Fernando Rocha quis doar parte do fígado ao filho de Pedro Chagas Freitas, Benjamim, de seis anos, que sofre de uma doença genética hereditária e que está há mais de dois meses internado no hospital. O gesto foi anunciado pelo escritor ao fazer uma partilha em forma de agradecimento ao humorista. “O fígado regenera-se. A minha consciência, se souber que não fiz tudo o que podia para ajudar o teu filho, é que não.” Esta foi a resposta de Fernando Rocha a Pedro Chagas Freitas quando o escritor lhe perguntou se ele saberia quais poderiam ser as consequências e os riscos ao ser doador de fígado do Benjamim. “A resposta define-o”, escreveu Pedro Chagas Freitas.
À nossa revista, Fernando Rocha conta em exclusivo como tudo aconteceu e porque decidiu ter este gesto. Numa primeira abordagem, o humorista não queria expor o assunto, porque como defende “solidariedade não é publicidade”, mas depois da publicação de Pedro Chagas Freitas e das muitas mensagens que recebeu, aceitou, mas sempre com o intuito de as pessoas perceberem que o seu gesto é que deveria ser normal e não o contrário. “Isto no fundo não era para se publicar. Eu fiz isto na sombra, ele ligou para mim a dizer que fazia questão de fazer a publicação. Nem eu sabia que ia dar tanto barulho”, começa por dizer o humorista, à TV 7 Dias, mostrando que o facto de as pessoas se terem dirigido a ele a felicitá-lo por tal gesto o deixa num misto de sentimentos. “Quando me dizem, ‘epah parabéns, tiveste uma atitude’… fico feliz de as pessoas dizerem que sou um gajo fixe e tal, mas é agridoce. Também fico triste, porque penso, se as pessoas acham que o que eu estou a fazer é mesmo completamente fora de série e não é normal… Devia ser comum e normal”, sublinha.
Fernando Rocha não é amigo do escritor e como Pedro Chagas Freitas escreveu estiveram juntos apenas uma vez, em 2018, mas soube do caso de Benjamim num grupo de whatsApp. “Nós temos um grupo de humoristas e um deles, o Pedro Neves, que é muito amigo dos Pedro Chagas Freitas, comentou, estava a lamentar a situação do Benjamim. E, de repente veio outra coisa para o grupo, que era novidade para todos. O Pedro estava à procura de um doador para o filho, mas tinha de ser do tipo sanguíneo ORH negativo. E eu sou”, conta Fernando Rocha, salientando que sabe o que representa ser ORH negativo. “Dá para toda a gente, mas eu só posso receber deste. É bom para os outros, para mim, estou lixado”, diz, tentando dar alguma leveza à conversa.
Este foi o ponto de partida. O humorista decidiu enviar uma mensagem em privado ao escritor a mostrar que estava disponível para ser ele o doador. “Foi coincidência, tinha feito exames nessa semana, de tudo, análises… eu era compatível com o miúdo no sangue, o resto não sei. Eu trato-me tão mal, bebo e como o que não devia, já tenho 50 anos… Mandei tudo para ele e disse-lhe para ele mostrar aos médicos. Se eles disserem que está tudo operacional, vamos embora”, continua a partilhar. Pedro Chagas Freitas, como disse na publicação, ficou sensibilizado com o gesto e ainda mais com as palavras do humorista. “Ele ligou-me a perguntar se eu tinha noção dos perigos que isso podia ter, os danos colaterais que pudesse vir a ter. O que lhe disse e acho que foi isso, que o sensibilizou, foi ‘o fígado regenera-se, o que não se regenera é a minha consciência’. Eu sei que se der um bocadinho do meu fígado a alguém, seja ele quem for, se for feito devidamente, num hospital, monitorizado, com os médicos, a probabilidade de correr bem é muito grande. Daqui a cinco anos já tenho o meu fígado exatamente como estava e o puto continua aí a dar cartas”, explica o apresentador de Levanta-te e Ri, deixando uma questão: “Agora, como é que eu ia estar com a minha consciência sabendo que não fiz tudo, e que corria pelo pior? Imagina eu passar a minha reforma a pensar nisto. Não quero. É uma fatura muito cara.”
Depois desta conversa, Pedro Chagas Freitas não voltou a contactar Fernando Rocha senão há poucos dias. “Passaram aí dois meses, ele não me disse nada, nem se era preciso nem nada. Não sei se não sou compatível ou se não foi necessário, pelos vistos não foi preciso. Ele ligou-me a dizer que não podia deixar de agradecer a atitude que eu tive. Deixa-me tanta pena ouvir que não é normal estas coisas, isto devia ser comum. Era tão fácil a vida”, desabafa.
Fernando Rocha vai mais longe, sublinha que estava consciente da decisão que tomou, e que apenas fez o que gostaria que fizessem por um filho seu, caso necessitasse. “Tenho filhos. Eu beijava o cu ao gajo que fizesse isto pelos meus filhos. Acho que o mundo seria mais fácil se todos fossemos assim. Há fortes e fracos, eu sou mais forte perante umas pessoas e mais fraco perante outras. Os mais fortes que protejam os mais fracos e isto vai andando equilibrado”, termina.
Benjamim nasceu em 2018, fruto do relacionamento de Pedro Chagas Freitas com Bárbara Teixeira e, com apenas três meses de vida foi-lhe diagnosticado uma doença genética hereditária que pode facilitar o desenvolvimento de doenças hepáticas ou pulmonares – a deficiência de alfa-1 antitripsina. E, ao fim de tantos anos em hospitais, acabou por ter de receber um transplante de fígado, há cerca de dois meses. Neste momento, Benjamim continua internado e em recuperação.
Texto: Ana Lúcia Sousa (ana.lucia.sousa@worldimpalanet.com); Fotos: Arquivo Impala, D.R. e Reprodução Instagram