No segundo ano de recessão, a viver despedimentos massivos nas suas maiores empresas e sem conseguir regressar à pujança que lhe deu lugar cimeiro na Europa, a Alemanha soma uma grave crise política à económica, apos a saída de todos os governantes liberais do governo.

A quebra aconteceu hoje, após Olaf Scholz demitir o ministro das Finanças por "quebra de confiança", na sequência do que, conforme relata a agência de notícias local, DPA, os liberais retiraram todos os executivos do FDP do governo, rebentando a coligação de governo tripartida formada há três anos. E levando Scholz a avançar com uma moção de confiança que pode derrubar o governo e empurrar a Alemanha para eleições antecipadas já em janeiro.

Ora quer o fraco desempenho económico quer as dores de uma coligação política forçada têm feito esboroar a confiança dos alemães nos partidos que compõem o governo. E essa simpatia está a migrar crescentemente para a direita, conforme as sondagens indicam. De acordo com a agência noticiosa alemã, "os três partidos que formaram a coligação de Scholz estão a ter um desempenho péssimo nas sondagens, com o FDP em piores lençóis, abaixo do limiar crucial de 5% necessário para entrar no Parlamento".

Por outro lado, indica a DPA, "o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) está bem posicionado" e tem cavalgado a instabilidade para se afirmar, saudando mesmo o colapso da coligação de Scholz como "algo há muito esperado" e que representa "uma libertação para a Alemanha".

A mãe das geringonças

No tempo das geringonças, formou-se uma coligação de três partidos com poucos pontos em comum, que foi a solução para trazer um governo estável a uma Alemanha na ressaca de uma década sob a liderança de Angela Merkel. Tendo vencido por uma unha negra (25,7%, contra os 24,1% da CDU de Merkel), Olaf Scholz (SPD, centro-esquerda) negociou com Os Verdes e os liberais de centro-direita do FDP e conseguiu a cadeira de chanceler, à custa de concessões à medida dos parceiros, para formar uma governação tripartida em que poucos viam hipóteses de grande longevidade.

Com a economia alemã em recessão há dois anos, (o PIB recuou 0,3% no ano passado e prevê-se nova queda, de 0,2% em 2024), um orçamento aparentemente impossível de passar nas diferenças ideológicas dos partidos da coligação e cada vez mais choques internos, o governo de Berlim parece votado a cumprir a profecia. Juntando uma crise política à económica num momento em que a esquerda está fragilizada, a extrema-direita empoderada e o centro parece esboroar-se na ineficácia executiva.

De embate em embate até à ingovernabilidade

Segundo a agência local DPA, a demissão do ministro das Finanças, por quebra de confiança, foi a gota de água que pode fazer transbordar o copo do porta-aviões europeu. "Ele envolveu-se em tricas e pequenas táticas partidárias demasiadas vezes e quebrou a minha confiança", disse Scholz para justificar o afastamento do liberal Christian Lindner das Finanças. Para testar a sua legitimidade, o chanceler atirou o governo para uma moção de confiança, que levará ao Parlamento a 15 de janeiro. Mas o mais provável é que esse passo resulte na desintegração total da coligação e no fim prematuro do governo, mandatado até setembro de 2025.

"O ponto de discórdia final e intransponível num drama que se vem intensificando foi a necessidade de preencher um enorme buraco orçamental nas contas de 2025 e dar um empurrão à debilitada economia alemã, com os partidos em desacordo total sobre os passos necessários para estimular o crescimento", relata a DPA. Após duras críticas de Scholz a Lindner, na quarta-feira à noite, "acusando-o de clientelismo, de minar compromissos ao longo dos três anos de coligação, com disputas públicas, e de bloquear leis pelos motivos errados", o demitido ministro das Finanças contra-atacou, pondo no chanceler a responsabilidade pela desintegração da coligação e por levar o país à total incerteza.

"Scholz trivializou as preocupações económicas dos cidadãos e falhou em reconhecer a necessidade de a Alemanha adotar uma revitalização económica", apontou Lindner, argumentando, segundo a DPA, que as suas próprias propostas para melhorar a situação económica da Alemanha foram imediatamente descartadas. "As contrapropostas de Scholz são fracas, pouco ambiciosas e não fazem nada para contrariar o fraco desempenho económico do nosso país, de forma a mantermos a nossa prosperidade, a financiar a segurança social e as medidas de responsabilidade ambiental", disse o líder o FDP, citado pela agência alemã.

Apesar de o ministro da Economia, Robert Habeck (Os Verdes), sair em defesa de Scholz, criticando os liberais e afirmando ser "quase trágico o que se passou, quando a Alemanha precisa mostrar unidade e capacidade de ação na Europa", a saída dos liberais dita o fim efetivo da coligação, que fica sem margem para tomar decisões. Até à moção de confiança de 15 de janeiro, Scholz planeia agora, confirma a agência noticiosa alemã, "submeter a votação todos os projetos de lei que não podem ser adiados, incluindo medidas para apoiar a indústria, estabilizar as pensões e aumentar o rendimento líquido".

Planeada está ainda uma rápida abordagem do chanceler ao líder da "oposição responsável", Friedrich Merz (os Democratas Cristãos da CDU), para "procurar soluções rápidas em conjunto, com o objetivo de fortalecer a economia e a defesa alemãs". "Precisamos de clareza sobre como podemos financiar solidamente a nossa segurança e a defesa nos próximos anos sem comprometer a coesão no país", disse Scholz, citado pela DPA.

Se antes o Orçamento do Estado parecia muito difícil de passar, sem maioria na coligação nem apoio dos liberais e sem grande probabilidade de os conservadores ajudarem a aprová-lo, até janeiro a Alemanha será gerida em duodécimos, dependendo de "disposições especiais para despesas além das essenciais para manter a administração e cumprir as obrigações legais".