As viagens espaciais expõem o corpo humano a condições extremas. A microgravidade, a radiação e o confinamento afetam profundamente a saúde dos astronautas, provocando alterações fisiológicas e psicológicas que podem ter efeitos duradouros. Como se adapta o organismo humano ao espaço e quais são os desafios que os cientistas tentam mitigar?

O corpo humano evoluiu ao longo de milhões de anos para funcionar de forma ótima no ambiente da Terra, que inclui a força da gravidade, pressão atmosférica e níveis de radiação relativamente baixos. As viagens espaciais expõem os seres humanos a um ambiente bem diferente, colocando uma série de desafios tanto físicos como psicológicos, especialmente se a estadia for prolongada.

A investigação científica avança para proteger os viajantes espaciais, mas como explicou à ReutersChris Mason, professor de fisiologia e biofísica na Weill Cornell Medicine, em Nova Iorque, é necessário reunir mais dados sobre astronautas de diferentes perfis de saúde e tipos de missão para desenvolver estratégias personalizadas de mitigação de riscos.

Radiação espacial: uma ameaça invisível

Na Terra, o campo magnético e a atmosfera bloqueiam grande parte da radiação cósmica. No espaço, essa proteção desaparece, expondo os astronautas a doses elevadas de radiação de alta energia. Estes raios podem provocar danos no ADN, aumentar o risco de cancro, acelerar o envelhecimento celular, causar problemas cardiovasculares e desregular o sistema imunitário. Os efeitos neurodegenerativos da exposição prolongada são também uma preocupação crescente.

Os astronautas em órbita baixa, como na Estação Espacial Internacional (ISS), beneficiam de alguma proteção da magnetosfera terrestre– a região que envolve um planeta, sob influência do campo magnético. Mas os astronautas que viajam mais além - como em missões à Lua ou a Marte - recebem doses de radiação muito mais elevadas, exigindo o desenvolvimento de novas técnicas de proteção.

Microgravidade: impacto generalizado no corpo

A gravidade tem um papel essencial na regulação das funções do organismo humano. A sua ausência desencadeia uma série de problemas e adaptações fisiológicas generalizadas:

  • Deslocação de fluidos: sem a atração gravitacional, os fluidos corporais acumulam-se na parte superior do corpo, provocando inchaço facial, aumento da pressão intracraniana e possíveis problemas de visão.
  • Perda óssea e muscular: os ossos e músculos deixam de suportar o peso do corpo, levando à perda de densidade óssea e atrofia muscular. A "anemia espacial" é outro fenómeno observado, com uma redução na produção de glóbulos vermelhos.
  • Sistema cardiovascular: o coração tende a enfraquecer e a regulação da pressão arterial torna-se mais difícil, especialmente no regresso à Terra.
  • Sistema vestibular: a falta de gravidade afeta o equilíbrio e a perceção espacial, podendo causar tonturas e desorientação.

O exercício físico é uma das principais contramedidas utilizadas para minimizar estes efeitos e manter os astronautas saudáveis durante missões prolongadas.

O fator psicológico: isolamento e stress

As missões espaciais de longa duração exigem que os astronautas vivam em ambientes confinados, sem interação direta com amigos e família e com acesso limitado a elementos naturais. Esse isolamento pode levar a:

  • Distúrbios do sono
  • Declínio cognitivo
  • Problemas emocionais e de humor
  • Conflitos interpessoais

O stress psicológico pode afetar o desempenho da missão, pelo que são fundamentais os mecanismos de apoio emocional, como comunicação regular com familiares e acompanhamento psicológico.

O que acontece no regresso à Terra?

A forma como os astronautas recuperam após o regresso à Terra depende em grande parte da duração da missão. Para missões de curta duração, de alguns dias em órbita baixa da Terra, cerca de 95% dos danos biológicos sofridos parecem ser revertidos no regresso.

Para os astronautas que passam meses a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), a recuperação é proporcional ao tempo que passam no espaço - os sistemas fisiológicos voltam gradualmente ao normal, mas alguns problemas podem persistir.

Um exemplo é a Síndrome Neuro-Ocular Associada ao Voo Espacial, uma deficiência visual devido a alterações de fluidos induzidas pela microgravidade e a alterações da pressão intracraniana. Alguns astronautas nunca recuperam e passam a ter de usar lentes corretivas.

A astronauta da NASA Karen Nyberg, engenheira de voo da Expedição 36, realiza um exame de saúde ocular a si própria no laboratório Destiny da Estação Espacial Internacional.
A astronauta da NASA Karen Nyberg, engenheira de voo da Expedição 36, realiza um exame de saúde ocular a si própria no laboratório Destiny da Estação Espacial Internacional. NASA

Perguntas ainda sem resposta

Há muitas questões em aberto sobre os efeitos de missões de longa duração no espaço profundo, em que os astronautas serão expostos a níveis muito mais elevados de radiação espacial e a microgravidade prolongada.

  • Como a radiação espacial afeta a função pulmonar?Embora se saiba que a radiação espacial aumenta o risco de cancro, acelera o envelhecimento e induz danos celulares, os mecanismos biológicos precisos permanecem indefinidos.
  • Quais são os impactos na neuroplasticidade e na saúde mental a longo prazo? Os cientistas também não têm uma compreensão abrangente de como a microgravidade, a exposição à radiação e o isolamento afetam a função cognitiva, a saúde mental e a neuroplasticidade – a capacidade do cérebro de mudar e adaptar-se – durante longos períodos.
  • Como as mitocôndrias influenciam os efeitos fisiológicos da microgravidade?A investigação demonstrou que as mitocôndrias desempenham um papel central nos efeitos na saúde induzidos pelos voos espaciais. Os mecanismos precisos de adaptação e disfunção mitocondrial no espaço continuam em estudo.
  • O voo espacial pode comprometer a reprodução humana? Uma lacuna significativa de conhecimento é a forma como o voo espacial afeta a reprodução humana e o desenvolvimento fetal.

Foram realizados estudos limitados sobre a saúde reprodutiva no espaço, envolvendo principalmente animais como os ratos. As implicações completas para a fertilidade humana, o desenvolvimento embrionário e a habitação espacial a longo prazo, abrangendo gerações, permanecem desconhecidas.

A investigação sobre estes temas é essencial para a preparação de futuras missões interplanetárias e, eventualmente, para a colonização espacial.

Em que ponto está a investigação?

Estudos recentes ajudam a compreender melhor os impactos do espaço na saúde humana:

Uma investigação publicada em 2024 revelou alterações no cérebro, coração, músculos, rins e pele, regulação imunitária e níveis de stress e um colapso na atividade das mitocôndrias entre os membros da tripulação que participaram na missão Inspiration4 de três dias da SpaceX em 2021 - a primeira equipa totalmente civil a orbitar a Terra.

Outro estudo de 2024 identificou um aumento na incidência de dores de cabeça no espaço. Envolveu 24 astronautas que viajaram a bordo da ISS até 26 semanas. Todos, exceto dois, relataram dores de cabeça.

Um estudo de 2023 demonstrou a expansão dos ventrículos cerebrais - espaços no meio do cérebro contendo líquido cefalorraquidiano - em astronautas que passaram seis meses na ISS.

Uma investigação de 2022 documentou uma perda óssea significativa, que, em alguns casos, nunca foi completamente recuperada.

O caminho para uma exploração espacial segura depende da investigação contínua e do desenvolvimento de novas estratégias para proteger a saúde dos astronautas.

A astronauta Suni Williams (ao centro) perto da nave espacial SpaceX Dragon acoplada à ISS, a 16 de janeiro de 2025
A astronauta Suni Williams (ao centro) perto da nave espacial SpaceX Dragon acoplada à ISS, a 16 de janeiro de 2025 NASA