É a primeira vez de Morten Hjulmand e das suas madeixas de cabelo loiro puxadas atrás, os braços entrelaçados no costado, a trocar os passou-bens de início com Diogo Costa e os árbitros, época nova e vida nova, o dinamarquês que vira capitão ao fim de um ano de Sporting e confirma a fama que trouxe para Lisboa, a de estar habituado a ter esse elástico a apertar-lhe o braço em clubes anteriores, onde há fumo haveria de estar a chama do proveito e no destapar do pano da temporada o médio esteve envolvido em algo novo.

No primeiro canto do Sporting foi ele a fugir da área, calmamente, na direção da bola e da bandeirola de esquina, lá estava Pedro Gonçalves, o suposto batedor do canto, mas era um engano mordaz, a armadilha das que o futebol gosta de dizer que se aprontam em laboratório: quando o dinamarquês chegou, o rápido ‘Pote’ saiu dali, deixou que fosse Hjulmand a dar-lhe um pequeno passe e se pela surpresa do ato, se pela desatenção ou pelas dificuldades em lidar com bolas paradas, os jogadores do FC Porto adormeceram perante a presença de Gonçalo Inácio que nem estava em movimento, bastou ter a cabeça ao alto. Logo aos seis minutos, 1-0.

A repentina novidade cedo deu frutos. Época nova, invenções novas, essa é a necessária roda do destino dos treinadores que se mantêm em equipas e quem magica os leões nem viu nada de especialmente novo a suceder perante os seus olhos quando, ainda com a partida feita um puxa-corda de pressão entre dois blocos a pressionarem-se alto, logo à beira da área contrária, Marco Grujic se aventurou com a bola no meio-campo. Querendo, sorrateiro, esgueirar-se perante dois corpos, o sérvio foi roubado com o FC Porto desequilibrado. E o Sporting apertou de imediato o gatilho Viktor Gyökeres, nada de novo, portanto.

O primeiro passe lançou a corrida do sueco, ele acelerou a sua locomotiva conhecia na direção de Martim Tavares e Zé Pedro, demasiado suaves a deixarem o avançado esgueirar-se entre eles como Grujic pretendia fazer instantes antes, lá foi então Gyökeres embalado e em fúria, beneficiando de outra suavidade do defesa central do FC Porto que ainda o alcançou mas não fez o que Vítor Bruno, segundos depois, gritou para o campo. Não houve sequer uma tentativa de parar o sueco em falta, ele foi área dentro, viu um passe atrasado para Pedro Gonçalves e assistiu, de perto, ao 2-0, com nove minutos jogados.

Não nesta jogada, mas, em campo, viam-se nouveles choses, em língua materna da terra onde decorrem os Jogos Olímpicos dos quais a Supertaça de Portugal desviou um pouco a atenção. Como denunciado na pré-época, o Sporting montava-se, na saída de bola, com uma linha de quatro ao fazer um médio recuar para o lado do central do meio, ora Morita ou Hjulmand, ou saía assim nesta sua nova moda ou mantinha, aqui e ali, os trejeitos da temporada passada, uma variedade com que Amorim nutre a riqueza da equipa na construção das jogadas e tentou baralhar o FC Porto, que quis cair em cima dos leões por ordens do novo, mas velho, Vítor Bruno.

Os dragões pressionaram essa saída de bola com intenção e intensidade, com os jogadores sempre perto das receções dos adversários, durante quase toda a primeira parte, era clara a prioridade de roubar logo ali, de serem agressivos à procura de desarmes. Ia para furtar, não para limitar as ações. Mas, não o conseguindo, destapava problemas atrás, nas costas dessa pressão. Entre os 15 e os 20 minutos, o Sporting soltou-se, começou evadir essas querelas com mais facilidade e a assentar os seus atacantes com a bola na metade do FC Porto. Numa dessas ocasiões, com pouco de novo, lesou outra vez o adversário.


Instalado no meio-campo portista, o espero ‘Pote’ esperou pela diagonal curta de Gyökeres, uma de muitas do centro para a esquerda dirigidas ao espaço entre lateral e central, gozou novamente da passividade de Zé Pedro, longe da postura que evidenciara há dois meses, no Jamor, e teve tempo para mirar a área, picar um cruzamento e ver o gaiato Geovany Quenda ter a alegria de uma carreira. Aos 17 anos, foi dele o remate de primeira, de pé esquerda e na estreia oficial a titular. Aos 25 minutos, o Sporting ganhava por 3-0, exuberante na superioridade demonstrava contra o FC Porto que, sim, era nova de tão flagrante (Gyökeres teve na cabeça o quarto golo e no olhar uma baliza escancarada).

Os débeis dragões, erráticos e mansos a proteger a meio-campo e a sua área, tiveram o seu golo vindo de um erro desajeitado de Zeno Debast, quando o belga abordou, em salto, uma bola longe de Otávio e o seu pé direito a entortou numa rosca, para trás. No meio caminho entre ele e o novo guarda-redes Kovavecic apareceu Galeno, a desviar a atrapalhação para o 1-3, aos 28 minutos, confirmando um jogo com vários picos de animação. E foi o segundo erro do novo central do Sporting, que cedo já perdera uma bola ao tentar driblar um adversário e originara uma tentativa de chapéu. Uma falência do central viera da colheita da intenção mal amanhada do FC Porto, outra foi um erro não forçado.

Era, de facto, novo assistir a uma equipa portista permeável como esta se ultrapassada a sua primeira pressão. Sem plano à retaguarda, sem almofadas para amortecer a eventualidade que não era assim tão eventual, a equipa de Vítor Bruno continuou a ser algo massacrada pela atração do Sporting na saída de bola para, depois, rasgar um passe que cortasse o campo, da direita à esquerda, onde Geny Gatamo se refestelava numa superioridade numérica. Por duas vezes o moçambicano invadiu a área, numa delas só uma receção desastrada de Gyökeres desmanchou uma clara ocasião de golo.

Parecia o seguimento de um caudal, o rio da primeira parte a fluir dentro da segunda. Ainda o Sporting tinha ‘Pote’ e Trincão a combinarem entre linhas, Morita formava a linha de quatro a construir, Debast e Quaresma resistiam mais à pressão, a equipa alcançava Gyökeres para o sueco criar situações de vantagem e servir alguém para o remate. Aos solavancos, o FC Porto parecia uma colagem de retalhos, um processo coletivo sujeito a espasmos e não a um ímpeto contínuo e oleado. Nesta FC Porto sem caras novas vindas de fora, mas sim com várias novatas aproveitadas de dentro, os dragões, contudo, alimentaram-se da sua própria vida.

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Talvez motivados pelas vidas passadas do ‘Bicho’, ali presente no banco, um Jorge Costa a animá-los de fato e gravata e cabelo grisalho enquanto novo diretor para o futebol mas também ele uma velha figura da casa, os jogadores do FC Porto treinados pelo velho Vítor Bruno, adjunto das sete épocas anteriores, resgataram a sua existência na Supertaça com alma, suor, esforço e crença. Não foi, propriamente, pela inspiração no futebol.

Aos 64’, quase sem espaço em campo para fazer das suas, Gonçalo Borges fugiu a adversários à direita, encostado à linha, arranjou forma de cruzar e de encontrar Nico González na área; logo depois, aos 66’, um lançamento lateral também à direita pôs a bola em Namaso, pressionado pelas costas por Hjulmand, que tocou na bola e ela sobrou para a corrida de Eustáquio direcionada à cratera de espaço não protegida, até cruzar, já na pequena área, para Galeno empatar. Nova época, os velhos jogadores a marcarem, o espírito de velho FC Porto a inspirá-los.

A reação portista mirrou os leões no jogo, desnorteados com os golos e sem armas para responderem com outras suas aos dois avançados do FC Porto - o espanhol Fran Navarro entrou para ser companhia de Namaso - e à maior estabilidade dos dragões a controlarem as tentativas do Sporting em chegar a Gyökeres. O novo central Debast, bom de bola nos pés, capaz de fornecer saídas e passes limpos, era débil a acautelar os espaços entre defesas, sobretudo a proteger a área com a equipa mais perto da baliza. Quando o Sporting sofreu na final, com as linhas recuadas, já não houve a preponderância do velho Coates.

Sem usar peças novas além de Vasco Sousa, rapaz da equipa B na época passada, Vítor Bruno viu Kovacevic os seus reflexos a negarem uma reviravolta na final. O guarda-redes bósnio impediu uma hecatombe completa e deu a Rúben Amorim a hipótese do contacto, de ter alguns minutos de conversa com os jogadores antes da meia-hora de prolongamento em Aveiro, de dar as ferramentas que faltaram à equipa para lidar com o despertar do FC Porto na final.

E trocou a novidade pelo recato do conhecido, retirou Debast do jogo para ter Ousmane Diomande como defesa central do meio.

Terá querido o treinador estancar os tremores a defender perto da sua baliza dando uma presença familiar, um central conhecido, não estranho a estas emoções de ter de ranger os dentes contra um rival e dar sustento à equipa. O tempo extra da Supertaça até viu um Sporting um pouco mais estável, regressado às fortalezas do arranque, a dispor de bola, a trocá-la, a sair de trás com regra e esquadro. Havia outra vez calma, mas era de barro.

Quando Diomande foi chamado a uma bola lançada para Fran Navarro, o costa-marfinense tentou antecipar-se, falhou o corte, o espanhol ficou com a sobra e a sua passividade deu tempo à chegada de Vasco Sousa, o petiz atrevido, o pequeno cheio de vontade que se livrou de dois jogadores e rapidamente atirou um passe a Iván Jaime. Com a baliza ainda longe, mas na mira, o espanhol armou o remate, pelo cano da arma saiu-lhe alguma pólvora de fortuna. E de falhas alheias. A bola ressaltou no pé de Mateus Fernandes que tentou impedir esse pontapé, desviou perigosamente pelo ar e Kovacevic, na baliza, pareceu ficar colado à relva, bloqueado enquanto o objeto o sobrevoou. Quando reagiu, um braço do bósnio chegou tarde e a fotografia, aos 101 minutos, não o beneficiará.

Os jogadores do FC Porto endoideceram com o 4-3, os festejos descontrolados, era a farra de uma equipa formada de possibilidades e nenhum desejo, sem reforços de fora nem contratações, a ressuscitarem com os que tem e a beber do sumo caseiro. O Sporting, então, reagiu, teve de reagir, Geny Catamo à esquerda encarou adversários para meter bolas tensas na área, Daniel Bragança chamou a bola ao pé esquerdo para correr, provocar e atrair adversários, mas pouco mais. Rúben Amorim lançou Rodrigo Ribeiro, mais um miúdo. Os dragões, exaustos pelo esforço da reviravolta, bateram de vez em retirada para a sua área a partir do intervalo do prolongamento.

Área que o Sporting assaltou, à força, sem frescura para haver discernimento ou meios capazes de tornearem um bloco baixo e fechado, agora motivado por braços a abanar e gargantas a animar do banco, velhos e novos lá a arregimentar a alma de quem estava em campo. Sem um metro de espaço para Gyökeres, nem cabeças frescas para inventar soluções, o Sporting nada pôde contra a alma de um novo FC Porto a começar uma nova era. Os leões não foram a tempo de remediar os seus próprios erros.

Na mesma Supertaça em que perdia por 0-3 aos 25 minutos, uma equipa sem os pesos-pesados que lhe restam - só Diogo Costa esteve na baliza, a ver um campo sem Wendell, Pepê, Evanilson e Francisco Conceição, todos na bancada - o FC Porto descortinou forma de descobrir uma reviravolta épica que vestirá os tecidos de uma confiança, um boost de moral, que nenhuma contratação das que os adeptos têm saudades seria capaz de dar. A nova época de um clube novo em tudo, literalmente, menos nos jogadores, começou com uma partida louca. A do Sporting, sem que nada o previsse naquelas trinta minutos, arrancou com erros e hesitações.