No dia 19 de dezembro de 2024, houve um acontecimento importante em Lisboa. Cerca de dois mil trabalhadores da Autoridade Tributária e Aduaneira lançaram um grito de alerta ao Governo e à sociedade em geral, para o valor estratosférico que a economia paralela tem em Portugal, para a incapacidade que temos em combatê-la e para a enorme injustiça social que isso provoca. Valores estimados pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto apontam, no ano de 2022, para um valor aproximado de 82.232 milhões de euros, um recorde de 34,37% do PIB, valor que equivale, por exemplo, aproximadamente a seis orçamentos da saúde e a 30% da dívida pública.
Quem trabalha na AT, e usando um termo muito vulgarizado nos últimos tempos, tem a percepção que o cenário só pode ter piorado. Uma percepção não é algo necessariamente ilusório. Aliás, uma percepção é o acto ou efeito de perceber. Ninguém melhor para perceber a qualidade de um vinho que o seu enólogo. Ninguém melhor para perceber como está a segurança em Portugal do que os polícias que patrulham as ruas e andam no terreno. Ninguém melhor para perceber o estado de injustiça fiscal em que vivemos do que os inspectores da AT. O estudo da FEP (Faculdade de Economia do Porto) só vem comprovar o que os inspectores testemunham no terreno. Como um outro estudo, divulgado recentemente no Expresso, “The Firm as Tax Shelter”, nos veio confirmar que alguns “empresários transferem mais de 30% das facturas com despesas pessoais para as suas empresas”.
Nesse mesmo dia, 19 de dezembro de 2024, o nosso primeiro-ministro falou a todos os canais televisivos. Alguém que não viva em Portugal, neste momento do texto, pensará que foi sobre este grave problema para o país, para a sociedade, para a justiça fiscal, para a justiça social, no fundo, para todos aqueles que pagam regularmente os seus impostos no cumprimento da Lei em vigor. É bom não esquecermos que só para o nosso estimado SNS, pagamos, indo ou não ao médico público, um valor a rondar os 1500 euros por ano, cada um dos 10 milhões de portugueses. Como se tem visto, não chega para as necessidades e uma percentagem cada vez maior desses 10 milhões têm de pagar seguros de saúde privados, também eles cada vez mais caros.
Mas Luís Montenegro surpreendeu! Pelo menos surpreendeu os trabalhadores da AT. As suas palavras, nessa noite, foram para uma “mega-operação” policial que deteve um cidadão nacional e apreendeu uma navalha!
Quem é que aconselha o primeiro-ministro em termos comunicacionais? Não só veio falar de algo em que seria muito mais sensato estar calado, como omite algo em que tinha obrigação de transmitir aos portugueses o que pensa sobre a injustiça fiscal e social em que vivemos, onde os mais prejudicados são os mais pobres e necessitados da sociedade. Entre 100.000.000.000€ e uma navalha, a navalha foi mais importante!