Olhando de relance, podemos ser levados a acreditar que a visão nos está a pregar uma partida. Há dois jogadores iguais no Sporting? Estarei a ver a dobrar? São ambos encorpados, têm ambos um número 9 nas costas, o penteado é semelhante, o tom de pele também. Correm da mesma forma possuída, com pressa nas pernas e fogo no olhar. Até se imitam no jeito contundente de pedir a bola aos colegas.

Mas não, não é feitiço. O Sporting, que já tinha Gyökeres, um atacante nórdico obcecado em atacar a baliza rival, juntou-lhe Harder, outro atacante nórdico obcecado em atacar a baliza rival. Só que um é sueco e o outro dinamarquês, um transporta o 9 e outro o 19, um tem 19 anos e o outro 26.

Viktor demorou, em agosto de 2023, 14 minutos para se estrear a marcar na I Liga. Conrad tardou, agora, 15 minutos para fazer o primeiro golo no campeonato. Estreia a titular do jovem, impacto imediato: o ainda adolescente fez o 1-0 e assistiu para o 2-0, ajudando a abrir caminho para o 3-0 com que o Sporting bateu o AVS.

Se, em 2023, Gyökeres chegou ao Sporting para dar fome à equipa, ajudando-a a transformar-se numa máquina de descontentamento positivo, sempre à procura de mais golos, em 2024 a chegada de Harder parece duplicar a aposta, dobrar a intenção. Estamos, ainda, no início de algo, como se vê pela saída do jovem aos 59', mas a primeira amostra prometeu.

Para ganhar vantagem no 20.º duelo para a I Liga seguido a vencer em casas, os verde e brancos colocaram em ação todo o seu poderio nórdico: toque de Hjulmand para Gyökeres, devolução do sueco para o dinamarquês e assistência de Morten para Harder.

Desmarcação, remate fácil, golo do Sporting marcado por um rapaz loiro e agressivo. Familiar?

O remate de Harder para o 1-0
O remate de Harder para o 1-0 MIGUEL A. LOPES

Entre os 1-0 e o 2-0, houve protagonismo para uma lenda do futebol internacional. Memo Ochoa é sinónimo de Mundiais, um guarda-redes que se especializou em brilhar de quatro em quatro anos, uma referência de fita no cabelo e capacidade para brilhar no maior palco de todos.

Nesta noite de Alvalade, muitos terão visto que, afinal, Ochoa não joga futebol só de quatro em quatro anos. Ele até joga por clubes, e não só pelo México. A carreira de viajante pelo mundo de Memo — Espanha, Itália, França, Bélgica — veio, agora, parar a Portugal e o guardião fez questão de deixar a sua marca no encontro.

O AVS tentou defender-se com uma linha de cinco mas, incapaz de atacar, também não era seguro a defender. A equipa de Rúben Amorim é, por estes dias, um invulgar caso de multiplicação de talento e perigo, uma ameaça constante, com perigo vindo de todos os lados. Trincão, por duas vezes, e Gyökeres esbarram em Ochoa com 1-0 no marcador, com o mexicano a ganhar dimensão como o melhor futebolistas dos visitantes. Também na segunda parte faria uma boa defesa a cabeceamento de Diomande.

Em cima do descanso, o Sporting chegou a um 2-0 mais condizente com o guião da etapa inicial. O lance voltou a ser totalmente nórdico, com recuperação subida de Hjulmand e passe de Harder para Gyökeres.

Desmarcação, remate fácil, golo do Sporting marcado por um rapaz loiro e agressivo. Familiar? Desta vez não foi o aprendiz, mas sim o mestre, que vai em nove partidas seguidas — englobando seleção e clube — a marcar.

MIGUEL A. LOPES

O segundo tempo foi mantendo o guião da primeira parte. O AVS saiu de Alvalade sem fazer um remate à baliza dos campeões nacionais, que vão em cinco partidas seguidas sem encaixar golos.

Harder foi substituído aos 59', com Maxi Araujo, perante as várias baixas no Sporting, a entrar para a frente de ataque. Pouco depois, por lá passaria, também Geny Catamo, com nomes como Fresneda e Esgaio a também terem alguns minutos. Perante as muitas baixas, é tempo para Amorim utilizar todo o plantel.

Já sem o perigo de acharmos que estaríamos a ver a dobra, Gyökeres manteve a vida em loop, desmarcando-se, atacando a baliza, o mesmo jogo uma e outra vez em repetição, carregando a equipa através do seu ser eternamente insatisfeito. Aos 71', a passe de Trincão, o sueco fez o 3-0 final. São já 11 golos em oito desafios do melhor marcador da liga passada em 2024/25 pelos leões.

Seis jogo, seis vitórias, 22 golos marcados, dois sofridos. O doce momento do Sporting prolonga-se, parecendo, para já, indiferente às lesões. Não se vê a dobrar em Alvalade, mas há um aprendiz nórdico que veio para se juntar à fome do rei leão.