
Não existia desnível na eliminatória. O empate a dois no Benito Villamarín era insignificante, não conferia vantagem a ninguém. Mas o Vitória SC tinha o Estádio D. Afonso Henriques, a toca da paixão e do entusiasmo, um dos poucos refúgios no país em que se conserva a arte de bem apoiar uma equipa. Não havia sítio melhor para dar total sentido ao fator casa. Até pode ser visto como desonesto fazer parecer à Europa, de forma enganadora, que esta é parte de um todo quando, infelizmente, não há semelhante a nível nacional.
Luís Freire olhava especado para a bancada pejada de gente. Eram chamativos aqueles objetos incandescentes em exibição num dos topos. Sendo a anatomia da magia algo por definir, talvez aquele pudesse ser o rosto do encanto de uma noite europeia. Na carreira do treinador que há uma década estava no Ericeirense, ser parte integrante dos oitavos de final da Liga Conferência não é comum. Também não o é para as gentes de Guimarães que soltavam inusitados perdigotos de paixão no vociferar dos seus cânticos.
Ganhar ao Real Betis significava igualar a campanha mais bem-sucedida na história do clube quando em 1986/1987 o Vitória SC de Marinho Peres chegou aos quartos de final da Taça UEFA. Era convicção fundamentada pela sequência de 13 jogos sem perder na Liga Conferência, o ciclo mais longo de uma equipa portuguesa numa prova europeia. Inglório que a data do fenecer de tão bom momento tenha também sido inscrita na lápide desta campanha.
Ao perder na segunda mão frente à equipa do septuagenário Manuel Pellegrini (4-0), o Vitória SC acabou por ser eliminado (6-2 no agregado) da terceira competição mais importante da UEFA. No dia da despedida, convém recordar o que ficou para trás ou não tivesse tudo isto começado na segunda pré-eliminatória num recôndito estádio em Floriana. Além disso, a fase principal, em que os conquistadores terminaram apenas com o Chelsea à frente, encaminhou os valorizados Rui Borges, Manu Silva, Kaio César, Alberto Costa e Jorge Fernandes à saída e deu textura ao meritório percurso.
Antes do descalabro, na primeira vez que recuperou a bola diante do Rela Betis, Nuno Santos deu valor ao que era tê-la. Conhecedor de postos diversos no figurino de uma equipa, parou o embalo da corrida que ainda trazia do momento defensivo e deu continuidade à circulação através dos centrais. Logo no primeiro lance do jogo, aquele era um suspiro urgente. O Vitória SC quis impor um tom emocionalmente moderado, alhear-se do ímpeto que vinha de fora, sabendo que devia às capacidades do Real Betis algum reconhecimento.
Tomás Händel e Tiago Silva iam fazendo turnos na criação de superioridade na construção. Bakambu e Isco eram moderados na tentativa de distúrbio, deixando para as duas linhas de quatro atrás de si a acutilância da atitude defensiva. No tricô vimaranense, Händel errou um ponto. A nitidez com que Isco vê e executa abriu espaço para que a bola chegasse a Antony e daí seguisse para Bakambu. Após correr meio-campo, o avançado adiantou os sextos classificados da Liga Espanhola com apenas cinco minutos jogados.
O cenário negativo não alarmava de sobremaneira o Vitória SC. Quem tinha feito 32 golos em 13 jogos na Liga Conferência (incluindo pré-eliminatórias) podia muito bem acreditar que mais um ia urgir.
No último mercado, o Real Betis foi ao Manchester United resgatar o sujeito que lhe facilitou a vida. Esperou, acelerou, definiu. Antony voltou a encontrar-se com a sua irreverência e o mundo sabe que quando não se esquece dela pouco há que o consigam parar. No segundo golo, parecia estar desacompanhado e decidiu esperar pela infiltração interior de Aitor Ruibal, lateral que acabou por cruzar para o bis de Bakambu.
O lance de maior perigo para o Vitória SC, que foi conseguindo ter bola, apareceu em cima do intervalo. João Mendes, sniper nos remates de longa distância com origem em locais improváveis, atirou para defesa de Fran Vieites. A diferença na eliminatória teimava em não diminuir por muito que Nélson Oliveira fosse agitando os ânimos para impaciência de Diego Llorente.
No entanto, o verdadeiro espalha-brasas era outro. Era incapaz todo aquele que tentasse parar a prepotência de Antony que numa noite supostamente mágica para o Vitória SC roubou a varinha. Ele próprio, numa jogada ensimesmada, fez o terceiro. Numa jogada siamesa de tantas outras que promoveu sobre João Miguel Mendes serviu Isco para o encerramento de um resultado penalizador para os minhotos.