É preciso uns pés e uma cabeça no meio-campo que pensem mais em atacar, tabelar e arriscar? Senta-se então Florentino Luís. Falta alguém com outra genica com a bola, com fintas e passes para a frente? Não faz mal, tira-se Florentino. Um miolo a dois jogadores ou a três precisa de tipos que não se limitem a ser ladrões, a dar não poucos, mas os necessários toques na bola, fazendo o difícil que é jogar simples? É melhor tirar Florentino. Quer-se ter no onze Jan-Niklas Beste, um extremo à antiga, de largura e sem rodeios para cruzar ou rematar? Nada temam, há um médio feito no Seixal, com 15 anos de Benfica, pronto a ser sacrificado.

A história de Florentino Luís tem páginas de sucesso, há duas medalhas de campeão nacional, ele já se fartou de sorrir, mas está repleta de intermitências, de episódios pontuados por questões do cariz das acima feitas em que a resposta invariavelmente desfez o sorriso ao pacato jogador de 25 anos de quem nunca se ouviu uma queixa, notou um olhar de soslaio, um gesto de protesto, nem no banco de suplentes do Estádio da Luz, neste domingo, enquanto o Benfica despertava aos repelões contra o Rio Ave.

Abdicando de Florentino para ter o alemão loiro e barbudo aberto na esquerda, a dar largura ao jogo atacante, foram 10 minutos cheios de solavancos, segundas bolas, passes errados e tentativas bruscas de procurar Pavlidis no jogo direto até Kökçü, por fim, pegar no volante de uma jogada. Quando o turco, no centro-esquerda, se pôs pela primeira vez no sofá de conforto que o esquema de Bruno Lage lhe dá, meteu um passe rasteiro e vertical que galgou as linhas adversárias e encontrou o avançado grego, um clique pareceu ser dado nos encarnados, alguma faísca cortejou a chama que deu tino à equipa até então um pouco dispersa, algo atabalhoada.

Sem Florentino, o Benfica montou-se mais declaradamente numa espécie de 3-4-3 quando teve a bola, havia Beste à esquerda e Bah a tomar conta da ala direita, com Di María mais na órbita de Pavlidis com Aktürkoglu, ambos a espreitarem no jogo interior deixando o volante das jogadas com Kökçü e a Aursnes as tarefas, muitas vezes, de correr. Com o turco muito vigiado e o norueguês preocupado em arrancar em diagonais para a frente de modo a criar espaço para Di María nas ocasiões em que ele, rendido à sua natureza, abria o posicionamento para perto da linha, os encarnados não encontraram saídas fáceis pela relva.

RODRIGO ANTUNES

Os golos do maior íman deles, por estes dias, no Benfica, ajudaram a tranquilizar pressas e serenar períodos de habituação. O primeiro de Kerem Aktürkoglu terá que ver com o etéreo, das artes de bruxedo que até fazem carambolas, ressaltos e cortes na área reverterem a sua sobra para o turco tão amigo da baliza, que assim fez o 1-0, aos 12’. Da mesma forma marcaria o 3-0, aos 45’+2, quando a bola que serviu a Di María para ele a cruzar fez ricochete em dois corpos antes de acabar nos seus pés. Pelo meio, o 2-0 também foi seu, aos 16’, matreiro a esgueirar-se área dentro para desviar de cabeça um cruzamento de Di María, numa das jogadas em que se encostou à linha para ser lançador.

Entre o par de golos de rajada e o que apareceria nos descontos do turco que os celebra ao segurar uma varinha mágica imaginária, a varinha, não o seu feitiço peculiar posto às balizas, aos poucos o Benfica acostumou-se à nova fórmula sem Florentino. Controlador das tímidas iniciativas do Rio Ave, equipa demasiado lenta a pensar os caminhos a dar à bola, os encarnados, com o tempo, foram abrindo vias para puxarem os apoios frontais de Pavlidis ao jogo para depois o grego acelerar um passe em quem corria por fora. Di María ainda tentou a sua sorte de longe e o próprio avançado teve a sua chance servido por Aktürkoglu.

O dinamismo que faltava ao Rio Ave estaria no corpo de João Graça, médio que entrou ao intervalo para, com as suas conduções de bola, dar outro andamento às posses inócuas dos vila-condenses. As jogadas alcançaram Kiko Bondoso, o matulão Clayton deixou de ser um avançado só para lutar, os três centrais iam circulando a bola entre eles sem pressão por aí além do Benfica, mas a equipa do metódico Luís Freire, homem com mais de 1.200 dias a treinar o Rio Ave, parecia encravada em si própria.

Quando o corpo não alto mas algo largo de Aktürkoglu, que corre com os braços abertos, como quem procura equilíbrio, foi substituído nos arrabaldes dos 60 minutos - ao sétimo jogo, o turco ainda só terminou dois em campo -, os encarnados refestelavam-se numa velocidade cruzeiro que as alterações iriam agitar. Com mais espaços no já não tão baixo bloco do Rio Ave, desenharam jogadas triangulares, Kökçü e Aursnes já com influência plantada em todas as intenções.

O tanque de Arthur Cabral teve uma generosa dose de minutos, esteve irrequieto, fugiu da área para participar nas jogadas e prendeu atenções dentro dela, rematando para testar os reflexos de Cezary Miszta. O fácil rematar Zeki Amdouni, dono de pés potentes na batida da bola, teve antes na sua cabeça uma bola de golo que o guardião polaco bloqueou. Di María prolongou a sua estadia no relvado, fomentador dos seus cruzamentos, passes picados e remates de esguelha, cheio de uma notória vontade em ver o seu nome também no resultado. Às tantas, a partida enganou.

A desvantagem parecia ser do Benfica, multiplicador de jogadas que acabavam dentro da área adversária, insistente num renovado ritmo sedento por chegar à baliza.

Numa dessas, com direito a bola longa e elegante de Renato Sanches, a rasgar o centro da jogada para a esquerda, Beste esperou por Carreras, o cruzamento rasteiro teve via verde na portagem de Kökçü, que deixou a solicitação passar e ir ter com o pé esquerdo de Andreas Schjelderup, o apelido mais complicado de pronunciar do Benfica que fez o 4-0, aos 79’. Uma recompensa para o talentoso norueguês, miúdo de dribles e ziguezagues, outra vontade com pernas, tronco e membros que foi intensificar a fome da equipa por engordar o resultado. Amdouni, a emendar outra jogada cortada nas últimas pelos aflitos defesas vila-condenses, fixou o 5-0, com 81 minutos jogados.

A sensação de não haver tempo a perder, de as camisolas encarnadas virem com uma certa urgência, provou a “determinação” em fugir à imagem deixada contra o Feyenoord, a meio da semana, que Bruno Lage tanto repetira, na véspera, ter avistado nos seus jogadores. Esse feeling perdurou durante a hora e meia de invasão feita na Luz ao Rio Ave, o primeiro adversário do treinador há quase seis anos, aquando da sua primeira chegada ao leme do Benfica. A tal sentimento juntou-se a vontade dos jogadores, titulares e suplentes (menos a de Florentino, que não jogou), em lavrarem o terreno da ressaca. E o abracadabra de um turco que só vê golos à frente.