O humorista Herman José lamentou hoje a morte do cantor Marco Paulo, recordando o encontro do cantor num espetáculo com o personagem Serafim Saudade, depois de ultrapassada a "rejeição inicial" da caricatura.
"A nossa relação é muito engraçada porque começou com alguma tensão: ele não achou nenhuma piada à caricatura que lhe fiz com o personagem Serafim Saudade", relatou, em declarações à agência Lusa.
"Na altura [da criação do personagem Serafim Saudade] até lhe disse: ‘Não te preocupes, aquilo é mais o Dino Meira [1940-1993], não tem nada a ver contigo’", lembrou ainda Herman José, acrescentando que, com o passar do tempo, Marco Paulo "percebeu que a personagem funcionava muito mais como homenagem do que como crítica".
Ambos - Marco Paulo e Serafim Saudade - viriam a encontrar-se em palco, num espetáculo em Montemor-o-Novo, no Alentejo: "Foi o reencontro", comentou Herman José, que passou a manter com o cantor "relações muito cordiais". "Fomos ficando cada vez mais próximos e, na fase final, cheguei a ir ao programa dele na [estação de televisão] SIC. Fez-me muita impressão esta luta desigual que ele teve contra a doença", lamentou ainda à Lusa o humorista.
Herman José recordou que o repertório de Marco Paulo "foi adaptado de êxitos internacionais, mas teve continuamente o dom - com uma voz fora do comum e uma musicalidade extraordinária - de criar versões que ganhavam sempre. Se ouvirmos os originais, são sempre mais fracos do que as versões de Marco Paulo", avaliou o autor, ator e músico de 70 anos.
Deu como exemplo a música ‘Nossa Senhora’, do cantor brasileiro Roberto Carlos, que “ganha em Marco Paulo uma força que o original não tem”, ou até a canção 'Maravilhoso Coração', do artista espanhol Rafael, "que é muito mais frágil". "Ele tinha uma voz fora do comum, com um timbre inconfundível e mundialmente raro. Aquela voz funcionaria em qualquer país do mundo", disse ainda Herman José, sublinhando a natural "capacidade de ir melhorando" os originais.
O cantor, cuja carreira esteve ligada durante cerca de 34 anos ao produtor musical Mário Martins, na discográfica Valentim de Carvalho, construiu um repertório maioritariamente de versões em português, tendo optado por um modelo de atuação no esteio de nomes como Tony de Matos (1924-1989), Rui Mascarenhas (1929-1987) e António Calvário (1938).
Marco Paulo nasceu em 21 de janeiro de 1945, em Mourão, no distrito de Évora, fixando-se com a família em Alenquer, no distrito de Lisboa, no final dos anos 1950, e depois no Barreiro, já na década de 1960. Em maio de 2022, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou o cantor com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, pelos seus 50 anos de carreira, numa cerimónia no Palácio de Belém, em Lisboa.