Giannis Antetokounmpo. Não é o nome mais fácil de pronunciar. É exigido ao cardio linguístico que esteja no ponto para lidar com o epíteto. Quando o jogador dos Milwaukee Bucks tomou a NBA de rompante, a dicção dos comentadores televisivos foi posta à prova. O sucesso do indivíduo designado por tamanha sopa de letras obrigou-os a repetir muitas vezes o apelido complexo até que o dissessem na perfeição.
A poucos dias das eleições norte-americanas, Donald Trump e Kamala Harris coexistiram em Milwaukee. A cidade integra o Wisconsin, um swing state que pode ser decisivo na escolha do próximo presidente dos Estados Unidos. Se há altura para destrunfar é agora.
A caravana de Donald Trump fez escala no Fiserv Forum, o multifacetado pavilhão dos Milwaukee Bucks, para, numa fase decisiva, reforçar o apelo ao voto no antigo inquilino da Casa Branca. Na sedução dos indecisos, demonstrar conhecimento dos heróis locais fica sempre bem. Trump citou referências do desporto. Começou por Brett Favre, antigo quarterback dos Green Bay Packers, campeão da NFL em 1997. Depois, mencionou Giannis Antetokounmpo.
Os Bucks são uma “equipa muito boa”, começou por dizer Trump. O início de temporada não é isso que diz. O conjunto de Milwaukee só ganhou um dos primeiros seis jogos da temporada. Além disso, o candidato à presidência dos Estados Unidos referiu-se a Giannis Antetokounmpo como “talvez o melhor jogador da NBA”, mas tratando-o apenas por “o grego”. Dirigindo-se ao público, questionou: “Digam-me, quem é mais grego? Eu ou ele? Acho que somos iguais.”
Por parte de uma fatia do público norte-americano, esta foi considerada uma declaração racista que sugere não ser possível uma pessoa negra ter simultaneamente nacionalidade grega. Giannis Antetokounmpo nasceu em território helénico e domina o idioma do país. Porém, não é a primeira vez que a sua origem é questionada e usada como arma política. Da última vez que tal aconteceu, uma organização criminosa cresceu no parlamento da Grécia.
Um ‘self-made man’ à americana, mas grego
Giannis Antetokounmpo é aquilo a que os americanos gostam de chamar um self-made man, alguém que veio do nada e que conseguiu tudo. Em 2021, assinou um dos contratos mais lucrativos da NBA que lhe assegurou qualquer coisa como $228 milhões ao longo dos cinco anos de duração do vínculo. Nada mau para quem nos primeiros anos de vida beneficiava de ações de solidariedade social para se alimentar. Na altura em que o seu talento para o basquetebol permanecia no anonimato, vendia objetos como DVD’s, carteiras, relógios ou óculos e chapéus de sol nos locais de Atenas com mais turistas.
Giannis Adetokunbo – era assim o seu apelido, mas já lá iremos – fazia o que podia para ajudar no sustento da família. Em 1991, os pais, Francis e Veronica, mudaram-se da Nigéria para a Grécia em busca de uma vida melhor. A perspetiva não era que os filhos viessem a ter sucesso no desporto. Quando começou a jogar basquetebol, Giannis não tinha sapatilhas de basquetebol só para si (hoje em dia, a Nike desenha um modelo com o seu nome). Dividia um par com Thanasis, um dos irmãos, o que foi complicado quando, nas equipas jovens do Filathlitikos (primeiro clube de Giannis), não puderam coincidir em campo sob pena de algum deles ter que jogar descalço.
A determinado momento, o jogador deixou de ser apenas um corpo grande e desengonçado. Às características físicas inatas juntou-se-lhes o potencial para se tornar duas vezes MVP da NBA. As seleções jovens da Grécia começaram a demonstrar interesse em chamar Giannis Adetokunbo aos trabalhos para os quais eram filtrados os melhores talentos helénicos. Acontece que Giannis era considerado um “apátrida”, alguém que não pertencia a lugar algum e cujo processo de obtenção de nacionalidade grega estava encalhado em burocracia.
Até 2013, o jogador não podia sequer viajar de avião. A iminência de entrar na NBA fê-lo ponderar outras soluções, nomeadamente dar início à tentativa de se tornar nigeriano, mesmo tendo vivido durante toda a vida na Grécia e se sentisse identificado com a cultura. Foi aí que o governo grego percebeu que podia estar perante um lapso histórico e preferiu fugir ao embaraço de ficar sem aquele que se tornaria no melhor jogador de sempre do país.
Evripidis Stylianidis, então ministro do Interior, confessou mais tarde que “a Nigéria estava já preparada para oferecer nacionalidade a Giannis” para que ele jogasse na seleção africana. “Quando me asseguraram que a prioridade de Giannis era ser grego, dei luz verde à operação e os passaportes foram processados de forma rápida”, admitiu Stylianidis. Foi nessa fase que adaptou o apelido à fonética grega. Aí, nasceu Giannis Antetokounmpo, 18 anos depois de Giannis Adetokunbo.
O alvo do Aurora Dourada
Nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024, Giannis foi o porta-estandartes da Grécia na cerimónia de abertura. Tratou-se do primeiro atleta negro a carregar a bandeira de um país onde chegou a não ser unânime.
No ano de 2020, o Aurora Dourada, um partido neonazi, foi considerado uma organização criminosa. Inclusivamente, as grandes figuras do movimento estão impedidas de concorrerem a eleições. Em tempos, até o Chega os considerou “um bando de criminosos”. Acontece que, na mesma fase em que Giannis estava a começar a tomar conta da NBA, o Aurora Dourada ganhou protagonismo na política grega, chegando a ser a terceira maior força no parlamento, em 2015.
Foi nesse período que, tal como Trump fez agora, Giannis Antetokounmpo foi usado como arma política. Nikolaos Michaloliakos, líder e fundador do Aurora Dourada, colocou o jogador no centro do discurso anti-imigração e de salvaguarda da pureza da nacionalidade grega. “Se dás uma bandeira a um chimpanzé no jardim zoológico, ele torna-se grego?”, questionou.
No decorrer do processo em que o Tribunal de Atenas considerou o Aurora Dourada uma organização criminosa, Michaloliakos foi um dos condenados. Em maio de 2024, foi libertado após cumprir apenas quatro dos 13 anos e meio de prisão que ditou a sentença. Um mês depois, a decisão foi revertida e Michaloliakos voltou à cadeia. O político de 66 anos foi condenado por liderar a organização responsável por atacar e matar imigrantes e refugiados, assim como pessoas ligadas à esquerda. O caso mais mediático foi o esfaqueamento de Pavlos Fyssas, rapper e ativista.
De novo mencionado num discurso político, Giannis Antetokounmpo disse que não ouviu o comentário de Donald Trump. “Não acompanho muito política e tento guardar para mim as minhas visões”. Ainda assim, anteriormente já tinha aprofundado o tema. “Algumas pessoas dizem que sou negro e que os gregos não são negros. Tento explicar que não é uma questão de cor. Se não sou grego, o que é que sou? Os meus pais cresceram na Nigéria, mas eu nunca vivi lá. Se não sou grego, não sei o que é que sou.”