Encontrar propósito passa por tirar as ideias do papel e pô-las em prática, aprender a desligar a dependência tecnológica e encontrar alegria no contacto com a natureza e na meditação, mas também no trabalho. O Expresso falou com Robin Sharma, autor de vários best-sellers, que partilhou as suas dicas para viver uma vida mais rica.

Que conselho daria a alguém que está a começar a sua jornada de autoconhecimento e procura propósito e paixão na vida?

É um processo. Lao Tzu, o filósofo chinês, disse que a viagem de mil quilómetros começa com um único passo e acho que qualquer pessoa que esteja à procura de mais propósito precisa de começar hoje.

Se o objetivo é ser o próximo autor de um grande best-seller, escreva o primeiro parágrafo. Se quer ficar em forma e correr uma maratona, dê o primeiro passo à volta do quarteirão. Se quer encontrar o verdadeiro amor na mercearia, na secção dos abacates, comece uma conversa com alguém que lhe pareça atraente.

Para iniciar este processo de desenvolvimento pessoal e encontrar propósito na vida, a melhor forma de começar é simplesmente começar. E outra forma é fazermos as coisas que temos medo de fazer, porque do outro lado das coisas de que temos medo está a nossa melhor vida.

Quanto mais enfrentarmos os nossos medos e as coisas que nos assustam, mais começamos a tomar o poder de volta e a descobrir o nosso verdadeiro eu.

Os livros de autoajuda têm, por vezes, má reputação e podem levar à frustração se o leitor sentir que não conseguiu concretizar o seu propósito. Como é que se tira partido do que se lê e se ultrapassa o medo de dar os primeiros passos?

Em primeiro lugar, nenhuma ideia funciona para alguém que não está disposto a trabalhar. Há alguns livros de autoajuda que são ótimos e poderá haver outros que não são tão bons. Penso que a questão mais importante talvez seja a seguinte: estamos dispostos a aceitar uma boa ideia e a agir de acordo com ela, com consistência, disciplina e dedicação até que essa boa ideia se torne parte das nossas vidas?

Mais uma vez, nenhuma ideia, brilhante ou medíocre, em qualquer livro, podcast ou programa de televisão vai funcionar se estivermos à espera que aconteça por magia. Temos de a pôr em prática. Ideação sem execução é apenas ilusão.

Em segundo lugar, diria que alguns dos maiores livros de sabedoria de todos os tempos são livros de autoajuda. Estou a pensar nas Meditações, escritas pelo imperador romano Marco Aurélio há centenas de anos. Há grandes livros filosóficos, todos eles eram livros de autoajuda que nos lembravam de viver a nossa vida mais verdadeira, de sermos mais corajosos, mais amorosos e de fazermos um bom trabalho.

Por onde é que começamos? É uma grande questão. Um dos meus livros, O Clube das 5 da Manhã, fala sobre o poder ter uma boa rotina matinal, de fazer exercício, de rezar, meditar ou escrever um diário. São formas de começarmos o dia com um foco positivo.

Outra forma de começar é eliminar os vampiros de energia da nossa vida. Acabamos por nos tornar nas pessoas que nos rodeiam e se há nossa volta temos pessoas tóxicas, tornar-nos-emos tóxicos.

Também podemos passar mais tempo sozinhos, especialmente nesta era de redes sociais e ligações digitais. Passar algum tempo em silêncio, fazer caminhadas na natureza e pensar sobre quem queremos ser. Estes são apenas alguns pequenos passos que podemos dar todos os dias. Acho que as pessoas às vezes esperam grandes recompensas sem fazerem grande trabalho.

A propósito de redes sociais, a dependência é cada vez maior, especialmente nas gerações mais novas. Para os mais jovens é mais difícil descobrirem o seu propósito porque se comparam mais com o que veem na internet?

De acordo com os dados mais recentes, passamos em média quatro horas e 37 minutos por dia a olhar para o telemóvel e 68% das pessoas utilizam-no durante a primeira hora após acordarem. Em muitos aspetos tornámo-nos zombies cibernéticos.

Para os jovens pode ser uma necessidade maior, tornou-se um vício, mas mesmo para as outras gerações as redes sociais podem ser extremamente viciantes. Sou um grande fã de tecnologia e acho que é um servo fantástico, mas também é um mestre terrível.

Não recuperamos esse tempo. Há um curto período de prazer porque estamos aborrecidos, por exemplo, e parece-nos interessante, mas à medida que avançamos na vida, percebemos que passamos muito tempo no telemóvel. De acordo com a investigação que estava a referir, passamos o equivalente a três meses por ano no telemóvel.

Não há nada de errado em estar no telemóvel, mas certifiquem-se que é uma boa utilização do vosso tempo.

O ser humano tem necessidade de ser validado pelos seus pares, mas isso pode afetar a forma como se vê a si próprio. A procura por validação pode levar a estabelecer objetivos só para agradar aos outros?

Depende da pessoa. Há quem se sinta muito confortável na sua pele e esteja a viver a sua vida mais autêntica, mas muitas pessoas estão apenas a seguir o rebanho. É a tendência humana. Há milhares de anos eramos membros de uma tribo e se a deixássemos podíamos ser mortos ou morrer de fome. Foi assim que desenvolvemos este instinto neurobiológico de ficar dentro da tribo, ver o que os outros fazem e imitar.

Na era moderna seguimos influenciadores ou líderes e tentamos viver e ser como eles. É por isso que acho que é tão importante falar de desenvolvimento pessoal. Uma das coisas mais poderosas enquanto ser humano é questionar: quais são os meus valores, os meus sonhos e o que me quero tornar? Mesmo que sejam um exército de uma só pessoa e todos se riam de vocês, ter a coragem de viver a vossa vida é uma fórmula muito poderosa para a felicidade e paz interior.

Por exemplo, sou mentor de muitos bilionários, faço-o há cerca de 20 anos, e muitos deles fizeram o que a sociedade dizia e ganharam milhares de milhões de dólares. Muitas dessas pessoas são ricas em dinheiro, sim, mas a sua vida é pobre porque viveram de acordo com a definição de sucesso da sociedade e traíram-se no processo. É importante definir o sucesso nos nossos termos e depois viver a vida da forma que nos pareça correta.

O seu último livro fala precisamente da riqueza que o dinheiro não pode comprar. O que é esta riqueza e como se alcança?

O último livro chama-se A Riqueza que o Dinheiro não Compra e baseia-se no modelo que tenho vindo a ensinar aos meus clientes e que se chama “as oito formas de riqueza”. Claro que o dinheiro é uma das formas de riqueza, é a quinta entre as oito que descrevo no último livro.

Precisamos de dinheiro para pôr comida na mesa da família, para ter mais liberdade, para ajudar os nossos filhos na escola, pagar a renda, etc., e há cerca de 20 capítulos no livro sobre como os super-ricos ganham o seu dinheiro. Posto isto, há sete outras formas de riqueza, tal como o bem-estar, a família, o crescimento pessoal, a aventura, o serviço e se não as trabalharmos não teremos uma vida rica.

Tive um cliente que vendeu o seu negócio por muitas dezenas de milhões de dólares e nunca esquecerei o que ele me disse: no dia em que estava à espera de que o dinheiro caísse na conta bancária, toda a família estava em frente ao computador, mas assim que o dinheiro chegou ele não se sentiu diferente.

É a condição humana. Conseguimos uma coisa, sentimo-nos bem durante um dia ou dois, mas depois já estamos a pensar na montanha que vamos escalar a seguir. É por isso que no livro há sete outras formas de riqueza que são muito poderosas e quando as aprendemos e as trazemos para a nossa vida, dia após dia, micro vitória após micro vitória, vivemos realmente uma vida muito mais rica.

Portugal é um dos países mais envelhecidos da Europa. O seu livro também fala sobre a importância de encontrar propósito na vida depois da reforma, mas nem sempre é fácil manter-nos ativos. Como é que se afasta o sentimento de que o tempo está a acabar?

A primeira coisa é não confundirmos a idade que temos na identificação com sermos velhos, porque começamos a acreditar que a idade está de acordo com isso e deixamos de nos mexer. Começamos a pensar que devíamos deixar de trabalhar, de fazer exercício, estar mais parados e não fazer novas viagens porque somos velhos. Pensar assim é que nos torna velhos, é uma profecia auto realizável.

Em primeiro lugar, diria para nunca deixarem uma pessoa velha entrar no vosso corpo. Depois, o que mantém as pessoas jovens é ter um propósito. No meu caso, adoro o meu trabalho, adoro escrever livros e fazer apresentações e é por isso que vou fazê-lo até ao último dia da minha vida.

Façam o que gostam, nunca parem de aprender, e à medida que envelhecem continuem a fazer cursos, a visitar sítios novos e a conversar com pessoas interessantes. Pode parecer um cliché, mas é verdade: é só mantermo-nos ativos e em movimento. O cérebro humano anseia por novidades e pela fuga da rotina.

As gerações mais jovens têm-se mostrado preocupadas com o aumento do custo de vida e com as questões de saúde mental. Se por um lado estão mais dispostas a trabalhar em si próprias, por outro sentem-se limitadas a trabalhar para ganhar pouco para atingir os seus objetivos. Como é que os jovens se podem tornar mais resilientes e positivos?

Não vejo um conflito entre as duas coisas. Há um tempo para o trabalho e um tempo para a nossa vida pessoal. As pessoas dizem que não têm tempo para meditar, para fazer exercício ou para ler mais, mas se formos honestos e as observarmos durante um dia, quanto tempo estão a perder, por exemplo, com o telemóvel?

Os milhões que se juntaram ao Clube das 5 da Manhã têm mais uma hora para fazer essas coisas enquanto o resto do mundo dorme. Claro que nem todos têm de se juntar, mas ter uma boa rotina matinal é importante. Todos temos a opção de utilizar melhor o nosso tempo.

Em vez de sair todas as noites ou jogar demasiados videojogos, aproveitem para ter tempo para as coisas que vos tornam mais fortes, como a meditação, a leitura, a oração, o exercício físico, etc. Essas coisas são divertidas e dão-nos energia.

Claro que o custo de vida é elevado e sou o primeiro a concordar que há uma crise nesse aspeto, mas há sempre alguém que vai criar um negócio que se vai tornar o novo grande negócio. Se cruzarmos os braços e dissermos “a vida é difícil e não posso fazer nada”, estamos a comportar-nos como vítimas.

Há formas de criar mais valor, de satisfazer as necessidades do mercado. Nunca foi tão fácil criar uma empresa como agora. Neste momento, as pessoas estão a criar empresas com telemóveis, estão a tornar-se Youtubers, influenciadores ou a criar cursos. Há uma crise de custo de vida, mas também há oportunidades incríveis para ser um autor, um pintor, um empresário, um grande professor, para iniciar um movimento.

Portanto, há oportunidades. Como é que fazemos isto? É disso que tratam os meus livros e há várias metodologias baseadas na ciência sobre como o fazer. O primeiro passo, diria, é ter uma rotina matinal correta, porque a forma como começamos o dia determina o seu tom.

Passar muito tempo no telemóvel antes de ir dormir vai, por exemplo, afetar o nosso sono, pelo que devemos largar um pouco o telemóvel e passar uma hora a ler todos os dias e 15 minutos junto da natureza. Isso e remover os vampiros de energia e comer melhor são passos para viver a nossa melhor vida.

Por vezes acabamos a trabalhar mais horas porque nos sentimos pouco produtivos e isso retira-nos tempo livre. Como é que se mantém o foco, a produtividade e a criatividade no ambiente atual que oferece tantas distrações?

A consciencialização é a chave para a transformação e uma das coisas que encorajaria é a que nos tornássemos mais conscientes da diferença entre trabalho falso e trabalho real. Por outras palavras, não confundamos estar ocupado com produtividade e não confundamos movimento com progresso.

Muitos de nós somos muito bons a estar ocupados com estar ocupados, isto é, os mais produtivos estão concentrados em fazer trabalho real e em colocar valor no mercado. Além disso, muitos de nós estão exaustos. São tantas notificações, tantas más notícias, tanta informação a chegar, que estamos exaustos.

Recomendo pelo menos um dia por semana de desintoxicação digital, sem aparelhos durante 24 horas, porque dessa forma renovamos aquilo a que os cientistas chamam a nossa largura de banda cognitiva. Ficamos mais frescos, conseguimos pensar com mais clareza e ser mais criativos.

Outra coisa é desligar o telemóvel durante períodos de tempo enquanto estamos a trabalhar, porque enquanto as notificações estiverem a chegar, nunca estamos totalmente presentes. Um exemplo disto é entrarmos numa loja e vermos vendedores, que deviam estar a lidar com clientes, a brincar com os telemóveis. Não estou a julgar, é apenas uma observação.

Se estivessem focados no trabalho se calhar podiam ser promovidos, mas em vez disso estão a olhar para o telemóvel. O que estou a tentar dizer é que se não levarem o vosso trabalho a sério, não estão a fazer o vosso melhor trabalho. E se não estão a fazer o vosso melhor trabalho, como é que vão obter as recompensas?

Usem o telemóvel como vosso servo, não se tornem zombies cibernéticos. Quando estiverem a trabalhar, tenham orgulho no vosso trabalho. Se olharmos para os grandes mestres, como Da Vinci ou Michelangelo, quando trabalhavam davam a alma e o coração, mas a maioria das pessoas já não faz isso.

Se forem uma dessas raras pessoas que o fazem, vão destacar-se e há muitas recompensas para aqueles que levam o seu trabalho muito a sério.