Com 96 mil espectadores nas bancadas, Camp Nou assistiu, a 28 de abril de 2010, num Barcelona-Inter a contar para a segunda-mão da meia-final da Liga dos Campeões, à mais mediática demonstração do que é defender a todo o custo a própria baliza.

O Inter batera o Barcelona, oito dias antes, no Giuseppe Meazza, por 3-1. Pedro Rodríguez colocara os espanhóis na frente logo aos 19’, Sneidjer empatara aos 30’ e depois, aos 48’ e 61’, Maicon e Milito fizeram o resultado final. O Inter, nesse dia, bloqueou o Barcelona. Ou: Mourinho bloqueou Guardiola.

Vantagem interessante para os italianos, mesmo sabendo que a segunda-mão, tendo o Barça jogadores como Messi, Henry, Ibrahimovic ou Xavi, entre muitos outros de inegável talento, seria dificílima para os nerazzurri. Além disso, pormenor nada despiciente,  o Barcelona era o campeão da Europa em título, enquanto o Inter desde 1972 que não marcava presença na final da Liga/Taça dos Campões.

Os catalães, orientados por Pep Guardiola, entraram em Camp Nou com este onze: Valdés; Yaya Touré, Piqué e Gabriel Milito; Dani Alves, Busquets, Xavi, Keita e Pedro Rodríguez; Ibrahimovic e Messi. Clássico 3x5x2. Os milaneses, com José Mourinho no banco, começaram assim: Júlio César; Zanetti, Maicon, Lúcio, Samuel e Chivu; Thiago Motta, Cambiasso e Sneidjer; Eto’o e Diego Milito. Claro 5x3x2.

A vantagem de dois golos trazida de Milão ajudava, claro, a perceber a estratégia, iminentemente defensiva, de Mou em Camp Nou. Até porque chegar ao 2-0, por exemplo, não era missão impossível para um Barcelona que, no decorrer de 2009/2010, goleara Atlético Madrid (5-2), Sevilha e Estugarda (ambos por 4-0), Valencia (3-0), Athletic Bilbao e Arsenal (ambos por 4-1)  e batera o Real Madrid (2-0), no Santiago Bernabéu.

Porém, a expulsão de Thiago Motta logo ao minuto 28, por duplo amarelo, após toque com a mão no rosto de Busquets, potenciou ainda mais a tendência defensiva do Inter de Mourinho. Xavi, Keita, Ibrahimovic, Pedrito e, sobretudo, Messi encostaram Zanetti, Maicon, Lúcio, Walter Samuel, Chivu (no onze devido a lesão de última hora de Pandev), Cambiasso, Sneidjer e até Milito bem para junto da sua grande área, transformando o inicial 5x3x2 numa espécie de 6x3x0.

Deixou de haver espaço e a habitual paciência do tiki-taka catalão emperrou, até porque José Mourinho tiraria mais uma cartola para a sua filosofia de defender a todo o custo as proximidades de Júlio César: Eto’o, o atacante Eto’o, o goleador Eto’o, o talentoso Eto’o, passou a ser uma espécie de defesa-esquerdo. Talvez o Inter não fizesse, com Motta em campo, mais e melhor do que fez sem Motta em campo, mas talvez o Barça jogasse ainda menos bem com Motta no relvado.

O Barcelona nunca se entendeu com a lição tática do Inter que, devido ao caudal ofensivo do adversário, foi forçado a duas linhas defensivas, deixando o solitário e lutador Diego Milito a fechar preferencialmente o flanco direito), às vezes apoiado por Sneijder pela zona central.

O Barcelona empurrou o Inter bem para trás, mas não teve arte para superar o muro nerazzuri. Os catalães sentiram, ainda, a ausência de Messi que exagerou em jogar na zona central, não tirando partido da sua explosão para fazer as diagonais dos flancos para o meio. As entradas de Maxwell e Bojan ao intervalo aumentaram as soluções ofensivas do Barcelona, o qual continuou a dominar sem, todavia, criar situações de perigo.

Porém, como o único golo do jogo foi marcado por Piqué (tal como em Milão, terminou a avançado) ao minuto 84, o Inter seguiria para a final de Madrid, onde venceria por Bayern por 2-0. Era o tempo de Il Speciale.

Os admiradores de José Mourinho perguntavam se ele poderia ser apontado, apenas e só, de ser, um verdadeiro masterclass da tática, garantindo para o Inter o melhor resultado possível frente aquela que era, então, a melhor equipa do Mundo.  O jogo dos italianos não teve ponta de futebol artístico ou até ofensivo, mas teve rigor e competência do mais alto nível.

Os ingleses do The Times falaram em «truques sujos em mais um dia de trabalho de José Mourinho», enquanto o The Sun, embora admitisse que «os resultados de Mourinho falam por si», viu «zero futebol» por parte do Inter. A Marca, próxima do Real Madrid, admitia que,  «ao derrotar a besta negra dos merengues», ganhara para pontos para ser o próximo treinador do colosso madrileno.

Em Itália, a Gazzetta dello Sport foi poética: «Mourinho [já comparado a Helenio Herrera, treinador argentino que levara o Inter à glória europeia em 1964 e 1965] erigiu um muro de glória, alcançando uma vitória épica nas trincheiras.» Para o Corriere del lo Sport, o Inter «heróico» resistiu «sem tombar» e o La Repubblica deu nota nove (em 10) a José Mourinho.

«Com dez fez-se história»

«A minha equipa é uma equipa de heróis e os jogadores deixaram o seu sangue em campo esta noite. Quero parabenizar todos, os que jogaram e os que não jogaram, os torcedores que estiveram aqui connosco e os que estão em casa. Contra o Barcelona já é bastante difícil quando se tem 11 jogadores, por isso quando se faz isso com dez está-se a fazer história. Júlio César estava deslumbrante; foi como jogar com 11 homens graças a ele.»

 JOSÉ MOURINHO após o jogo

«Não cabe a mim julgar»

«Parabéns ao Inter por chegar à final. Somos o Barça, mas quando nove jogadores defendem dentro da área adversária não é fácil. Às vezes, atacar parece muito mais difícil do que defender. Tentámos, mas eles defenderam bem. Não vamos procurar desculpas. Cada jogador, cada treinador e cada equipa jogam como querem e não cabe a mim julgar. Se o Inter tivesse 11 jogadores em campo teriam jogado de forma ligeiramente diferente»

 PEP GUARDIOLA após o jogo