Chegou há pouco mais de um ano ao Norte de França. Salvou o Dunkerque da descida ao terceiro escalão e nesta época disputa os lugares de subida à Ligue 1. Único treinador português na segunda divisão dos países do top 5 do ranking UEFA, o vencedor da Youth League pelo Benfica conta-nos a sua experiência e os motivos de ser a segunda equipa na Europa que mais vezes coloca os adversários em fora de jogo. A outra é o Barcelona.
— Já está há mais de um ano no Dunquerque. Que balanço faz?
— Cheguei em setembro do ano passado com a equipa em zona de descida. O diretor desportivo é Demba Ba, antigo avançado que jogou no Chelsea, Newcastle, Besiktas, entre outros. Pediram-me que trouxesse um futebol mais ofensivo e atrativo, um pouco diferente do que se pratica na Ligue 2. O objetivo era manter a equipa na Ligue 2 na época passada e conseguimos. Em dezembro diziam que estávamos condenados e que seria um milagre se conseguíssemos a permanência, mas fomos a terceira melhor equipa na segunda volta. Não foi milagre, foi trabalho.
— Mas nesta época estão em zona de subida à Ligue 1. O que mudou?
— Contratámos jogadores para a nossa filosofia de jogo. Mesmo não tendo segurado futebolistas que foram para outras ligas, reforçámos a nossa estrutura. Veio um adjunto de Portugal, organizámos o departamento médico, de scouting e o restante staff. No entanto temos um dos orçamentos mais baixos da Ligue 2 e não temos as mesmas condições de trabalho de outros clubes mais estruturados.
— A subida é um objetivo assumido?
— Não. Porque não temos as mesmas armas. Há clubes que contratam jogadores por €3 milhões ou temos o caso do Lorient que contratou no ano passado jogadores por €9 milhões, desceu da Ligue 1 e mesmo assim mantiveram-nos. Nós, por sua vez, tivemos de contratar jogadores e custo zero. Estamos a falar de clubes que pagam salários cinco vezes mais elevados que os nossos e têm condições de treino melhores. Mesmo assim assumimos que queremos vencer todos os jogos que disputamos.
É um risco maior jogarmos tanto no fora de jogo num campeonato sem VAR, mas as pessoas gostam do nosso futebol
— Depois do Barcelona, o Dunkerque é a segunda equipa na Europa que coloca mais vezes os adversários em fora de jogo, noticiou o L'Équipe. Como é que explica isso?
— Só neste último jogo colocámos o adversário [Grenoble] nove vezes fora de jogo. E além disso somos a equipa que mais vezes chega à grande área adversária com a bola controlada. Isto tem a ver com a nossa forma de jogar, com uma defesa muito subida. As minhas equipas sempre jogaram assim, mesmo na formação, com pressão alta e linhas avançadas. Melhorámos nesse aspeto com a chegada do nosso adjunto José Costa, que aportou-nos alguns conhecimentos para uma melhor coordenação da linha defensiva.
— Não é um risco muito grande num campeonato que não tem VAR?
— Concordo, é um risco maior. Já me pronunciei sobre isso publicamente, acho negativo uma liga como esta não ter videoárbitro, até dei o caso de Portugal como um exemplo a seguir, já que existe VAR na Liga 2.
— Sem poder divulgar tudo, pode revelar o segredo para o vosso sucesso com a linha do fora de jogo?
O estádio tem estado sempre cheio, com assistências de cinco mil pessoas. Tomara termos isso na nossa Liga
— Temos um grande controlo da profundidade com o nosso guarda-redes e os nossos defesas têm uma reação muito pronta sempre que há um passe atrasado do adversário para subir rapidamente.
— Diogo Queirós faz parte dessa dinâmica?
— Ele está a jogar a 6.
— Isso é uma novidade.
— Essa foi também a minha reação quando o scouting me apresentou o nome dele estando na lista de possíveis contratações para médio defensivo porque foi nessa posição que ele jogou na Roménia [Farul].
— O futuro dele vai passar por aí?
— Penso que sim. Ele ainda tem pouco tempo nesse lugar porque a formação dele foi feita a central [no FC Porto]. Precisa de evoluir no jogo sob pressão, mas como é forte defensivamente e tem um raio de ação largo, acho que tem grande margem de evolução.
— Os adeptos estão com a equipa?
— Bastante. Dizem que gostam desta nova forma de jogar. Ele estavam habituados a ver a equipa a jogar sempre com um bloco baixo. Mas o estádio está a registar enchentes, o que é sinal positivo. Temos uma lotação de cinco mil pessoas. Tomara os estádios na Liga em Portugal terem estas assistências.
— Dunkerque é cidade com história, teve importância estratégica na II Guerra Mundial. Gosta de aí viver?
— Tem um clima muito inglês devido à proximidade, chove muito. Mas é muito seguro, tranquilo. A casa onde vivo permite acomodar a minha família quando me vem visitar. Ainda não fui a Inglaterra, mas já visitei a Bélgica, que fica aqui colada. Mas não sou de sair muito, fico mais a ver jogos na televisão ou a estudar.
— Como está esse francês?
— Agora está bom. Quando cheguei não sabia falar a língua, mas passado um mês estava a dar conferências de imprensa em francês. Tentei ver muita televisão em francês, mesmo os jogos da Liga Portuguesa fazia questão de os ver na televisão francesa para aprender os termos técnicos. Com o nosso staff pedia para nunca falarem em inglês comigo, sempre em francês. Caso não entendesse, pedia para falarem mais devagar.
— É a tradicional capacidade de adaptação portuguesa. Luis Enrique está há ano e meio no PSG e continua a falar espanhol…
— Não tenha dúvida de que nós somos os melhores do mundo a adaptar-nos ao contexto. Nisso os portugueses são imbatíveis!
— O seu futuro próximo vai passar pelo Dunkerque?
— Tenho contrato por mais época e meia. Sinto-me muito bem aqui, identifico-me muito com as pessoas que estão acima de mim, temos uma grande conexão. Mas eles sabem que no futuro irei querer dar o salto. O trabalho que temos vindo a desenvolver aqui dá-nos visibilidade. No final da época passada tive essa possibilidade, com propostas financeiramente superiores, mas não eram projetos que me atraíam como este. Vamos mantendo a lógica do semana a semana, jogo a jogo.