No dia 20 de outubro de 2022, o Governo português anunciava com pompa e circunstância que Portugal, Espanha e França tinham chegado a acordo para a criação de um Corredor de Energia Verde entre a Península Ibérica e a Europa.

À saída de uma reunião entre António Costa, Pedro Sánchez e Emanuel Macron e imediatamente antes da entrada para o Conselho Europeu, o primeiro-ministro português referiu que: «hoje chegámos a um acordo para ultrapassar definitivamente o antigo projeto, o chamado MidCat, e desenvolver um novo projeto (gasoduto), que designámos de Corredor de Energia Verde, que permitirá complementar as interconexões entre Portugal e Espanha, entre Celorico da Beira e Zamora, e também fazer uma ligação entre Espanha e o resto da Europa, ligando Barcelona e Marselha, por via marítima».

O próprio site do governo citava António Costa dizendo que este gasoduto seria «vocacionado para o hidrogénio verde» ou outros gases renováveis ainda que, transitoriamente, pudesse ser utilizado para «o transporte de gás natural até uma certa proporção», acrescentando que seriam «reforçadas também as interconexões elétricas».

O site oficial acrescentava que, na parte que dizia respeito a Portugal, o primeiro-ministro disse que a ligação de 162 km, entre Celorico da Beira e Vale do Prado, já estava prevista para o hidrogénio verde, uma vez que «não fazia sentido lançar um projeto que não tenha hoje esta vocação».

António Costa referiu, contudo, que o transporte de gás natural neste gasoduto deveria ser proporcional para assegurar a segurança energética da Europa, «sem perder o foco que é: o de acelerarmos a transição energética para as energias verdes».

Scharfsinn86

No final do mesmo ano, a REN quantificava o custo do novo gasoduto desde Celorico da Beira até à fronteira em direção a Zamora, em cerca de 280 a 300 milhões de euros, incluindo a capacidade para transportar hidrogénio verde misturado com gás natural (até 20%), o dobro do custo da versão anterior (MidCat) que era só para gás natural.

Afinal, em junho de 2023, o país ficou a saber que entre o novo troço do gasoduto, mais a reconversão dos troços existentes para permitir o transporte de até 20 por cento de hidrogénio verde, ia custar 414 milhões de euros! Era o que estava escrito preto no branco na proposta que a REN tinha enviado para a ERSE, a entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, e que esta punha a discussão pública. Para que o famoso Corredor Verde Europeu ficasse a funcionar era necessário não só construir o novo troço como desenterrar para reforçar os troços de gasoduto existentes entre Cantanhede e Celorico de Beira e Monforte e Celorico da Beira, bem como construir uma nova ligação entre a Figueira da Foz e Cantanhede. Para o Governo e para a administração da REN estes investimentos faziam todo o sentido face às metas da transição energética definidas no Plano Nacional de Energia e Clima e na Estratégia Nacional do Hidrogénio em 2020... Nenhuma destas entidades era clara em relação ao brutal impacto que estes custos iriam ter no futuro sobre as faturas aos consumidores, empresas e famílias.

Cerca de três meses depois, em setembro de 2023, a própria ERSE recusou dar luz verde aos projetos do gasoduto do hidrogénio verde nos seguintes termos:

"Estando estes investimentos associados a compromissos assumidos internacionalmente relativamente ao corredor de hidrogénio verde europeu que ligará Portugal a Espanha e França, importará, por um lado, clarificar a atribuição de fundos europeus para a sua construção, etapa essencial para a realização da terceira interligação Portugal - Espanha", e por outro lado, "assegurar uma implementação coerente e harmonizada ao longo de todo o corredor de hidrogénio".

Promessa de António Costa ficou trancada nas gavetas

Visita de António Costa a fábrica de componentes para a produção de hidrogénio verde, Benavente, 10 janeiro 2023
Visita de António Costa a fábrica de componentes para a produção de hidrogénio verde, Benavente, 10 janeiro 2023 SIC Notícias

Como sabemos até hoje nem Espanha, nem sobretudo a França, fizeram absolutamente nada para construir um único metro de Corredor de Energia Verde entre Portugal e a Europa. Felizmente para o nosso país, a começar pelas famílias e pelas empresas que já pagam elevadas contas de eletricidade e gás e que veriam disparar os respetivos valores. A grande promessa de António Costa, que foi classificada por alguns analistas do setor como uma das maiores ações de propaganda e marketing político dos seus oito anos de governos, ficou até hoje bem trancada nas gavetas dos palácios da Moncloa e de Matignon, sedes dos respetivos governos.

Aqui chegados impõe-se uma pergunta simples:

- E se o Governo português e a REN tivessem avançado com os imprudentes investimentos que queriam fazer?

Mas a imprudência nacional não ficou por aqui.

A Estratégia Nacional do Hidrogénio já ditava uma aposta forte e incondicional no hidrogénio verde, isto é, produzido a partir de fontes de energia consideradas renováveis. Para alimentar as fábricas de hidrogénio verde, era necessário ter água em abundância e eletricidade de origem renovável, como a solar e a eólica. Para isso era necessário ligar essas novas fábricas a mega centrais eólicas ou fotovoltaicas. Sines era um dos polos destes novos investimentos mas eram apontados mais quatro centros de reindustrialização em Portugal com a classificação de Hydrogen Valley. Portugal contava assim, em meados de 2023, com cinco Vales de Hidrogénio Verde, contra 16 em toda a Alemanha. Proporcionalmente o nosso país era o campeão europeu do hidrogénio verde. Para toda esta megalomania ser realizada ficaram comprometidos muitos milhares de milhões de euros do PRR e do Portugal 2030, o novo quadro comunitário de apoio, roubando estes projetos espaço vital a outros projetos da economia real, esses sim verdadeiramente sustentáveis.

O voluntarismo político dos políticos e dos grandes gestores em torno do hidrogénio verde, fez desviar milhares de milhões de euros de investimentos comunitários e nacionais, sobretudo públicos mas também privados, em detrimento de uma prudente reindustrialização e reforço de setores sustentáveis da nossa economia. Por outras palavras, quantos milhares ou dezenas de milhar de PME ficaram sem fundos para Portugal ser o alegado campeão europeu dos Vales de Hidrogénio?

Más notícias sobre os projetos de hidrogénio verde

Agora, as más notícias sobre os projetos de hidrogénio verde caem sobre nós num fluxo interminável de vento frio e seco de inverno.

No final de dezembro do ano passado, o Expresso revelava que, “mesmo com subsídios aprovados, são vários os investimentos em hidrogénio verde que não saem do papel em Portugal. Um mês antes, o mesmo semanário dava conta da insolvência da empresa portuguesa Fusion Fuel, que já tinha garantido subsídios de dezenas de milhões de euros para o negócio do hidrogénio verde. O segundo aviso do Fundo Ambiental (FA) para apoiar projetos de gases renováveis, lançado em 2023, veio distribuir €83 milhões de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) por um total de 22 iniciativas, mas entre elas já houve cinco desistências e uma anulação. São seis projetos que ficam pelo caminho, apesar de já terem assegurados quase €19 milhões em subsídios do Fundo Ambiental”.

Uma das razões para as desistências tem a ver com as crescentes taxas de juro exigidas pelos bancos para os financiamentos. Apesar de terem um preço garantido de 127 euros por MWh, os promotores dos projetos de hidrogénio verde começaram a fazer as contas e concluíram que… não chega!

Governo e promotores dos muitos projetos de hidrogénio verde em Portugal, incluindo os gestores das redes de transporte, chegaram agora a algumas simples conclusões, que nós já tínhamos antecipado há mais de 5 anos…

1 - Para produzir uma unidade de energia sob a forma de hidrogénio verde, é necessário gastar 1,6 unidades de outro tipo de energia, neste caso de eletricidade renovável; uma óbvia irracionalidade de destruição em vez de criação de valor económico!

2 – Um MWh de eletricidade produzido a gás natural custa 40 a 50 euros; O preço da energia equivalente em hidrogénio verde considerado justo pelos promotores é acima de cinco vezes mais!

Este sugadouro económico e financeiro foi inventado e promovido pelo governo anterior, de António Costa.

Do atual governo de Luís Montenegro, ainda não ouvi uma única palavra sobre o futuro do ruinoso hidrogénio verde… a não ser que as metas do PNEC foram aceleradas e antecipadas.

O mesmo governo de Luís Montenegro, mais concretamente o Ministério do Ambiente, insiste noutro ruinoso negócio do mesmo género: quer instalar mega-centrais eólicas off-shore entre Viana do Castelo e a Figueira da Foz…

Os interessados nos concursos das eólicas off-shore já fizeram saber que querem mais de 140 euros por MWh para concorrer…

Não há caminho mais rápido para empobrecer as famílias, provocar mais falências de empresas e desindustrializar ainda mais o país do que continuar a insistir nestes negócios ruinosos da energia, em nome de uma transição energética que se tornou numa nova religião, zelosamente vigiada pelos radicalistas ambientais que se instalaram no coração do Estado português e nas instituições europeias. Estão a provocar a nossa ruína coletiva. Os construtores automóveis da Alemanha e da França, como reflexos na nossa indústria nacional de componentes, contam-se entre as numerosas vítimas.