Com efeito, basta abrir o TikTok, para vermos como diferentes influencers exibem "atos de boa vontade", de doação aleatória de bens e até de dinheiro, de uma forma muitas vezes acintosa e um pouco descabida, espalhando esta centelha de doação, ao sabor de uma torrente de conteúdos que se querem converter em likes, que depois dão acesso a contratos com sponsors e marcas e, por sua vez... mais dinheiro. Para os bolsos dos influencers, claro.

E dei este exemplo propositadamente, embora pudesse dar outros, mais inspiradores, e que transformam realmente vidas de pessoas, ao contrário de muitos destes casos que acabo de relatar. Fi-lo para realçar que, mesmo que as intenções e motivações de muitas destas montras de pretensa generosidade, sejam puramente comerciais, a verdade é que isto toca o coração das pessoas, comove e, muitas vezes, pode multiplicar o ato de doação. E esta multiplicação é, não só, em si, benéfica para quem precisa, como também o é para quem dá.

Vamos dividir isto por partes - a filantropia ajuda a quem recebe. Parece ser uma afirmação óbvia. Mas depende muito do que entendemos por ajudar. E isso depende do contexto em que estamos a atuar.

Num contexto de urgência, como é o caso de uma catástrofe climática ou de uma carência acentuada de recursos necessários à sobrevivência, o mero ato de destinar dinheiro à aquisição de bens essenciais à sobrevivência ou à dignidade, realmente ajuda quem a recebe;

Mas num contexto que não seja de urgência ou de emergência, será que a filantropia realmente ajuda? Diria que depende muito da análise concreta da situação, que precisa de ser bem avaliada (daí a importância de um diagnóstico muito bem feito, que deve ser o ponto de partida de qualquer estratégia de filantropia que pretenda ser realmente útil).

Existem casos onde se torna evidente que não ajuda - como quando damos dinheiro a alguém sinalizado por ter uma adição a álcool ou droga e sabemos que, com grande probabilidade, o dinheiro vai ser aplicado numa finalidade que só agravará a condição de partida.

Existem outros, porém, onde a situação pode ser dúbia, como o caso de doações a organizações que promovem e incentivam a interrupção voluntária da gravidez em mulheres muito jovens. Nestas situações, para além de um possível dilema moral, existe ainda a complexidade que estas situações implicam e o saber se, no médio e longo prazo, as consequências desta interrupção não serão mais gravosas, do que a sua manutenção, em condições de acompanhamento e apoio mais estruturadas.

Finalmente, existem casos onde obviamente os donativos não levantam dúvidas, como é o caso das doações feitas a jovens, sinalizados como jovens com grandes necessidades económicas, oriundos de meios sociais fragilizados, que procuram ter acesso a educação, através de bolsas. Aqui, não existe, aparentemente, nenhum possível cenário, em que a filantropia não seja benéfica - para o jovem ou para a jovem. Mas também para a sociedade como um todo.

Em resumo, saber se um ato de doação, de filantropia, ajuda ou não ajuda, depende muito do contexto e da situação do caso concreto. E é muitas vezes o desconhecimento, a dúvida ou a suspeição deste contexto, bem como da situação e elementos de cada caso, que refreia a vontade e a frequência da filantropia. Da vontade de dar.

Mas a verdade é que doar faz bem à saúde, segundo muitos estudos, incluindo o Journal of Happiness Studies, um fórum internacional de estudos aplicados na área do bem-estar. Ao praticar um ato de generosidade, como é o doar a um estranho algo, seja dinheiro, tempo ou um bem ou serviço, liberta serotonina (ligada ao humor), dopamina (ligada ao bem-estar) e ocitocina (ligada à compaixão e sentimento de conexão) e tem efeitos positivos na saúde física e mental, como a melhoria da autoestima, a diminuição dos níveis de ansiedade, ou o aumento da esperança de vida.

Mas, independentemente de todos estes benefícios, que poderiam funcionar como incentivos a doar, existem dois fatores que são determinantes para que uma cultura filantrópica se possa instalar como algo que atravessa uma sociedade.

Em primeiro lugar - a confiança. Sem ela, a doação, mesmo que exista, é um ato que, ao invés de gerar um fluxo positivo e de conexão, gera ansiedade e insatisfação. E, para que haja confiança, é preciso que haja investimento na seriedade com que se abordam os problemas que a filantropia pode ajudar a resolver. O que significa enfrentar as raízes dos problemas, para os resolver. E isto, por sua vez, tem de se refletir em bons relatórios, acompanhamento profissional e total transparência nas alocações de recursos que são feitas. Sem isso, sem esta eficiência e foco na seriedade, a filantropia não se pode instalar como sistema.

E, em segundo lugar, o sentir que, ao doar, se está a deixar um legado e, dessa forma, a deixar um lastro no mundo que é maior do que o próprio self - esta versão limitada da individualidade. E isto é independente do montante doado, mas é mais evidente quando os montantes doados são muito elevados e, em consequência, os resultados conseguidos são muito mais visíveis, e muito mais impactantes.

E esta é a principal razão pela qual pessoas com grandes fortunas doam, tipicamente em fases mais avançadas da sua vida, grande parte do seu dinheiro, bens, ou ambos, a causas ou a missões específicas, como foi o caso, emblemático em Portugal, de António Champalimaud. Porque, à medida que vão subindo na Pirâmide de Maslow, e cobrindo todas as suas necessidades mais básicas e funcionais, restam as necessidades de conexão e ligação, e a transcendência. E a construção de um legado serve muito bem este propósito - o de deixar algo no mundo que transcende a nossa própria morte. E que nos mantém, na memória dos vivos, com um sentimento de gratidão e reconhecimento pelo bem que se proporciona. Sei que é isso o que sinto, quando leio os relatórios da Fundação Champalimaud, e vejo os resultados do legado daquele senhor. É notável o que tem sido feito pelo progresso no combate a este flagelo do cancro. E sinto-me muito grato, enquanto cidadão, pelo que ele nos deixou.

Para além disso, pensar na construção de um legado, independentemente da sua dimensão ou volume, faz com que as pessoas aumentem a sua predisposição para doarem, segundo estudos Da Duke's University Fuqua School of Business. Como diz o Professor Wade-Benzoni, responsável por este estudo "quando as pessoas pensam nos seus legados, elas olham para aquilo que traz mais significado às suas vidas e ficam mais dispostas a agir em benefício das futuras gerações".

Filantropia com estratégia, que resolva problemas reais das pessoas e do Planeta, em conjunto com a força da ideia da construção de um legado que imortalize a pessoa, pode bem ser a receita ideal para cativar as grandes fortunas deste mundo, para a materialização de todo o potencial impacto que podem ter nas futuras gerações. Talvez seja esta a maior de todas as riquezas que conseguirão alguma vez gerar.