Se há um clube no qual pensamos imediatamente quando falamos no aproveitamento da estatística e análise avançada é o Brighton, projeto que tem crescido com pés e cabeça na Premier League, baseando-se na contratação de promessas e na aposta em elementos mais maduros que encaixem a 100% no seu estilo, com a possibilidade de gerarem rendimento a título póstumo. Contudo, todo este plano tem as suas falhas, veja-se o caso de Viktor Gyokeres, desaproveitado pelo conjunto do sul de Inglaterra e vendido ao Coventry City por um milhão e duzentos mil euros.

Porém, o Brighton não é o único emblema que aposta nas métricas avançadas como base do seu projeto. Neste artigo viajamos à Comunitat Valenciana, que infelizmente vive uma crise sem precedentes devido à tempestade DANA, com consequências dantescas, que todos lamentamos e prestamos solidariedade.

Em términos futebolísticos, o Valência e o Villarreal dominam a região, que conta com vários clubes em todas as divisões. Num segundo patamar está o Levante, que ganhou o direito a estar acima dos demais depois de ter estado na La Liga em várias temporadas do século XXI, a maioria delas consecutivas. O emblema do qual vamos debruçarmo-nos está na mesma divisão que os granotas, a La Liga Hypermotion, e também joga de listado, mas usa o preto e o branco.

Dentro do Castalia vive o Castellón, clube de Castellò de Plana, o protagonista deste artigo. Quando pensamos no futebol espanhol, surge-nos na mente o tiki taka, a crença na aposta na prata da casa e um certo tradicionalismo. Aqui temos que fazer um exercício quase inverso.

O Castellón não é propriamente um clube conhecido fora das fronteiras espanholas, embora conte com mais de 100 anos de história. É um clube respeitável, como tantos outros, um ‘histórico interno’. Está nessa franja, não mais do que isso. Porém, o que o faz de especial e tem chamado cada vez mais a atenção da imprensa é o seu projeto, liderado por Haralabos (Bob) Voulgaris, apostador natural do Canadá, que já trabalhou para os Dallas Mavericks. O sonho dele é simples de explicar: levar o Castellón em seis anos da Primera RFEF à La Liga (entretanto já passou um, sendo que já subiu um escalão). Claro que esta montanha terá que ser trepada de braço dado com a análise de dados, algo que fez o próprio Bob Voulgaris um apostador de sucesso. O americano revelou em maio que já tinha investido mais de 17 milhões de euros do seu próprio bolso no Castellón, o que prova a sua dedicação ao emblema que quer levar ao topo:

«Cada dólar das receitas do clube é reinvestido na melhoria do clube, não pedi um único euro para devolver o dinheiro que investi (mais de 17 milhões até à data)».

Bob Voulgaris é um fanático do Twitter, sem medo de exprimir as suas opiniões sobre os mais diversos temas, contando já com milhares de tweets. No entanto, o empresário expressa igualmente o seu carinho pelo Castellón na rede social, no meio de tantos posts que envolve o mundo financeiro e político.

Todo o projeto do Castellón está envolvido com a Big Data e a Inteligência Artificial. A procura por reforços passa por estes sistemas, independentemente da relevância que o reforço tenha para o plantel. Os elementos da estrutura têm que saber manusear as ferramentas de pesquisa e podem-se esperar reforços de qualquer parte do globo, desde que encaixem na filosofia que se aplica dentro das quatro linhas. É normal os dados estatísticos terem uma certa influência na hora de escolher o alvo ideal para X posição, mas no emblema espanhol a relevância é absoluta, como se viu no caso de Lars Veldwijk, que passou de desempregado em janeiro de 2024, depois de uma aventura na longínqua Coreia do Sul, a jogador do Castellón em fevereiro do mesmo ano, tendo a sua importância para a promoção à La Liga Hypermotion.

O projeto de Voulgaris está a correr de feição, pelo menos para já. Em 2023/24 venceu sem qualquer tipo de problemas o Grupo B da Primera RFEF, batendo rivais como Córdoba, Málaga Ibiza, Recreativo de Huelva, Murcia ou as filiais do Real Madrid e do Atlético de Madrid. Não se esperava a facilidade que o Castellón teve, já que se antevia uma série muito equilibrada. O plantel contava com 16 nacionalidades diferentes, o que explana o dito anteriormente. Até um português estava presente, Miguel Falé, que vestiu a camisola branca e preta entre agosto e janeiro, mas voltou para Portugal no mercado invernal, mais concretamente para o Mafra.

Antes de abordarmos como vai a nova temporada e quais são os objetivos, há que dar relevo a outro protagonista. O Castellón tem outra figura maior, além do seu dono. Dick Schreuder, técnico neerlandês, assumiu a equipa no verão de 2023, depois de promover o PEC Zwolle à Eredivisie. Mesmo assim, aceitou o reto de ir para o terceiro escalão do futebol espanhol, mas com uma ideia a longo prazo, convencido por Voulgaris. Mesmo estando em Espanha, o irmão de Alfred Schreuder, não abandonou as suas ideias, procurando uma pressão alta, mudanças constantes de posição e um futebol concentrado em chegar à baliza. O ataque é a sua virtude, com 82 golos marcados em 2023/24, com uma frente encabeçada por Jesús de Miguel, mas com mais protagonistas, que giravam em volta do espanhol que foi contratado ao Unionistas de Salamanca. A maioria dos elementos do plantel têm que ter qualidade no último terço, daí 18 jogadores terem feito golo na última temporada. Com um modelo tão ofensivo, é natural que alguns jogadores coincidam no terreno, além de que o aspeto defensivo possa em certos desafios ficar a desejar, mesmo que a linha de três centrais tenha qualidade. Ainda assim, Dick Schreuder exige solidariedade na hora de defender, com o seu evidente ponto fraco a ser o contra-ataque adversário.

Isto não foge muito ao padrão do clássico técnico neerlandês e do futebol do seu país natal. A Eredivisie é conhecida por ser avançados fortes, mas defesas longe do topo, contando com partidas com um número elevado de golos.

Em parte, por este fator existia algum receio de que o Castellón não conseguisse dar o salto em 2024/25, num campeonato em que não estaria entre os favoritos e o objetivo seria a manutenção, tendo que se adaptar ao adversário na maioria dos encontros. Chegaram vários reforços, mais ou menos conhecidos, mas todos com base no Big Data. A base está montada: Chirino (já com o Villarreal de olho) e Óscar Gil são essenciais na linha defensiva, com o atleta de Curaçao a saber sair a jogar (podendo até atuar como lateral sem qualquer tipo de problema) e o espanhol como um intercetor nato.

Kenneth Mammah e Raúl Sánchez ocupam-se das alas, exibindo sempre mais qualidade no momento de ataque, sendo propriamente mais extremos do que laterais. Thomas van de Belt é o médio com mais capacidade defensiva, enquanto que Moyita destaca-se na fase de progressão. Álex Calatrava apresenta-se como o médio ofensivo, sendo o mais completo da linha (exceto no momento defensivo) e possivelmente o destaque da equipa, podendo jogar no meio-campo e no ataque, por dentro e por fora.

Na frente de ataque, Jesús de Miguel lidera uma linha que na teoria é de três, geralmente acompanhado por Douglas Aurélio (fez grande parte da formação em Portugal) e Mats Seuntjens, com muita mobilidade entre todos. Com tanta movimentação, é normal que um jogador atue em várias posições durante um encontro ou mudando o seu posto radicalmente de uma jornada para a outra. Raúl Sánchez já foi ala e falso 9, por exemplo. Este aspeto está dependente do adversário. Pode nem existir uma referência ofensiva, nomeadamente quando Jesús de Miguel não está no onze inicial.

Dick Schreuder foi realista e assumiu que o primeiro objetivo do clube é a manutenção, não fechando a porta a uma possível surpresa:

«Em primeiro lugar, conseguir a permanência; em segundo lugar, sairmo-nos bem; e, em terceiro lugar, tentar surpreender», disse o neerlandês antes do começo da temporada.

No entanto, em Castellón dão-se passos na direção correta, com resultados positivos. À jornada 12, a equipa está em nono lugar da La Liga Hypermotion, com 19 pontos, a dois do play-off e sete acima da linha de água, mantendo o seu estilo.

Apesar de não se poder dar ao luxo de apostar na formação (ainda um ponto a desenvolver), estando vários passos atrás nesse aspeto em comparação com equipas do mesmo escalão e até mesmo da região, a ideia de Bob Voulgaris é que a equipa tenha uma academia, onde possa trabalhar o seu projeto.

O Castellón encontra-se a dar os passos certos rumo ao sucesso, com um projeto de crescimento a seis anos, uma data que aparenta ser inflexível. No entanto, para aquilo que tem sido feito, é prazo razoável. Neste regresso à La Liga Hypermotion, o emblema é a sensação e elogiado por todos, dividindo as atenções com o Mirandés. O treinador tem sido considerado um dos melhores da divisão pelos seus colegas, com uma ideia que vai em contra a norma do futebol espanhol. Não é de estranhar que vejam o futebol do Castellón como imprevisível. Dick Schreuder está para altos voos, mas encontra-se convencido pela ideia de Bob Voulgaris. Não é descabido equacionar uma presença do Castellón no play-off de acesso à La Liga. Porém, será curioso de verificar se vai conseguir manter o nível em 2025/26, caso não logre o ascenso.

Parece-me que com o passar do tempo, as ideias de Dick Schreuder vão passar a ser menos inovadoras, com os oponentes a conhecerem melhor a sua ideia de jogo e como combate-lo, obrigando o neerlandês a renovar-se um pouco (toda esta situação é normal). Ainda assim, o técnico já provou que pode apresentar um novo plano, dependendo dos jogadores que tenha. Rúben Amorim, por exemplo, fê-lo no Sporting, também com uma linha de três centrais, apostando cada vez mais no jogo interior dos laterais (entre outras nuances), com um elemento de pé invertido na direita (Geovany Quenda ou Geny Catamo), conseguindo ter um sistema tática bem distinto na hora de atacar, do que na hora de defender. Dick Schreuder terá aparentemente essa capacidade, contando com jogadores versáteis para o ajudar.

A La Liga Hypermotion é uma competição dura e conta sempre com equipas que estão um patamar acima. Cádiz ou Almería, mesmo arrancando mal 2024/25, têm um plantel superior aos restantes. O Racing Santander está imparável e há outros clubes que podem lutar por algo mais. Caso Bob Voulgaris mantenha o investimento e haja paciência na implementação de toda esta ideia, é possível o Castellón chegar à La Liga num médio prazo. No Castalia o futebol e a forma como o mesmo se vê são diferentes e esta turma promete continuar a ser uma das agradáveis surpresas em 2024/25. Uma história para continuar a seguir.