
Talvez ficaremos algum tempo a pensar o que teria acontecido se Tadej Pogačar, mostrando a sua inexperiência no inclemente pavê do Paris-Roubaix, não tem negociado aquela curva no setor 9 de empedrado com demasiado ímpeto. Até então a corrida era o sonho de qualquer organizador: na frente, e sem previsão de serem apanhados, Mathieu van der Poel, duas vezes campeão, em 2023 e 2024, favorito e dominador, e Tadej Pogačar, o homem da renascença do ciclismo, à procura de se tornar no primeiro ciclista desde 1981 a juntar a vitória no Tour ao triunfo no Inferno do Norte.
É possível que tivessem chegado juntos ao centenário Velódromo de Roubaix, inaugurado em 1895, que a vitória se tivesse definido num sprint. Talvez. Porque no Paris-Roubaix nunca há certezas de nada.
Mas essa queda, feita de azar e de uma falha de atenção, que o empedrado tende a não perdoar, definiu mesmo a corrida. Dali para a frente, a 40 quilómetros da meta, a prova transformou-se num solilóquio de Van der Poel, sozinho rumo à terceira vitória consecutiva da mais mítica das clássicas, ficando a uma do recorde de Roger De Vlaeminck e Tom Boonen.
Contudo, desde cedo que se percebeu algo que, fora erros e azares, poderá ser a mais importante conclusão que se pode tirar desta corrida: sim, por incrível que pareça, Tadej Pogačar, com os seus 65 quilos, menos 10 que Van der Poel, com um físico pouco dado às dificuldades do pavê, pode muito bem ganhar o Paris-Roubaix. O que não estará ao alcance do incrível esloveno?
Logo no Bosque de Arenberg, o primeiro de três setores de empedrado de dificuldade máxima, os seus ataques (e de Van der Poel), deixaram boa parte da concorrência para trás. Gente como Filippo Ganna ou Wout van Aert não aguentaram. A meio da corrida, já o grupo de favoritos estava formado, com Pogačar, Van der Poel, Jasper Philipsen, Stefan Bissegger e Mads Pedersen. Novo ataque de Pogačar coincidiu com um furo de Pedersen, que perdeu aí o contacto com a frente e a hipótese de ganhar. Philipsen seria o último a descolar do duo fantástico.
Pogačar e Van der Poel trabalharam em conjunto para deixar os rivais a uma distância de segurança e tudo dava a entender que o duelo ao sol seria até ao fim. Até à queda do esloveno, que este ano já ganhou a Volta à Flandres e a Strade Bianche. Nesta última, o ciclista da UAE Emirates caiu a 50 quilómetros da meta e ainda ganhou, pelo que os 20 segundos de atraso com que ficou para o neerlandês não pareciam impossíveis de encurtar.
Mas se Van der Poel domina os empedrados como poucos, Pogačar fazia o Paris-Roubaix pela primeira vez, com toda o peso no físico e no psicológico que isso acarreta, numa corrida que é violentíssima. A diferença ainda baixou para os 13’, mas foi aumentando, cifrando-se para lá do minuto depois do três vezes campeão da Volta a França trocar de bicicleta. Van der Poel ainda teve um furo no setor do Carrefour de l’Arbre, mas por essa altura Tadej já havia aceitado o destino: desta vez em 2.º, nos próximos anos, quem sabe.
Mads Pedersen (Lidl-Trek) voltou a fechar o pódio.