Os sogros de Roberto Martínez, se estavam a pensar num jantar de família depois do Portugal-Escócia, devem ter ficado com os planos estragados à conta de um Cristiano Ronaldo que aos 39 anos continua a ser um prato e a servir fria a vingança àqueles que o acham sem idade para um lugar na mesa dos melhores.

Encarregado de uma missão com três partes distintas, o experiente artilheiro foi peça-chave para a liderança da seleção no Grupo A1 da Liga das Nações e conseguiu ultrapassar a mítica barreira dos 900 golos, o que significa que só vai terminar a carreira quando chegar ao “milénio” que ficou com o nome de Pelé.

Na qualidade de atleta mais ambicioso do Mundo, não é crível que a 99 tentos da meta abdique da corrida e subscreva os papéis para a reforma, desprezando até a possibilidade de ser convocado para a próxima edição do Campeonato do Mundo.

Se o homenageado Pepe conseguiu despedir-se do País com respeitáveis atuações na Alemanha e 41 anos no cartão de cidadão, nada de mais natural que em 2026 o modelo inspirador da preparação física e da competitividade continue a mostrar-se apto para qualquer espécie de serviço que lhe for confiado.

JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

Claro que para isso acontecer há uma série de fatores que têm de ser respeitados e nem tudo está nas mãos da personalidade que colocou a Liga da Arábia Saudita no palco mundial. Com os pés e com a cabeça, o dianteiro do Al-Nassr irá fazer, como sempre, a parte que lhe cabe, sobrando um conjunto de condições que extravasam o raio de ação do futebolista.

De resto, esta foi e continua a ser a tal fronteira que mal se conhece e que Cristiano ainda tem dificuldade em respeitar quando o tema principal da agenda é o número de internacionalizações ou a frenética caça aos recordes. A 48 horas da realização do duelo com a Croácia, numa cada vez mais frequente presença na sala de Imprensa (longe vão os tempos em que era preciso meter requerimento a Marte para tal se verificar), o madeirense deu de novo a entender que só a ele coube a decisão de continuar a dar o peito às balas e só ele tem o condão de um dia escrever o verso final na epopeia.

Ao avisar que não vale a pena ninguém se esforçar para datar o “adeus” à seleção, o fenómeno dos 901 golos parece ignorar que Roberto Martínez podia já amanhã decretar o fim de uma era, precisando tão-somente de riscar o camisola 7 da lista de convocados. O treinador catalão tem essa prerrogativa e pode fazer uso da mesma a qualquer momento, sobretudo se quiser ficar com uma equipa muito mais debilitada e desprovida de uma incomparável referência ofensiva.

Dois postes de vista

Conforme as vitórias sobre a Croácia e a Escócia demonstraram, em linha com aquilo que o Campeonato da Europa sentenciara, o problema de Portugal não é Ronaldo. O problema de Portugal é a maneira como a sua maior figura tem sido gerida, a maior parte das vezes de forma insensata e com prejuízo enorme para as partes envolvidas e para os milhões de portugueses que sofrem com os resultados abaixo das expectativas.

Nessa medida, aquilo que ficou do Euro acaba por bendizer o penálti que bateu no poste e que assinalou a eliminação diante da França. O insucesso registado em Hamburgo, ou melhor, a forma como os “Apaixonados” jogaram no torneio desencadeou a reflexão que se impunha a Martínez, enfim alertado para a necessidade de corrigir dois equívocos, ambos profundamente ligados.

JOSE SENA GOULãO/Lusa

Um onze sem presença forte na grande área, ou seja, em muitos momentos sem dois pontas de lança, teve indisfarçáveis dificuldades para deixar em apuros as defesas adversárias e, por outro lado, não era nada recomendável “abusar” tanto das capacidades às vezes sobre-humanas de Cristiano. Demasiado sozinho e utilizado em demasia na Alemanha, o capitão acabou por beneficiar do fracasso pessoal (desempate por penáltis à parte... zero golos festejados) e coletivo para responder em pleno no arranque da competição que Fernando Santos também conquistou em 2019.

Talvez por tudo isto, o próprio jogador desfez uma baliza cheia de ansiedade assim que terminou a primeira jornada no Estádio da Luz. Ronaldo confessou-se “livre” ao resumir numa palavra o estado de espírito depois de atingir a marca dos 900 na cara de Livakovic e depois de ter aceitado com naturalidade a substituição e o plano para ficar no banco no desafio seguinte.

Pedro Loureiro/Getty Images

Poupado a determinado tipo de esforços, uma vez lançado ao intervalo fez a muralha escocesa abanar como um kilt ao vento, notabilizando-se com remates aos dois postes de Angus Gunn, uma maravilhosa assistência de calcanhar para João Félix (o guarda-redes do Norwich defendeu com o pé esquerdo um golo cantado), uma cabeçada que por milímetros não fez a bola entrar e... o desvio que resultou na conquista de três pontos.

Pedro Loureiro/Getty Images

Por muito que se discuta o lugar efetivo de CR7 no contexto universal, pelo menos à escala doméstica não há nenhuma espécie de dúvida de que permanece como o melhor ponta de lança português. Hoje em dia distante dos reais candidatos à Bola de Ouro e, para os senhores da UEFA, mais indicado para se limitar a carregar no botão e ajudar a mitificar o sorteio da nova Liga dos Campeões, Cristiano, aos 39 anos, demonstra que é bom para isso e é o melhor da História enquanto a sorte do futebol forem os golos.

Siimm, aí o botão e o homem são a mesma coisa, fazem parte do mesmo prato.