O secretário de Estado do Tesouro e das Finanças referiu esta terça-feira que deve haver uma “regulamentação mais adequada e proporcional” no sector financeiro e não uma “desregulamentação desenfreada”. Foi no encerramento do evento Money Summit, organizado pela consultora EY, que decorreu esta manhã em Lisboa.
E entre outros temas que trazia na bagagem, João Silva Lopes alertou para o facto da regulamentação ser essencial para mitigar riscos, nomeadamente os sistémicos. O que em Portugal tem tido uma carga negativa e foi abordado pelos banqueiros que contestam ainda hoje o que têm de pagar para o Fundo de Resolução, e estão disponíveis para se fazerem ouvir por este governo sobre a fatura que outros agentes financeiros não pagam.
Durante a sessão, a que o secretário de Estado não assistiu, os responsáveis da banca contestaram esta fatura e o facto de haver regulação excessiva.
"Até 2046 teremos de pagar 250 milhões de euros por ano" afirmou o presidente do BPI, João Pedro Oliveira e Costa. Já Pedro Castro Almeida, presidente do Santander Portugal, não hesitou em dizer que a "regulação é o elefante na sala", "temos excesso de regulação" e quando "nos dizem ‘vamos simplificar’" é para desconfiar.
Estas são apenas duas das ideias que foram abordadas na conferência Money Summit que reuniu os líderes de 5 bancos.
Na conferência foram abordados temas como a inovação, tecnologia e os desafios que se colocam à banca em termos de modelo, os lucros excessivos ou não, e as contribuições e impostos de que são alvo. Estes últimos temas que, de certa forma, dizem, constrangem alguns investimentos que é preciso fazer e custam dinheiro como o que é canalizado para a inovação tecnológica e Inteligência Artificial (IA). No rol de queixas está o que pagam para o Fundo de Resolução, até 2046, como disse o presidente do BPI.
Liderança tecnológica e Fintechs
Sobre a liderança tecnológica todos parecem concordar. “Há trabalho já feito na banca”, afirmou Miguel Maya, presidente do BCP. “O tema da tecnologia otimiza processos, quase destrói algumas áreas, mas cria muitas outras oportunidades”, explica. “Quando vim para a banca o cliente ia uma ou duas vezes ao banco, hoje vão mais de 30 vezes ao banco quando entram pela app e nós temos de ter capacidade de inovação para isso. Há uma transformação muito, muito grande". Mas não duvida de que tem de existir um misto, não se pode ser apenas digital. “Não tenho a opinião de que os balcões vão deixar de ser precisos”. E também admite que o caminho leva “à destruição de determinados postos de trabalho, mas haverá sempre espaço para o balcão, porque o papel de quem está ao balcão tem de evoluir”. E remata: “se prescindirmos desse papel o BCP acaba”.
Já o presidente da CGD, Paulo Macedo, sublinhou que “as pessoas adaptam-se às tecnologias, têm tido acompanhamento dos bancos” que de certa forma “ensinam as pessoas a usar a tecnologia”. E dá um exemplo: “a entrega do IRS online”, entre outras.
Falando de Fintech, refere: “onde vemos a maior atuação das Fintech é onde a banca é mais rentável”, ou seja, “querem estar em tudo, onde se exige menos regulação e em áreas que no fundo são as mais rentáveis, mas nos depósitos não estão. Nem respondem ao supervisor”, conclui, para dizer que ainda assim vê com maior preocupação as Big Techs.
“Não faço de adivinho", disse, mas mostrou estar convicto que os bancos vão ser cada vez mais tecnológicos, e vão oferecer uma melhoria de experiência para o cliente, para serem mais eficientes, até porque as pessoas não querem pagar mais comissões”.
E acrescentou: “defendo a máxima dos jornalistas, a informação também se tem de pagar. Nenhum serviço deve ser gratuito, ninguém deve trabalhar de graça. Não tenho dívidas de que a informação tem valor”.
Aliás, os bancos há muito usam IA, como frisou Miguel Maya. “Há bastante tempo que estamos a utilizar a IA, há poucos processos que não tenham uma componente forte de IA”, agora o desafio é equilibrar.
“Repensar processos e tratar áreas. Já estamos a fazer muitas coisas. Mas temos de identificar as áreas que tenham valor para o cliente”, nomeadamente na retaguarda das operações, como proteção de dados, interpretação de fraude e tratamento de informação, adianta Miguel Maya.
“A grande preocupação (falando de Fintech) é garantir que há inovação e que as regras são observadas por todos os intervenientes”. E saber “como podemos travar o facto de haver clientes que quando viajam para o estrangeiro usam outro cartão e não o do BCP".
Pedro Leitão, presidente do Banco Montepio, afirmou a este respeito que “faz-se muito boa banca em Portugal. Há uma preocupação latente em como conseguimos manter os níveis de excelência aos clientes”, mas há que acelerar processos. “Talvez a banca esteja um bocadinho atrasada face a outros setores”.
João Pedro Oliveira e Costa, do BPI, diz ainda que “não é possível a liderança dos bancos não ter presente a componente tecnológica. A componente tecnológica ocupa um espaço na decisão dos líderes. E discorda do que a vice-governadora do Banco de Portugal disse no início da conferência, quando afirmou que a tecnologia e a IA poupava custos aos bancos. “Ainda não vi isso, tenho de estar constantemente a investir”.
No mesmo sentido que Paulo Macedo, Pedro Castro Almeida, presidente do Santander Portugal, disse que “as Fintechs não são o foco das preocupações. São players que atuam na fronteira da regulação.Têm um modelo de negócio que a partir do momento que ganham dimensão têm de ter regulação”.
O peso do Fundo de Resolução
Foi o presidente do BPI quem levantou a questão do Fundo de Resolução quando falou da fatura que os bancos terão de pagar até 2046: "250 milhões de euros por ano".
O banqueiro atirou: “faz algum sentido pagar a fatura para o Fundo de Resolução? Ninguém foi ao jantar e cada um tem de pagar a fatura. Temos de a pagar até 2046 e são 250 milhões de euros por ano e no final do dia acabamos todos por pagar outras faturas ideológicas". Para rematar: “somos um sector que está sempre a pagar faturas”, e já agora, questiona também, “e o tema literacia financeira e da inclusão é só para os bancos, não há ministério de Educação?”.
Já Miguel Maya dispara. “Há um custo e não deve ser passado para os contribuintes em geral (falando do custo do antigo BES e do que pagam para o Fundo de Resolução), mas o pior é quando não se corrige um erro”.
E repete o que há muito reclama. “Porque é que são só os bancos portugueses a pagar essa fatura, e não todos os agentes financeiros que prestam serviços financeiros? Não vou viver nunca acomodado com isto, acho inaceitável".
E remata: “naquela altura (2014) era preciso tomar uma decisão e fez-se o que foi preciso, mas o mais critico é mesmo como ainda hoje continuamos a ser os únicos a pagar”. E interroga: "o que pesa mais no balanço, isto, ou concorrência das Fintech"?".
Pedro Castro Almeida afirmou estar de acordo com Miguel Maya. “Há um tema incompreensível, porque é que só pagamos nós?Há empresas que passaram a sucursal para não pagarem ao Fundo de Resolução. Em Portugal há um incentivo a que as filiais se tornem sucursais”.
O excesso de regulação
Pedro Castro Almeida colocou em destaque o tema da regulação. “A regulação é o elefante na sala”, para dizer que se pensa mais em regulação do que em crescimento. Sempre que há uma diretiva europeia, “cada país coloca regras e impostos extraordinários” e nesse aspeto “não é um contexto muito bom ser banco em Portugal”.
E faz uma comparação: “Nos Estados Unidos saem cerca de quatro mil regulações, na Europa saem 15 mil", para justificar o que disse sobre excesso de regulação.
E dá um número: a nível mundial, a banca investe 600 mil milhões de euros em tecnologia e "mais de metade vai para se adaptar à regulação.
E por falar em regulação, o presidente do banco público, Paulo Macedo, afirmou que “as reservas anticíclicas imobilizam capital com prejuízo para os acionistas” e lembrou, que atualmente os bancos estão com níveis históricos de capital, ao contrário do tempo das crises passadas. Sublinhou que “quando há uma maior reserva isso tem um custo para o acionista, mas no caso da Caixa é indiferente, nos outros bancos absorvem essa reserva e distribuem menos ao acionista”. Rematando que o mais importante é ter bancos saudáveis, e que o sistema fica preocupado quando algum banco não está bem.