A Baviera é um mundo e Munique não é só o Bayern. Pelo menos, é assim a mentalidade de quem vive no outro lado. Ali tão perto, a pouco menos de 20 quilómetros da Allianz Arena permanece erguido o Stadion an der Grünwalder Straße, a atual casa do TSV 1860.

Viveram tempos de glória, mas a queda foi drástica. Os campeões da Bundesliga em 1965/66 já não sabem o que é estar na elite alemã há perto de duas décadas. No final, fica uma história bastante atribulada, marcada por política, sucessos, falências, bons jogadores - o mítico Rudi Völler que sirva de exemplo - e uma massa associativa apaixonada.

Nesta jornada por Munique, o zerozero tentou mergulhar no mundo do Turn und Sport Verein e perceber, pela viva voz de quem vivenciou e vivencia a realidade, o sentimento que reina num dos clubes mais antigos da Alemanha que, até hoje, apenas albergou uma equipa técnica portuguesa e nunca acolheu um jogador luso na sua equipa principal.

Bundesliga? «Ninguém duvida que um dia lá chegarão»

Na busca incessante por um testemunho desta realidade, o zerozero encontrou um português - Alexandre Allegro. Em 2016/17, foi tradutor de Vítor Pereira - o único treinador principal português a comandar o 1860 na história do clube - e, ainda hoje, continua a servir o clube.

O próprio levou-nos ao presente do emblema, depois de uma história marcada por vários episódios duros ao longo dos anos. As descidas de divisão, as dificuldades financeiras e o sentimento de acreditar que, um dia, o 1860 regressará aos grandes palcos da Alemanha e quiçá da Europa.

@Getty /

«Fica muito difícil recuperar. Entraram em grandes dívidas, mas em termos de adeptos, o impacto de não estarem presentes na Bundesliga há vários anos não foi assim tão grande. A massa adepta continua lá. É um clube bastante tradicional, regional, com muita história. É dos clubes mais antigos da Alemanha. Consegue encher os estádios por onde passa», começou por dizer Alexandre Allegro, em conversa com o nosso portal.

«As aspirações passam por chegar à Bundesliga. Isso ninguém lhes tira, e como já lá estiveram, sendo históricos, acho que ninguém duvida que um dia lá chegarão, apesar de parecer que estão na terceira divisão e que não estão a ter sucesso.

Depois do que aconteceu em 2017 [n.d.r.: a queda para as divisões distritais], estarem em onde estão, pode considerar-se um sucesso. A realidade alemã não é fácil. Depois de bater no fundo, voltar acima não é nada fácil. Eles foram lá ao fundo e já subiram duas vezes. Agora, estão na terceira divisão há uns anos e a estabilizar. Pode ser que, com um bocadinho de sorte, subam à segunda divisão.»

As sucessivas quedas e a passagem pela Regionalliga deixaram verdadeiras marcas no 1860 ao longo dos anos. O Olympiastadion e Allianz Arena foram casa simultânea dos maiores rivais de Munique durante sucessivos anos, mas, quando o TSV desceu, teve de abandonar e regressar à casa-mãe que, ainda hoje, é lar.

O 1860, no ano de campeão @Getty /

«Quando estavam em altas, entraram na aventura da Allianz Arena com o Bayern em conjunto. Depois de descerem divisão e não terem dinheiro, foi um problema. Tiveram de vender a parte deles da Allianz Arena e, depois, pagavam aluguer para jogar lá. Agora, isso acabou. Estão completamente desligados da Allianz Arena e jogam no estádio onde começaram na altura - o estádio da freguesia onde o clube nasceu.»

Atualmente na terceira divisão alemã e de objetivos bem traçados, o plano para os alcançar passa por utilizar a juventude e fomentar as condições infraestruturais, tal como o próprio Alexandre Allegro indica, no seguimento da conversa, depois de relembrar a tentativa de investimento estrangeiro que houve no 1860.

«A estratégia do TSV foi, há uns anos, vender metade do clube a um investidor da Jordânia. Ia meter dinheiro para salvar o clube e colocá-lo nas divisões acima, mas houve muita discórdia. Muitos adeptos não gostavam e não quiseram. Voltaram a tirar o clube das mãos desse investidor e aceitaram descer as divisões todas. Focaram-se no jogador local e nas camadas jovens. A estratégia passa por cortar custos e apostar na formação, porque ,ainda sendo um clube que está mal financeiramente, ainda é dos clubes de topo com melhores condições, com melhores instalações e estatuto.»

Bayern? «Ainda se sente uma grande rivalidade»

O adepto alemão. Conhecido e reconhecido pelo amor constante e pleno ao clube cresceu e viveu ao longo da vida. No caso do 1860, é notória a influência, desde o travar da entrada de investidores até ao encher de estádios após estádios, mesmo nas divisões mais inferiores.

Os anos passam e, na memória, ainda guardam a Bundesliga de 1966, a participação em competições europeias, mas também as vitórias nos minutos finais em play-offs de manutenção. Os anos passam e a sensação de rivalidade perante o vizinho Bayern permanece.

@TSV 1860 Munchen

«Em Munique, há a sensação de que o verdadeiro cidadão de Munique é adepto do TSV. O Bayern é um clube que subiu à ribalta mais tarde e é mais recente, da moda. Ainda é visto um bocadinho como: as pessoas da cultura de Munique são do 1860, as pessoas - quase como os novos ricos - que querem aproveitar as vitórias, são do Bayern. Uma pessoa que não é de Munique, vê o 1860 como o outro clube de Munique. Quem não sabe muito de futebol, nem sabe que esse clube existe.

Eles não são o outro clube. Eles são rivais e, apesar de estarem em divisões diferentes e em realidades completamente diferentes, ainda se sente ali uma grande rivalidade e não se sentem inferiores de maneira alguma. Os adeptos do Bayern, provavelmente, sentem-se superiores, mas os adeptos do 1860 não. Eles é que acham que o Bayern é o outro clube. O Bayern é os novos ricos que chegaram ali e que não são de cá.»

Rivalidades à parte, a cultura alemã demonstra igualmente a amizade entre adeptos, sejam eles do 1860 ou do Bayern. Tal como diz o ditado português, amigos amigos, negócios à parte - com cerveja à mistura (ou não estivéssemos a falar da Alemanha).

«Os adeptos de 1860 são bastante aguerridos e odeiam os do Bayern. Os do Bayern provavelmente nem ligam aos do 1860. No entanto, acho que é uma cidade bastante unida em que o futebol não causa tanta divisão na vida normal e a cultura de cerveja senta toda a gente à mesa e toda a gente se consegue entender. Fora dos estádios, não há picardias, não há guerras, não há tantos episódios de violência como há em Portugal. A cidade é unida. Esses dois clubes não fazem a divisão», recorda Alexandre Allegro.

A Alemanha é a prova de que o futebol vive e está bem vivo. O TSV 1860 Munchen é o exemplo disso mesmo. O exemplo de que mesmo que, um dia, se bata no fundo, há sempre uma luz que guiará o caminho até ao topo. É só acreditar no processo e caminhar.