Quem acredita que no futebol não há dois jogos iguais nunca viu um dos filmes da vida de Bruno Lage. Em janeiro de 2019 estreou-se no banco da equipa principal do Benfica e aos 20 minutos perdia por 2-0 ante o Rio Ave, deixando as bancadas da Luz sem reação, o que até acabou por ser benéfico para a reviravolta no marcador.

Os tentos visitantes foram celebrados por Gabrielzinho e Bruno Moreira depois de assistências primorosas do agora dragão Wenderson Galeno e do agora leão Matheus Reis. Na formação orientada por Daniel Ramos também alinhou um tal Vinícius, Carlos de primeiro nome, um ano depois recrutado pelas águias após curta passagem pelo Mónaco, onde se contentou com dois golos e uma assistência.

É esse o atual pecúlio de outro Vinícius que voltou a fazer uma desfeita a Bruno Lage no último sábado. Vinícius Lopes, antes de sofrer na pele a “vingança” de Nicolás Otamendi, precisou apenas de 22 segundos para ultrapassar Anatoly Trubin e colocar o Santa Clara em vantagem, reeditando, cinco anos depois, as sensações experimentadas pelo compatriota Gabrielzinho.

A exemplo do que aconteceu no dia de Reis (dia 6, não propriamente no dia de Matheus Reis) de 2019, neste fim de semana os anfitriões compensaram o desastroso começo com um festival ofensivo que culminou na marcação de quatro golos, com dois jogadores formados no Seixal a contribuírem para metade da fatura passada ao guardião insular.

Florentino Luís e António Silva revelaram-se letais na sequência de oportunas cabeçadas a concluir pontapés de canto, com a particularidade de o médio defensivo ter festejado o seu... segundo golo ao serviço dos encarnados depois de se ter estreado enquanto goleador a 17 de março de 2019 no “fecho” dos 4-0 em Moreira de Cónegos.

Florentino Luís
Florentino Luís Gualter Fatia/Getty Images

Pode ser apenas uma coincidência ou a repetição da cena de um filme já visto, mas a verdade é que Florentino só mostra uma veia concretizadora quando está sob as ordens do setubalense, o que adensa as complicações que se adivinham para o treinador na hora de escolher um onze-tipo. Na qualidade de único sobrevivente do plantel que conseguiu o título nacional em 2018-2019, “Tino” beneficia muito do conhecimento aprofundado que tem das ideias do míster que no fim da quarta jornada ficou com os futebolistas escolhidos por Roger Schmidt.

Assim, com uma semana de trabalho e parte dela privado dos atletas que estiveram nas seleções, o ex-Botafogo teve o cuidado de não mexer muito na estrutura idealizada pelo alemão e limitou-se a reajustar os posicionamentos de Orkun Kokçu e Benjamín Rollheiser, uma vez que era incontornável a titularidade do motivadíssimo Kerem Akturkoglu (tinha comemorado a vinda para Lisboa com hat trick à Islândia).

Para o técnico que mereceu a aposta de Rui Costa, o mais difícil começa agora, no pós-Santa Clara, fase em que a gestão do grupo vai exigir o máximo do líder, em função do ciclo de desafios e da recuperação clínica de elementos cujo peso não se discute. Neste contexto, os casos concretos de Fredrik Aursnes e Renato Sanches espelham os maiores pontos de interrogação no que toca ao novo Benfica e numa perspetiva, claro está, de médio e longo prazo.

O multifacetado historial do internacional norueguês recomenda-o como unidade simplesmente imprescindível, enquanto o campeão da Europa de 2016 se apresenta como o substituto de João Neves, tanto no plano estratégico como no plano... sentimental.

Fredrik Aursnes
Fredrik Aursnes FILIPE AMORIM/Getty Images

Um Bulo até ao Barreiro

Por ter sido feito na casa, por ter sido campeão, por ter rendido há oito anos 35 milhões de euros, o “Bulo” empolga como ninguém os adeptos benfiquistas e nenhum outro craque é tão acarinhado mal começam os exercícios de aquecimento. Para baralhar as contas, no empate com o Moreirense que impôs o despedimento de Schmidt, Renato, apesar de ter sido lançado somente ao intervalo (em detrimento de... Florentino Luís), conseguiu “encher” o meio-campo e foi dos poucos que ameaçou repor a igualdade antes do penálti milagroso de Marcos Leonardo coincidir com outra despedida.

Renato Sanches
Renato Sanches Pedro Loureiro/Eurasia Sport Images/Getty Images

Neste momento, Aursnes e Sanches estão a recuperar de lesões (como o promissor Tiago Gouveia) e nada aponta para que sejam opções para a deslocação a Belgrado, onde quinta-feira os vice-campeões portugueses iniciam o campeonato de oito etapas na Champions League.

Frente ao Estrela Vermelha, a verificar-se alguma mudança de vulto face ao exibido com o Santa Clara, é crível que se distribua pela lateral esquerda (Beste por troca com Carreras), pelo meio-campo (Barreiro em vez de Rollheiser) e pelo ataque (Cabral no lugar de Pavlidis), apesar de parecer insensato, perante a amostra que tem três dias, oferecer o colete de suplente ao ex-Estudiantes.

É exatamente aqui, na consola central da equipa, que Lage vai ter de demonstrar toda a sua sagacidade e atestar as aptidões para conduzir o modelo que Jorge Jesus caracterizaria como um Ferrari afinado nas últimas horas de mercado em pleno Aeroporto Humberto Delgado.

Leandro Barreiro foi uma das peças que chegou da Bundesliga para “jogar”, Aursnes e Sanches estão relembrados, qualquer um dos argentinos é peça a considerar para alinhar nas costas do ponta de lança (o próprio Di María concorre com Prestianni e Rollheiser) e convém não esquecer que Kokçu manifesta também grande conforto nas funções de 10.

No meio de tudo isto, ainda há alguém que veio da Premier League para “jogar” e que nos 23 minutos de atuação no sábado ficou à beira de bisar. Zeki Amdouni falhou um penálti em movimento e depois disso, na conversão de um livre direto, disparou um balázio que só foi travado pela barra da baliza de Gabriel Batista.

Zeki Amdouni
Zeki Amdouni Gualter Fatia/Getty Images

Nesse instante, o capitão dos insulares sentiu-se... Gabrielzinho, o que é diferente de se sentir como o Gabrielzinho do Rio Ave que em 2019 construiu o guião para um dos filmes da vida de Bruno Lage. Qualquer dia a fita passa no Panda, com o treinador do Benfica ao volante do seu Ferrari ou do Fiat que “dá” nome ao Canal se lhe falhar a mão ou os adorados “Super Wings”.