200m bruços e 200m mariposa, cruzando a piscina com uma versatilidade incomum. A noite de 31 de julho foi a apoteose de um desempenho olímpico extraordinário: nos 200m mariposa, só nos últimos 50 metros conseguiu ultrapassar Kristof Milak, com o público a dar o empurrão. Minutos depois, com mais autoridade, foi também primeiro nos 200m bruços. Foi ele que carregou o pedacinho de chama olímpica que seria simbolicamente apagado na cerimónia de encerramento, porque antes tinha sido ele a carregar o entusiasmo francês no início destes Jogos.
Um império americano secado por um ‘peixe-voador’
No bravatto emanado das piscinas por homens com guelras e barbatanas, os EUA tinham, até Paris, um reduto só deles, um império histórico com 400 metros de comprimento feito por quatro homens. Desde 1960, quando a prova foi introduzida nos Jogos Olímpicos, que os americanos dominavam com ouro os 4x100 metros estilos. A única exceção, em 1980, ocorreu por imposição de Jimmy Carter, o então presidente que ordenou que se fizesse um boicote à Rússia devido à invasão do país ao Afeganistão. De resto, a prova só conhecia vitórias dos Estados Unidos.
Esse império aquático secou na Arena La Défence, em parte culpa das labaredas de Pan Zhanle. A última estafeta foi dele, o ‘peixe-voador’ de quem pouco se sabe além da estonteante rapidez a nadar as distâncias de velocidade: fechou os seus 100 metros livres em 45,92 segundos, confirmando a inédita vitória da China, tempo mais rápido do que os 46,90 segundos com que arrebatara o ouro na prova individual. Aos 19 anos, o chinês é o novo fenómeno da velocidade na piscina, a despontar numa era em que os dedos em riste na direção do seu país são muitos devido aos casos de doping conhecidos em nadadores seus, que meio que foram ocultados pelo Comité Olímpico Internacional.
Biles, Rebeca e “aquela” foto
Os Jogos da redenção de Simone Biles tornaram-se, também, nos Jogos da diversidade na ginástica. A norte-americana conquistou o título do all-around e ainda ajudou a equipa dos Estados Unidos a recuperar o título olímpico coletivo, perdido em Tóquio para a Rússia depois de Biles abdicar da competição. O ouro no salto foi uma questão burocrática, como também seria o do solo. Só que no seu habitat natural, Biles mostrou que também é humana. Errou e o título olímpico foi para Rebeca Andrade, a carismática brasileira, numa distribuição feliz e justa da glória olímpica.
Para a história ficará o momento em que Simone Biles e a sua colega de seleção Jordan Chiles acordaram fazer uma vénia a Andrade - e mesmo que Chiles venha a perder a medalha de bronze, aquela foto quedará como testemunho de respeito e amor entre duas ginastas rivais, que se elevam e empoderam uma à outra. E não é isso também o espírito olímpico?
Sifan Hassan e um feito zátopekiano
É uma tradição: o pódio da maratona feminina realiza-se sempre em plena cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos, um justo prémio para uma das provas mais duras do programa olímpico. Em Paris, Sifan Hassan foi a primeira a cortar a meta na Esplanade Des Invalides, mas essa não foi a sua única medalha nestes Jogos: foi também bronze nos 5.000m e 10.000m, no projeto mais ambicioso de Paris 2024. Antes dela, só o mítico Emil Zátopek, a “Locomotiva Checa”, tinha conseguido medalhas nas três mais longas disciplinas do atletismo - Zátopek foi ouro nesta troika, em Helsínquia 1952.
Para lá do quase humanamente impossível feito desportivo - dos 5.000m até à maratona há um mar que as separa -, a atleta neerlandesa de 31 anos, originária da Etiópia, num gesto que dificilmente terá sido não deliberado, subiu ao pódio usando um hijab, num país que proíbe as suas atletas de competir de lenço. Em outras competições, Hassan já subiu ao pódio de lenço, mas nunca o tinha feito de hijab.
Mijaín López, o único pentacampeão individual
O final foi digno de filme: Mijaín López, o gigante cubano de 41 anos, bateu o seu adversário na final dos 130kg da luta greco-romana, festejou com o seu treinador, saudou o público e logo depois tirou as suas sapatilhas, deu-lhes um beijo carinhoso, levantou-as ao alto e de seguida pousou-as bem no centro do tapete, virando-lhes costas. Na linguagem não escrita dos desportos de combate, quando um atleta abandona as suas botas está a abandonar a carreira, dando espaço a outros.
Mas este não foi um adeus triste ou amargurado, bem pelo contrário. Mijaín López tornou-se, em Paris, no primeiro atleta a vencer cinco medalhas de ouro consecutivas no mesmo evento individual, fazendo melhor que Michael Phelps ou Carl Lewis. Foram ouros em Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, Tóquio 2020 e, agora, Paris 2024. Com quase dois metros de altura e 130 quilos de peso, o Gigante de Herradura, a sua vila natal, cresceu a acartar caixas de fruta e a perseguir animais. Diz adeus com apenas uma derrota em Jogos Olímpicos, na estreia, em Atenas 2004, há 20 anos.
Novak Djokovic fecha o círculo
Não poucas vezes o torneio olímpico de ténis foi ignorado pelos melhores atletas, por não distribuir pontos para o ranking ou prémios monetários. Mas em Paris 2024, faltaram poucos para jogar no mítico complexo de Roland-Garros.
Para Andy Murray, bicampeão olímpico em Londres e Rio, foi o cenário escolhido para encerrar a carreira. Para Nadal, uma passagem obrigatória naquele que deverá ser o seu último ano a competir. E para Novak Djokovic e Carlos Alcaraz, um dos objetivos da temporada. Na estelar caminhada do sérvio pela história e recordes do ténis, os Jogos Olímpicos eram uma espinha entalada num currículo onde estão todas vitórias importantes. Foi bronze em Pequim 2008, mas queria o ouro e, aos 37 anos, Paris era, provavelmente, a derradeira oportunidade. A forma como festejou o título olímpico, como chorou e viu o corpo tremer antes de se unir em abraços à família, diz muito sobre a importância desta medalha de ouro para Djokovic. “É o meu maior feito desportivo”, sublinhou. Um dos momentos mais emotivos destes Jogos Olímpicos e o fechar de um círculo para um dos maiores atletas da história.
Remco Evenepoel para a fotografia. E para a história
Foi para a fotografia e ele admitiu-o. Na hora de fazer história e se tornar no primeiro homem a vencer as provas de contrarrelógio e em linha nos mesmos Jogos Olímpicos, Remco Evenepoel cruzou a meta, na Pont d’Iéna, saiu da bicicleta e abriu os braços, saudando a Torre Eiffel atrás de si.
A histórica dobradinha no ciclismo não se fez sem domínio e drama, em doses iguais. Acabado de chegar de um 3.º lugar no Tour, o belga de apenas 24 anos, começou por arrasar a concorrência no contrarrelógio, deixando Filippo Ganna, italiano que nasceu para bater o relógio, a 14 segundos. Já na prova de estrada, a mais longa da história dos Jogos Olímpicos (mais de 270 quilómetros) e que percorreu alguns dos lugares mais icónicos da cidade de Paris, Evenepoel fugiu a solo quando já se respirava o ar dos bairros mais característicos da cidade-luz. Ainda furou a escassos três quilómetros da meta, mas a vantagem já era tão larga que o que se seguiu foi um passeio até à foto perfeita, abençoada pelo ícone maior de Paris. Foi para a fotografia e a mais impressionante exibição de um ciclista na história olímpica mereceu tal imagem.
Noah Lyles é o (milimétrico) homem mais rápido dos Jogos
Noah Lyles foi uma das caras do clima de desilusão com que os Estados Unidos saíram do atletismo dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Os norte-americanos conquistaram “apenas” sete medalhas de ouro e nenhuma delas foi nos 100 metros, onde procuravam voltar à glória depois do adeus de Usain Bolt. Lyles era um dos herdeiros prováveis, mas demorou a confirmar essa expectativa. Não se qualificou para a distância para Tóquio e foi apenas bronze nos 200m. Mas chegou a Paris finalmente com o estatuto de campeão mundial em título nos 100 e 200m.
No hectómetro, Lyles confirmou o que há tanto se esperava dele, mas foi preciso esperar e fazer muitas contas: não foram décimos ou centésimos a separá-lo do jamaicano Kishane Thompson, mas sim milésimos que só o photo finish descortinou. Lyles era, finalmente, o homem mais rápido do planeta, ainda que milimetricamente, e os Estados Unidos voltavam a ser donos da medalha mais apetecível do programa olímpico. Nos 200m, Lyles era favorito para a dobradinha, mas voltou a ser bronze como em Tóquio: acabou em dificuldades e amparado por médicos. Mais tarde soube-se que tinha corrido com covid-19.
Ainda assim, o histriónico sprinter faz parte do renascer do atletismo norte-americano, que saiu de Paris com 14 medalhas de ouro, o dobro das conquistadas em Tóquio.
O azar de Marín e o fair-play de He Bingjiao
Carolina Marín é história do badminton. A espanhola é a única mulher não asiática a sagrar-se campeã olímpica na modalidade, no Rio de Janeiro, em 2016, e os três títulos mundiais e oito europeus tornaram-na numa estrela do desporto do país vizinho. Os Jogos de Paris marcavam o regresso para a atleta de 31 anos, que falhou Tóquio 2020 depois de ter sofrido duas lesões de ligamentos nos joelhos.
Na capital francesa, o conto de fadas parecia desenhar-se: nas meias-finais, Marín venceu o primeiro set frente à chinesa He Bingjiao e liderava confortavelmente o segundo parcial. Mas foi aí que o joelho da espanhola voltou a ceder. Uma lesão grave que tornou uma medalha praticamente garantida numa desistência dramática para a comitiva de Espanha. No meio do azar de Marín, He Bingjiao avançou para uma final onde, em circunstâncias normais, provavelmente não estaria. E não se esqueceu disso mesmo: quando subiu ao pódio para receber a medalha de prata, a atleta chinesa levantou um pin com a bandeira de Espanha, lembrando a adversária caída em combate.
Ninguém voa mais alto do que Mondo Duplantis
Imagine-se um atleta tão dominador, num planeta tão à parte numa determinada disciplina, que os próprios rivais não têm outra opção que não seja lutar galhardamente pelas medalhas de prata e bronze e depois torcer para que ele faça mais história. Assim é com Armand Duplantis. Na noite de 5 de agosto, no Stade de France, as 80 mil almas que enchiam as bancadas e os adversários do saltador com vara iam fazendo força para que o sueco cumprisse aquilo que já se esperaria que cumprisse: revalidar o título olímpico (foi apenas o segundo homem na história a fazê-lo), com recorde mundial, nuns Jogos Olímpicos em que eles não caíram com facilidade.
Duplantis saltou 6,25 metros, porque é mais rápido e ousado do que os demais terráqueos, batendo pela oitava vez o seu próprio recorde do mundo, e depois saltou para os braços da família e colegas de profissão, tão ou mais admirados com os feitos deste rapaz nascido e forjado nos Estados Unidos quanto um simples leigo. Tem apenas 24 anos e não se lhe conhecem limites. Às vezes parece querer descobrir onde é que está o tecto do mundo.