20 de agosto de 1989. Esta é a data em que José e Mary Louise “Kitty” Menendez foram mortos a tiro na sua casa em Beverly Hills. Sete anos depois do fatídico dia, os filhos do casal, Lyle e Erik, foram condenados a prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional, pelo homicídio dos pais. Na altura do crime, os jovens tinham 21 e 18 anos, respetivamente.

Agora, 34 anos depois, a sentença pode vir a ser alterada. George Gascón, procurador distrital do condado de Los Angeles, disse durante uma conferência de imprensa que recomendaria a revisão da sentença após o gabinete ter analisado novas provas no caso. A decisão está agora nas mãos do juiz William Ryan. Já lá iremos.

Mas, afinal, o que levou os irmãos a cometer o crime que chocou a América? Os Menendez pareciam ser a família perfeita, mas dentro de quatro paredes o retrato era outro. De acordo com a Biography.com, José nasceu em Cuba, emigrou para os Estados Unidos na adolescência, após a Revolução Cubana dos anos 1950, e chegou a morar no sótão de um primo até ganhar uma bolsa de estudos. Foi na faculdade que conheceu "Kitty", uma rainha de concursos de beleza que era alguns anos mais velha. Os dois casaram no início dos anos 1960 e mudaram-se para Nova Iorque, onde José se formou em contabilidade: passou de lavar pratos a trabalhar como um empresário bem-sucedido.

Em 1968, "Kitty" deu à luz Lyle e Erik nasceu em 1970. A família mudou-se então para Nova Jersey antes de finalmente se mudarem para Los Angeles, onde compraram a mansão, para que José pudesse trabalhar na indústria cinematográfica. A residência, que ficava num dos quarteirões mais exclusivos de Beverly Hills, chegou a ser ocupada, em diferentes momentos, por Michael Jackson e Elton John.


Bob Riha Jr


Lyle jogava ténis e parecia destinado a uma carreira de negócios como o pai, já Erik era seguido pela intervenção obsessiva do pai para se tornar jogador de ténis profissional, o que dá a entender que eles não tinham outra escolha a não ser serem bem sucedidos. "Ele [José] era completamente autoritário, teve o efeito oposto. Erik tinha muito menos autoconfiança porque tudo o que ele fazia nunca era bom o suficiente", disse o ex-técnico da equipa de natação dos irmãos ao The Los Angeles Times, em 1990.

A rebeldia de adolescência foi levada ao extremo por Erik pois participou numa série de assaltos em 1988. Não chegou a ser preso, mas o tribunal ordenou que fizesse terapia com o psicólogo Jerome Oziel, que viria a ser essencial na sua sentença. Lyle também teve problemas: matriculou-se na Universidade de Princeton, mas foi suspenso por plágio.


A confissão do crime


José e "Kitty" não só foram assassinados como ficaram quase irreconhecíveis após 15 tiros de duas espingardas. O crime foi tão bárbaro que a polícia pensou que se tratava de um ataque da máfia e nas primeiras investigações concentraram-se em rivais devido ao trabalho de José. Na fatídica noite, Lyle ligou para o 112 e quando as autoridades chegaram ao local encontraram Erik a soluçar. Na altura, os irmãos disseram que tinha saído para ver um filme e quando chegaram a casa depararam-se com os pais mortos. Mais tarde revelou-se ser tudo mentira.

Nos meses que se seguiram, os irmãos gastaram milhares da fortuna deixada pelos pais: Lyle comprou um Rolex, um Porshe e ainda um restaurante em Princeton, enquanto Erik optou por um Jeep Wrangler, contratou um treinador pessoal de ténis e fez um investimento num espetáculo de rock que nunca aconteceu.

O estilo de vida levou a que a polícia começasse a suspeitar que algo não batia certo, mas foi só quando Erik confessou o crime ao seu terapeuta que o plano dos irmãos foi por água abaixo. Jerome Oziel acabou por revelar o que lhe havia sido dito a Judalon Smyth, com quem estava a ter um caso extraconjugal, e esta acabou por desempenhar um grande papel no caso. O psicólogo conseguiu gravar os irmãos a confessar os homicídios, mas não tencionava entregar à polícia. Após uma zanga entre Jerome Oziel e a sua amante, esta acabou por contatar a polícia e contou tudo.

Foram precisos dois anos para que se decidisse se as fitas com as confissões eram ou não admissíveis como evidência em tribunal: ficou decido que duas das três fitas eram elegíveis para serem usadas no julgamento.


Os três julgamentos

Dois julgamentos foram transmitidos na televisão. No primeiro, em 1993, foram escolhidos júris separados para cada irmão. Os promotores argumentaram que a motivação de Lyle e Erik foi a herança dos pais, mas os irmãos disseram que se tratou de legítima defesa. Além do abuso emocional, os jovens alegaram, de forma bastante gráfica, que o pai os abusou sexualmente durante ano (Lyle dos seis anos oito anos e Erik dos seis aos 18 anos).

Lyle disse que confrontou José sobre a agressão sexual deu irmão dias antes dos assassinatos e que interpretou a resposta do pai como uma ameaça de morte. A defesa afirmou que "Kitty" lutava contra o alcoolismo e o vício em drogas e que vivia devastada pelos casos extraconjugais do marido. A advogada de Erik, Leslie Abramson, tornou-se uma estrela durante o julgamento e trabalhou ao lado do advogado de Lyle, Gerald Chaleff.


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Os primeiros dois julgamentos duraram seis meses com júris empatados: não conseguiram concordar se Lyle e Erik eram culpados ou se agiram em legítima defesa. No terceiro julgamento, em 1995, os irmãos foram julgados novamente, mas desta vez juntos, e não foram permitidas câmaras no tribunal. O juiz também decidiu que não havia evidências suficientes de que José Menendez tinha abusado sexualmente os filhos. Os irmão foram condenados no dia 21 de março de 1996 após serem acusados de homicídio em primeiro grau.

A verdade é que, anos mais tarde, a prima mais velha dos irmãos disse à ABC News que acreditava que Lyle estava a dizer a verdade sobre os abusos porque lhe tinha contado coisas semelhantes ele na infância.

Diane Vander Molen, que passava regularmente verões com os primos, lembra-se dos supostos incidente em 1976, quando ela tinha 17 anos e ele oito anos. "Numa noite, eu estava a trocar os lençóis da minha cama e o Lyle entrou. Ele ficou muito sério a perguntar se poderia dormir na outra cama ao lado da minha e disse que tinha medo de dormir na própria cama porque o seu pai estava a tocar-se lá embaixo, indicando que era a sua área genital", recordou, citada pela Harper's Bazaar.

Esse episódio levou a que Diane contasse à tia o que tinha acontecido, mas "Kitty" recusou-se a acreditar nas alegações do filho. "Pelo comportamento dela, eu poderia dizer que ela não estava acreditar em nada disso. [Ela] desceu as escada e Lyle já se tinha deitado na cama ao lado da minha. Ela puxou-o pelo braço, levou-o de volta para cima e eu nunca mais ouvi nada sobre isso", contou, acrescentando que "eles jamais teriam feito o que fizeram a menos que sentissem que não tinham escolha — que era eles ou os seus pais".

Mais recentemente, o cantor Roy Rosselló, que integrou a banda Menudo, também acusou José de agressão sexual.


Podem sair da prisão em breve


Os crimes dos irmãos Menendez têm sido debatidos ao longo destes anos, mas o filme 'Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez' e o documentário 'Os irmãos Menendez', ambos da Netflix e lançados este mês de outubro, voltaram a dar destaque ao caso.

Após a condenação, Lyle e Erik, hoje com 56 anos e 53 anos, respetivamente, foram para instalações separadas e assim se mantiveram até 2018. Quando os dois finalmente se reuniram pessoalmente, após 20 anos falando apenas por carta, Erik e Lyle "caíram em lágrimas imediatamente", disse o jornalista Robert Rand à ABC. "Eles apenas se abraçaram por alguns minutos sem dizer nenhuma palavra um ao outro. Os funcionários da prisão deixaram-nos passar uma hora juntos numa sala."

No passado dia 24 de outubro, George Gascón disse que pedirá ao juiz que considere uma nova sentença. Como eles cometeram os crimes quando tinham menos de 26 anos, seriam elegíveis para liberdade condicional. A decisão final será tomada pelo juiz e, de seguida, será apresentada a um conselho de liberdade condicional, que determinará se os irmãos devem ou não ser soltos.

A família alargada dos irmãos implorou pela sua libertação. "Eu nunca pensei que este dia chegaria. Eu sou a irmã da Kitty", disse Joan VanderMolen, de 92 anos, citada pela CBS News, aos repórteres do lado de fora do tribunal de Los Angeles. "Foi um pesadelo que nenhum de nós poderia ter imaginado. Mas conforme os detalhes do abuso de Lyle e Erik vieram à tona, ficou claro que as suas ações - embora trágicas - foram a resposta desesperada de dois miúdos a tentar sobreviver à crueldade indizível do seu pai."

"Eles eram apenas crianças, crianças que poderiam ter sido protegidas e, em vez disso, foram brutalizadas das formas mais horríveis. O mundo não estava pronto para acreditar que miúdos pudessem ser violados ou que homens jovens pudessem ser vítimas de violência sexual. Hoje sabemos. Sabemos que o abuso tem efeitos duradouros e que as vítimas de trauma às vezes agem de maneiras muito difíceis de entender", acrescentou.