Nasceu numa realidade completamente adversa para alguém que sonhava ser jogador profissional de futebol. Ricardo Andrade Quaresma Bernardo começou a dar os primeiros passos no mundo do desporto em cima, de um par de patins…
Sim, é verdade, o “Mustang Português”, como sempre foi carinhosamente apelidado, conciliava os treinos e os jogos de hóquei do Campo de Ourique (CACO) com a arte de jogar futebol, na altura no Domingos Sávio.
Mas a história, apesar de começar aqui, ganha o seu primeiro ponto alto quando o pequeno Ricardo, enérgico e irrequieto, decide rumar às escolas do Sporting Clube de Portugal, um bocadinho por culpa da presença do seu irmão Alfredo Quaresma, que o tentou guiar na fase embrionária da sua carreira.
Quando entrou no antigo José Alvalade, e na primeira vez que pisou um dos campos de treinos ao lado do estádio leonino, o menino não enganou, não decepcionou ninguém, bem pelo contrário, pois o talento de Quaresma não enganava.
A presença do futebol de rua no seu jogo estava bem vincada e Ricardo já mostrava os traços de bad boy, irreverente e destemido. que mais tarde lhe deram nome no futebol mundial.
Jogava que se fartava, tanto que era sempre convocado para o escalão acima. Apesar de ser franzino e magrinho para o típico estereótipo de jogador, tinha no seu jogo uma arte imensa, uma qualidade como nunca antes vista, e não tinha medo de partir para cima do adversário, aliás era sempre o adversário que tinha medo de ver Quaresma avançar.
Afirmou-se em Alvalade, pela mão de Boloni, com a famosa trivela sempre presente no seu jogo, fazendo a sua estreia nos seniores leoninos na época 2001/02.
Nesta altura havia até quem dissesse que era “o melhor driblador do mundo” e um autêntico pronto-socorro quando era necessário desbloquear um jogo. A magia que carregava nas botas estava em plena sintonia com a arte, rapidez, classe e potência que imprimia no seu jogo, não fintava à toa, era cirúrgico a atacar o espaço, perigoso no um para um, e letal a cruzar para os seus companheiros ou a alvejar a baliza adversária.
A sua carreira lançou-o rapidamente para o mais alto patamar do futebol europeu e mundial quando é contratado pelo enorme Barcelona, na altura treinado por Frank Rijkaard, e a vida do “Harry Potter” iria mudar para sempre. Não se deu particularmente bem na cidade condal, muito por culpa da sua relação com o treinador culé, e talvez do seu próprio temperamento, que na altura podia não ser o melhor.
Mas Ricardo mostrava tudo dentro de campo, aquilo que conseguia fazer era soberbo, transportava consigo uma qualidade inegável que acenava aos melhores clubes europeus, que perseguiram a sua contratação mal se soube que a saída do Barcelona era inevitável.
Com muito clubes interessados no seu concurso, foi o Porto que conseguiu desbloquear a situação do Harry Potter para que este pudesse rumar à Invicta. E Ricardo regressou a Portugal para vestir a camisola 10 dos dragões, e para relançar uma carreira que continuava a prometer mais e mais.
A primeira passagem pelo Porto foi de sonho, em 158 jogos disputados apontou 31 golos, todos em grande estilo, ao estilo do Mustang, que continuava com meia Europa à perna a suspirar pelo seu concurso.
Apareceu então em cena o poderoso Inter de Milão, que queria contar com um extremo diferenciado, irreverente, alguém que não tivesse medo no seu olhar. Esse alguém era logicamente o grande Harry Potter, que assim fazia as suas malas para enfrentar um desafio que tinha tanto de entusiasmante, como de assustador.
Para quem vivesse com medos, este podia ser um problema, mas não para Quaresma. Milão alinhava-se para receber uma das joias mais valiosas que a Europa do futebol havia visto nos últimos anos, alguém que era melhor que Cristiano Ronaldo em jogo jogado, com traços de “fenomenal” nas botas, mas com alguma falta de paciência naquilo que era toda a sua gestão extra relvado.
Mas é claro que a culpa não foi só sua, a gestão feita pelos italianos pode não ter sido a melhor, e o desperdício de um talento como o de Quaresma acentuava-se cada vez mais. Durante a sua passagem por Milão, viveu ainda um empréstimo aos ingleses do Chelsea, na altura treinado por Scolari, o que fazia antever um percurso feliz para Quaresma em Londres. No entanto, a sorte dos amantes do futebol voltava a não dar tréguas, e Quaresma voltava a não ser feliz, à medida que os anos avançavam e a sua carreira passava a passos largos.
Não desistiu de procurar a felicidade, tanto que ela apareceu, na Turquia. Corria o ano de 2010 e Quaresma chegava pela primeira vez a Istambul, para representar o histórico Besiktas, conhecido pela sua grande mancha adepta e pela qualidade que tinha nas suas equipas. Iniciava-se assim um dos capítulos mais bonitos da grande carreira que teve Quaresma. Antes de regressar a Istambul novamente, no ano de 2015, teve uma passagem fugaz pelo Dubai, e um regresso fascinante ao “seu” FC Porto.
Quando recordo a carreira de Quaresma, só posso agradecer por ter visto o nosso Harry Potter jogar. Lembro-me de ser muito novo e de querer ser adepto do FC Porto só para ter o “privilégio legítimo” de ser um fã absoluto de Ricardo Quaresma.
Não sabia jogar mal, nunca se escondia do jogo, lembro-me perfeitamente de algumas trivelas marcantes, como, por exemplo, no Euro 2016, lembro-me também de uma eliminatória frente ao Bayern de Munique, ainda ao serviço do Besiktas, na sua segunda passagem pela Turquia, onde partiu a loiça toda sozinho. Recordo-me do sorriso irónico e da raça que deixava muitas vezes em campo.
Todos os dias, quando vejo um jogo de futebol, lembro-me de ti Ricardo, tenho saudades de te ver jogar, como se fosse o primeiro dia em que apareceste diante dos nossos olhos. Já não se fazem extremos como tu, com esse descaramento, aliado a um talento incrível, uma capacidade de um para um completamente assustadora e um calibre muito acima dos comuns mortais.
Há pouco dias vi um vídeo bastante recente onde dizias que o defesa que mais te custou superar foi Roberto Carlos, mas acredito que se lhe perguntássemos a ele próprio como foi “impedir-te” de jogar, ele diria também que foi um completo pesadelo.
Como tu próprio disseste, se calhar hoje em dia um jogador como tu não tinha liberdade nem espaço para jogar no futebol atual. Isto porque os treinadores retiram a criatividade de muitos miúdos em detrimento de estatísticas e resultados, mas com o teu feitio, acho que conseguias ainda assim brilhar ao teu jeito.
Nunca vou esquecer os cruzamentos de letra, as trivelas perfeitas, as fintas de perder o fôlego e um brilho característico, só teu.
Cada toque era beleza crua, era poesia em movimento, era arte no seu esplendor, lançada diretamente da varinha mágica de um dos melhores feiticeiros que vi dentro de um relvado, e do qual “as ruas” nunca se vão esquecer. Para sempre o fantasista que nos prendia à televisão, o Harry Potter, Ricardo Quaresma.