Numa cerimónia recente de reabertura de uma igreja em Santarém, o primeiro-ministro afirmou estar o seu governo “a finalizar um processo de revisão da Lei do Mecenato para facilitar, estimular e incentivar a comparticipação da sociedade, das empresas e das pessoas para a promoção dos bens culturais e para o financiamento de muitas das intervenções que hoje estão subfinanciadas a vários níveis, desde o património às artes”. Não tenho nenhuma objeção, bem pelo contrário. Portugal deve aproximar-se o mais possível da realidade de países mais desenvolvidos, onde se observa um expressivo investimento privado nas áreas da cultura e das artes. Esta é uma das vias.

Ao aplauso por esta iniciativa ocorre-me acrescentar um apelo.

Senhor primeiro-ministro, o senhor que - ao que sei - foi desportista, e ainda continua a olhar a realidade do desporto como uma atividade a merecer atenção e apoio das autoridades públicas, aproveite esta revisão da lei do mecenato para alterar também as regras e as condições de benefícios de acesso pelas organizações desportivas.

É verdade que o Estatuto do Mecenato foi originariamente concebido para financiamento das artes e das atividades culturais. Mas todos sabemos que veio a ser alargado para outras áreas também de relevância pública, como o ambiente, a ciência, a solidariedade social e... o desporto.

Aqui, na atividade relacionada com o desporto, houve um consenso inicial de que este seria um interessante caminho de financiamento privado por indivíduos ou empresas, para acrescentar ao - sempre imprescindível, mas escasso - financiamento público. Atrevo-me a dizer que a realidade não correspondeu às previsões ou até mesmo às ilusões alimentadas.

É minha convicção que as associações ou clubes, e mesmo as pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública desportiva como as federações, confederação e comité olímpico, não têm encontrado, no recurso ao mecenato, parceiros privados capazes de constituir um reforço e um apoio financeiro de que o desporto tanto carece.

E porque será que tal não acontece? Ou seja, por que razão não tem funcionado ou resultado este apelo e o estímulo à parceria privada no contexto do desporto? Atrevo-me a “desconfiar” que talvez o movimento desportivo e os seus mais relevantes representantes não tenham sido, ao longo do tempo, suficientemente insistentes ou persuasivos na procura desses parceiros por via do mecenato.

É porventura mais fácil reivindicar mais do Estado do que fazer o difícil “caminho das pedras” na conquista dos desejados apoios privados. Talvez isso aconteça. Mas tenho para mim que a principal razão do insucesso do mecenato ao desporto será verdadeiramente outra, e tem na verdade a ver com o facto de, no atual modelo, não ser interessante para qualquer investidor.

É que, para encontrar e “conquistar” um parceiro privado que se mostre disponível para contributos financeiros a iniciativas ou actividades desportivas, não basta que esse parceiro tenha proximidade, carinho ou até paixão pelo desporto. Ajuda se assim for, mas não resolve! Porque contas são contas e as vantagens não são atrativas.

A Lei do Mecenato estabelece que os donativos são enquadrados por benefícios fiscais dedutíveis em IRC, reconhecidos a nível contabilístico, que vão de 20 a 40%, e com limitações quanto aos percentuais de volume de vendas ou serviços prestados.

Ora, começa logo aqui uma diferença que pode afastar investidores em mecenato. O desporto tem uma majoração que se fica pelos 20%, quando a outras áreas se atingem valores de 30%, 40% e 50%. Qual é a justificação para esta diferença? Será uma histórica desconfiança relativamente ao rigor e verdade da contabilidade dos organismos desportivos? Se algum dia tal possa ter acontecido, não será também verdade que é notória uma evolução positiva da transparência e credibilidade que deve ser reconhecida?

Acresce que, também na área do desporto, avulta a necessidade de ser clarificada, desde logo fiscalmente, a diferença entre as alternativas mecenato/patrocínio, que em tempos idos já fez recair sobre inúmeras entidades e federações o peso de sanções ou coimas sempre indesejáveis.

Enfim. Regresso ao princípio desta reflexão. Espero que Luís Montenegro aproveite a revisão da Lei do Mecenato a que o seu governo estará a proceder para acrescentar ao património e às artes também o desporto, e assim ajudar a abrir finalmente um quadro de financiamento longamente esperado, mas nunca conseguido por via do mecenato.