Ela estava possuída. Só podia estar. Durante todo o dia, Patrícia Sampaio foi uma mulher vítima de um feitiço, em transe. Convencida, determinada. Olhos no objetivo, pensamento no prémio.
Perder um combate minutos antes de discutir uma medalha olímpica, uma histórica medalha olímpica, não a afetou. Após ser batida, nas meias-finais, pela italiana Alice Bellandi, Patrícia regressou ao tatami da Champ-de-Mars Arena, neste palco vigiado de perto pela Torre Eiffel, mantendo-se como uma mulher numa missão. O olhar matava.
O espetáculo valeu um bronze. A portuguesa de 25 anos bateu a japonesa Takayama Rika, num combate que já é parte dos livros de glória do desporto nacional. É a primeira medalha para Portugal em Paris 2024, a 29.ª da história olímpica portuguesa.
Depois dos bronzes de Nuno Delgado em Sydney 2000, de Telma Monteiro no Rio de Janeiro 2016 e de Jorge Fonseca em Tóquio 2020, é a quarta carica para o judo, modalidade transformada em fonte inesgotável de alegrias.
“Tudo parecia difícil de acreditar, agora percebo aquilo que acabei de alcançar”, disse a judoca, na primeira reação às televisões portuguesas, ainda algo atónita como estivera no tapete, de joelhos e cara incrédula, quando conseguiu o ippon da vitória. “É o melhor dia em termos de resultados, de prestação do judo que apresentei, de como me senti física e mentalmente, só não foi perfeito porque não conquistei o ouro.”
Saudada pelas diversas bandeiras portuguesas existentes entre o público, Patrícia ganhou com contundência, sem deixar margem para dúvidas. Atacou primeiro e colocou-se na frente por wazar-ari, antes do grande momento.
Em vantagem, sem ter propriamente necessidade de dar espetáculo, Sampaio deu-o. Não veio aqui para ser conservadora, para não arriscar. O feitiço não o deixava, o transe não o permitia. Ippon e bronze, a primeira medalha para Portugal.
A estátua equestre do Marechal Joffre quase pareceu aprovar o show, a fibra de campeã, o voltar ao melhor nível depois de ter caído nas meias-finais. Generalíssimo dos exércitos franceses durante a primeira metade da I Guerra Mundial, Joffre foi uma das muitas testemunhas da grandeza de Patrícia.
“Hoje estava completamente focada em mim, quando estava para entrar fechei os olhos, não ouvia nada, não ouvia os franceses a gritar, só existia eu e alguém que tinha de deitar ao chão”, garantiu a judoca portuguesa, ao ser questiona sobre aquela cara compenetrada na missão.
Desde nova apontada a estas conquistas — campeã da Europa de juniores e sub-23 —, a judoca de Tomar, de 25 anos, teve um dia de consagração, a grande jornada de glória, o momento em que tudo deu certo. Festejou-se abraçando-se a quem estava por perto, desde logo a Telma Monteiro, a quem se junta na realeza do desporto nacional.
Mas houve um abraço mais especial. O abraço a Igor Sampaio, seu irmão, seu técnico durante tanto tempo, a pessoa que a influenciou a ir para o judo. Naquele abraço eterno estava um percurso de vida. Um percurso que, em Paris, atinge a glória.
Patrícia Sampaio quis “agradecer a toda a gente” que tem apoiado os atletas portugueses, o obrigado foi sincero, o pedido subsequente ainda mais: "Não se esqueçam de apoiar o judo e o desporto em geral, não só a cada quatro anos, mas diariamente, não é só a cada quatro anos, nós precisamos de muito esforço e trabalho diário para estarmos aqui.”