A estabilidade é um bem precioso, porque raro. Ter poiso regular na equipa e ser dono da titularidade está na fome de qualquer jogador, mas, como as coisas estão hoje para quem anda no topo de ter jogos nacionais entremeados com provas europeias, o cansaço aparece para dar um olá, a famosa “gestão” surge como resposta, seguida da “rotação”. Não imune, quiçá só mais resistente a esta necessidade, costuma ser o guarda-redes: quer o hábito que ele crie raízes, se habitue aos ferros que defende, assente arraiais, seja o dono da baliza porque é assim, sempre foi assim, sabendo ninguém explicar os porquês de exatamente ser assim.
Os últimos anos de Rui Silva não foram assim.
O português chegou ao Betis em 2021 e o treinador que o contratou é o mesmo que o viu agora partir, Manuel Pellegrini, chileno de olhar gentil e intenções translúcidas no desejo de ter a equipa protagonista com a bola, dominadora na posse, ousada na forma como defende com uma linha de trás longe da própria área. Às tantas, não na última época, mas na anterior, o técnico incutiu algo não tão comum no futebol: ir alterando, consoante as valias do adversário, o guarda-redes titular.
Durante muito tempo, não que houvesse dúvidas, sim por capricho das vontades do treinador, a vida de Rui Silva foi revezar-se com Claudio Bravo. “Ajudou-me muito a crescer e a amadurecer, mas custava-me muito lidar com essa incerteza, não sabia quando jogava, jogava três ou quatro jogos e depois ia para o banco. Essa incerteza criava-me muita ansiedade, não sabia lidar bem com isso. Nós jogadores, sendo um pouco egoístas, queremos jogar sempre como é óbvio. Custa quando isso não acontece”, explicou, em março do ano passado, no podcast ‘No Princípio Era a Bola’ da Tribuna Expresso, compreensivo para com a filosofia de Pellegrini que, em parte, o levou a trabalhar com um mental coach.
Foram “praticamente” dois anos “a viver assim”, sujeito à preferência de um treinador ávido por rodar na posição em que mais se apregoa a estabilidade. “Havia momentos em que sentia que não era por mérito que estava a jogar, ou porque o treinador tinha apostado em mim. Acaba por pesar a nível de confiança, do receio de errar, a incerteza do que vai acontecer caso não venças ou não corra bem o jogo”, confessou o guarda-redes ao falar da “muita ansiedade” que viveu durante tal período.
Esses tempos acabaram na temporada passada, na atual de certa forma também, em que ia com 15 titularidades em 19 jornadas da La Liga. Sem ser necessário alguém o confirmar, a sua chegada ao Sporting é com o intuito de tal não lhe voltar a acontecer.
O português é o terceiro guarda-redes contratado pelos leões para a equipa principal desde o auspício de Antonio Adán no clube. Chegado em 2020, o espanhol domou a titularidade na primeira época, a do primeiro título de campeão nacional com Ruben Amorim, mas, nas três épocas seguintes em que manteve o estatuto, teve erros e hesitações na baliza que o envolveram em críticas. Em 2022, o clube comprou Franco Israel à Juventus, seguido no último verão por Vladan Kovačević, vindo do Raków, da Polónia. Nem o uruguaio ou o bósnio cimentaram segurança no posto, alternando na posição esta temporada (também devido a lesões).
Com um jogo feito pela seleção nacional, Rui Silva terá, aos 30 anos, a primeira experiência num dito grande em Portugal. Envergadura longa e altura farta (1,91 metros), os leões contratam um guarda-redes habituado a lidar com uma linha defensiva afastada da sua área e a vigiar o espaço entre os seus defesas e a baliza: na liga espanhola, esta época, é o terceiro guarda-redes com mais ações fora da área (31) e, em média, mais afastadas dos postes (17,2 metros), segundo dados da Opta.
O português ter de ser um sweeper keeper, cobrindo as costas da sua linha defensiva, é um reflexo da forma de jogar do Real Betis e algo que o beneficiará no Sporting, equipa que defenderá longe da sua baliza na vasta maioria dos jogos no campeonato.
A mando de Manuel Pellegrini, homem cujos carinhos se estendem às trocas de passes curtos e em atrair a pressão do adversário para destapar buracos, os espanhóis usavam Rui Silva como jogador extra a quem recorrer na saída de bola, mas não para o pontapé para a frente. Entre os 21 guarda-redes com minutos nesta edição da La Liga, o português surge como o 15.º na distância média alcançadas pelos seus passes (28,1 metros), mas é o 9.º com mais passes tentados (446). Apesar de nunca ter sido um portento no jogo de pés, a bola não lhe provocará desconforto acentuado nas chuteiras.
A época passada parou 11 remates num dos jogos da La Liga contra o Atlético de Madrid, número que nenhum outro guarda-redes superaria.
Rui Silva esteve três épocas e meia no Betis vindo de quatro temporadas e outra meia no Granada, para onde saltou do alto da Choupana, casa do Nacional da Madeira, em 2016. No primeiro clube em Espanha existiu como qualquer tipo de luvas postas no futebol, era titular, parou éne remates, fez por ter o estatuto de número um numa equipa aflita. Sai do lado listado a verde e branco de Sevilha com essa vivência readquirida. A que agora o Sporting espera que mantenha, sem sobressaltos, na sua baliza.