A guerra comercial suscitada por Donald Trump e o caos nos mercados financeiros que as tarifas provocaram fizeram estragos num mundo já de si cheio de perigos, constata o Fundo Monetário Internacional (FMI): o risco de instabilidade nos mercados de capitais aumentou significativamente nos últimos meses, segundo o mais recente relatório relativo ao tema, divulgado esta terça-feira, 22 de abril. O Fundo nota que, face ao relatório de estabilidade financeira de outubro, a degradação das condições de mercado é uma realidade: os riscos de instabilidade financeira “são consideravelmente elevados em comparação com os padrões históricos”.

Nesta análise, e entre outras conclusões, os técnicos do FMI consideram que, apesar das quedas recentes nos mercados norte-americanos, muitos ativos continuam com valorizações “exageradas” e ainda há mais espaço para recuos nos mercados acionistas. E vaticinam que a era de lucros elevados no setor bancário terá sido comprometida pela chegada da guerra comercial: além de perderem rendibilidade com a queda das taxas de referência, as provisões deverão aumentar - ou seja, serão obrigados a reservar mais dinheiro para fazer face a eventuais problemas relacionados com as tarifas - com impacto no lucro.

As causas da instabilidade

O excessivo endividamento dos países, a crescente relevância dos chamados “bancos sombra” no mercado, e a concentração excessiva nos EUA são os três grandes fatores estruturais identificados que tornam vulnerável a fortes convulsões o mercado de capitais global. Como, de resto, se comprovou nas últimas semanas, em que a intenção de um único país, os EUA, em implementar taxas alfandegárias provocou enormes oscilações nos mercados acionistas e obrigacionistas mundiais.

O FMI nota que o mercado norte-americano representa 55% do mercado de valores mobiliários global, quando há vinte anos lhe cabia uma quota de 30%. E assinala que “as valorizações das ações norte-americanas continuam elevadas, e novas correções de preço são possíveis. As valorizações atuais exigem crescimentos persistentemente robustos nos lucros no médio-prazo, um feito cada vez mais difícil de conseguir numa época de grande incerteza económica e comercial”

A segunda vulnerabilidade identificada pelo FMI está na crescente ligação entre as instituições financeiras não-bancárias - entidades que fornecem serviços bancários especializados, como crédito ou seguros, sem licença bancária - e os bancos tradicionais, que emprestam dinheiro às primeiras, podem significar problemas para as instituições bancárias tradicionais se houver problemas de liquidez no chamado “sistema bancário sombra”.

Em terceiro lugar, está o sobreendividamento dos estados globais, a aumentar a um ritmo mais veloz do que o do crescimento económico. O “engordar” desta dívida pode resultar, alertam os técnicos do Fundo, numa maior volatilidade dos preços das obrigações soberanas de grandes economias mundiais.

Para o FMI, os países com maiores rácios de dívida face ao produto interno bruto estão mais expostos a convulsões, correndo o risco de terem de pagar substancialmente mais para se financiarem nos mercados. As economias emergentes também sofrerão com mares agitados nos mercados internacionais: a capacidade destes países em aumentar a despesa pública estaria condicionada e teriam mais dificuldade em refinanciar a sua dívida.

Bancos verão lucros diminuir

A era de lucros elevados na banca, gerados por condições propícias nos mercados financeiros, poderá ter chegado ao fim. No ano passado, as margens financeiras dos bancos - a diferença entre os juros pagos e os juros recebidos - aumentaram, a par dos rendimentos nas áreas de gestão de ativos, de corretagem e de consultoria. A estabilidade económica ajudou a melhorar a qualidade dos ativos em carteira, obrigando os bancos a constituir menos provisões para crédito malparado. “A rendibilidade dos bancos recuperou fortemente, em particular na banca europeia”, assinala o FMI.

A tendência mudou. Com a perspetiva de abrandamento económico, e com a exposição da banca “a setores económicos afetados pelas tarifas”, as taxas de incumprimento deverão aumentar. E se antes o aumento da margem financeira contribuía para um aumento dos lucros “de forma desproporcional, em particular na Europa", a prevista redução nas taxas de juro para colmatar os efeitos das taxas alfandegárias “irá pesar nas margens financeiras, reduzindo as suas receitas”, preveem os técnicos do FMI. Além disso, com a incerteza atual, os rendimentos das áreas de consultoria e de corretagem deverão diminuir com o abrandar da atividade nos mercados globais.

A crescente ligação dos bancos ao “setor bancário sombra” é outra preocupação identificada: apesar do “contágio devido à turbulência das tarifas parecer ser até agora reduzido, há riscos potenciais”. A banca tradicional é a principal fornecedora de crédito a essas entidades. Se a “banca sombra” - altamente endividada, no caso dos hedge funds - for chamada a constituir as provisões a que está contratualmente obrigada no caso de degradação das condições financeiras, esta poderá enfrentar problemas de liquidez. Os preços podem cair ainda mais e o pânico pode instalar-se se, para garantir essa liquidez, esses veículos resolverem vender ativos no mercado.

O FMI avisa, ainda, que os bancos poderão estar a subavaliar, com base em modelos imprecisos, a exposição a ativos de risco. Por terem de constituir “almofadas” de capital que blindem as instituições de problemas de liquidez, estas podem ser inadequadas se a exposição a ativos de risco for, na verdade, muito superior ao calculado.