Pela primeira vez em 20 anos, José Mourinho está fora de uma das maiores ligas do futebol europeu. Desde 2004, o português vinha treinando, com escassos períodos de pausa, em Inglaterra, Itália e Espanha, duas décadas sempre na elite do jogo. Aceitar o convite do Fenerbahçe no verão passado, indo para a endinheirada e apaixonada — mas periférica — liga turca, poderia significa uma saída dos holofotes, uma presença menos vibrante no palco mediático.
Ou não.
Estamos a falar de José Mourinho, o special one, mestre nas artes da guerra das conferências de imprensa e entrevistas rápidas. Por isso, mesmo na ponta da Europa, mesmo na interceção entre o seu continente e a Ásia, o português continua a ser notícia, a encher páginas de órgãos de comunicação social internacionais.
Na 11.ª jornada da liga turca, o Fenerbahçe, orientado por Mourinho, visitou o terreno do Trabzonspor. Num duelo emocionante, Fred colocou, na primeira parte, a equipa da parte asiática de Istambul na frente, antes de, em dois penáltis, Simon Banza, que está na Turquia cedido pelo SC Braga, dar a volta ao marcador. Aos 75', Dzeko empatou e, aos 90+12', Amrabat fez o 3-2 final.
A efusiva celebração do Fener, com José Mourinho a entrar em campo e deslizar — ou tentar, já que a ida de joelhos ao chão terá sido dolorosa — pelo relvado, mostrou a importância do triunfo, que mantém o bicampeão Galatasaray a cinco pontos de distância.
No entanto, não foi a reviravolta do Fenerbahçe o grande destaque do desafio. Foi, mais uma vez, um monólogo de José Mourinho, o homem que não sai debaixo dos holofotes.
Terminado o encontro, Mourinho, logo na entrevista rápida, foi rápido a passar a mensagem: “Homem do jogo foi Atilla Karaoglan [o VAR]. Não o vimos, mas foi o árbitro. O árbitro foi só um pequeno rapaz que estava no campo, mas o árbitro realmente foi Atilla Karaoglan, que passou de invisível para ser o homem mais importante do jogo”, comentou o português, que esteve largos minutos com um discurso sério, de cara fechada, num inglês logo traduzido para turco.
As queixas do campeão europeu por FC Porto e Inter de Milão perante as arbitragens turcas têm sido recorrentes. Há dias, em entrevista à Sky Sports, disse que o Fenerbahçe, apesar dos “milhões de adeptos”, dos “grandes jogadores e treinadores”, não ganha a liga desde 2014 porque… “prefiro não falar disso”, atirou. Agora, totalmente mergulhado no universo de paixão exacerbada da Turquia, foi mais longe.
“Sei o que me disseram antes de eu vir, mas não acreditei. É ainda pior do que me disseram… mas prefiro estar deste lado [bate no peito]. É mais difícil, porque jogamos contra os nossos bons adversários, como o Trabzonspor, mas jogamos contra o sistema, o que é a coisa mais difícil. Hoje jogámos contra uma boa equipa, contra uma boa atmosfera, contra o VAR e contra o sistema. É muito difícil. Por isso é que celebrámos tanto esta vitória, é incrível ganhar este jogo contra tantas pessoas poderosas. Não vamos desistir!”
Esta nova edição dos monólogos turcos de José Mourinho sucede-se a outras, talvez menos explícitas. Não só no contexto do campeonato local o português se tem destacado nas críticas aos árbitros, como se viu no quente reencontro com o Manchester United, na Liga Europa.
Ainda quanto ao confronto frente ao Trabzonspor, do português Pedro Malheiro, José Mourinho disse falar “em nome de todos os adeptos do Fenerbahçe”. “Não o queremos novamente [a Atilla Karaoglan, o VAR]. Não o queremos novamente porque cheira mal. Não o queremos como árbitro e ainda menos como VAR”, expressou.
O técnico, que leva sete vitórias, dois empates e uma derrota nesta edição do campeonato turco, queixa-se de um cartão vermelho a seu favor no primeiro tempo, antes dos dois castigos máximos assinados a favor do Trabzonspor na segunda metade, bem como de um penálti para o Fenerbahçe aos 82'. Na etapa inicial, diz Mourinho, o VAR “estava a beber chá turco, isto para não dizer uma bebida alcoólica. “Depois acordou”, ironizou o treinador, já na conferência de imprensa, onde as críticas prosseguiram.
Para José Mourinho, “os árbitros têm medo”. Será essa a base do tal “sistema”, o qual prejudica o Fenerbahçe, que está há 10 anos sem ganhar um campeonato que tem sido dominado pelos gigantes do lado europeu de Istambul, o Besiktas e o Galatasaray.
O português diz que os dirigentes do Fener só lhe disseram “metade da verdade” quando o abordaram para assumir o cargo, sendo que, se “tivessem dito tudo”, o setubalense “não teria” aceitado o desafio. “Vocês, turcos, é que deveriam falar. Vocês, não eu. Deveriam denunciar o que se passa ano após ano. Eu estarei sob ataque, serei eu quem o sistema vai criticar, quem o sistema vai punir”, lamentou.
Para o homem que foi campeão em Portugal, Espanha, Itália e Inglaterra, a liga turca é “demasiado cinzenta, demasiado negra e cheira mal”. “Ninguém lá fora quer ver a liga turca. Quem quer ver esta liga turca lá fora? Acho que em Londres só o meu filho vê a liga turca. Vou publicar no meu Instagram [o vídeo] e mais de 5 milhões vão ver aquele penálti e vão ficar a saber o que a liga turca é”.
Dito e feito. José Mourinho, com 5,5 milhões de seguidores no Instagram, publicou as imagens do lance, aos 82' e com 2-2 no marcador, em que o Fener se queixa de falta de um jogador do Trabzonspor dentro da área. A meio da manhã em Portugal continental, a publicação já tinha mais de 6 milhões de reproduções.
Depois do vídeo do lance na área do adversário, Mou partilhou ainda uma imagem do lance em que se queixa de uma expulsão perdoada ao Trabzonspor. “Camisola amarela é só cartão amarelo”, escreveu, em referência à cor das camisolas da sua equipa e à falta de vermelho para o adversário.
No final do monólogo na entrevista rápida, José Mourinho, batendo no peito, saiu do palco que, na verdade, nunca abandona, com nova mensagem forte: “Estamos limpos!”