E, para além da importância da polinização para as produções agrícolas e para a sua qualidade, também os outros produtos, resultantes da apicultura - como o mel, o pólen, a cera, a geleia real e o própolis), têm um peso económico considerável. Exemplo disso é o mel que, só na Europa, significa uma produção anual na ordem das 250.000 toneladas, em resultado do trabalho de 600.000 apicultores, e 17 milhões de colmeias.

Também segundo dados da FAO , o número de colónias de abelhas em 2021, era estimado em 101,6 milhões de colónias (um aumento de 47%, em comparação com 1990), encontrando-se a maioria localizadas na Ásia. E esta informação é relevante, porque segundo os estudos realizados para a elaboração do primeiro mapeamento das 20 mil espécies de abelhas que existem em todo o mundo (estudo realizado em 2020), é justamente na Ásia (em conjunto com a África) que a informação é mais escassa e, portanto, os dados são menos fiáveis. Na realidade, segundo este estudo, mais de 96% das espécies de abelhas são mal documentadas.

Mas se as colónias de abelhas (de mel) têm aumentado, então porque é que se continua a falar da questão da sobrevivência das abelhas? Porque apesar do crescimento das colónias, muitos outros fatores têm conduzido a um aumento significativo nas mortes de muitas espécies de abelhas (prevê-se que, segundo dados da IPBES - Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem - 9% das espécies de abelhas tenham desaparecido e que tenha havido um declínio de 37% na população de abelhas nos últimos anos).

Entre outras, algumas das causas para que isto aconteça são as seguintes:

  • Muitas colheitas dependem da ação polinizadora de abelhas nativas, que não são abelhas produtoras de mel e que, por isso, estão fora das colónias, muitas vezes sem qualquer registo, ou documentação sobre a sua situação concreta. Neste aspeto em particular, o aumento das colónias de abelhas produtoras de mel até pode ser uma ameaça, uma vez que estas diferentes espécies de abelhas competem pelo pólen, o que pode levar a um declínio das populações nativas, em número menor;
  • Mesmo dentro das colónias de abelhas, tem havido números assustadores de perdas, desde pelo menos 2006, devidas a diversos fatores como pestes, pesticidas ou alterações climáticas. Segundo um relatório recente da organização sem fins lucrativos "The Bee Informed Partnership", nos EUA, entre 2022 e 2023, os apicultores perderam aproximadamente 50% das abelhas que tinham. Não só com a sua morte, como também com um fenómeno chamado CCD (Colony Collapse Disorder), no qual as abelhas literalmente abandonam as suas colmeias, levando ao seu colapso.

Resumindo, existe um problema que, aparentemente, é pequeno, a avaliar pela importância que, no dia a dia da maioria das pessoas, é atribuída ao problema, o que faz com que ele seja negligenciado, ou por não ser tão visível, ou por não ser percecionado como urgente, apesar das crescentes comunicações da ameaça que isto representa à própria qualidade de vida e subsistência alimentar do ser humano. Já Einstein dizia que, se não tivéssemos abelhas, o Planeta duraria cerca de 4 dias. Uma dramatização, mas que, já naquela época, era uma chamada de atenção.

Mas, pior do que isto, parece ser o que isto representa sobre a capacidade que o ser humano tem de reagir, de forma racional, às ameaças de perigo iminente para a subsistência dos ecossistemas que garantem a sua vida, apesar das evidências científicas. Isto é, mais do que o problema da eventual extinção de muitas espécies de abelhas, e a forma mais do que comprovada, como isso pode afetar a qualidade da alimentação, e até a própria vida do ser humano, assusta-me brutalmente a cegueira, a inércia e a procrastinação de tantos responsáveis de governos, empresas, comunidades e, na realidade, de cada um de nós, sobre este e outros temas.

O problema das abelhas é um enorme problema. Mas é apenas um sintoma de um problema muito maior - nós. Os seres humanos. Porque a responsabilidade não se traduz apenas em assumir os impactos negativos daquilo que geramos através das nossas atividades. faz também parte da esfera da nossa responsabilidade, assumirmos o cuidar de situações pelas quais até podemos nem ser diretamente responsáveis, mas que, pelo simples facto de termos consciência que existem, e termos os meios para as resolvermos, passam automaticamente a fazer parte daquilo que devemos assumir como responsabilidade nossa. Enquanto coletivo, mas com manifestação nas nossas escolhas e ações diárias como cidadãos, gestores ou governantes.

E esta reflexão é válida para as abelhas, para a discriminação de género, para as alterações climáticas, ou para as violações dos direitos humanos. Ter a consciência da existência de todas estas situações, faz-nos automaticamente responsáveis, enquanto coletivo. O contrário, será deixar o nosso destino nas mãos de outrem. E a característica talvez mais importante do ganho de consciência é que não tem "volta atrás". Uma vez ganhando-se consciência, não podemos depois fingir que não sabíamos e lavar as mãos, como Pôncio Pilatos. Ou podemos. Mas isso tem um custo muito caro. Para nós, e para os que nos rodeiam.

Talvez seja esta a principal conquista conseguida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável promovidos pelas Nações Unidas desde 2015 - podemos não estar no bom caminho para cumprir muitos dos objetivos ambiciosos estabelecidos nesta agenda 2030. Mas uma coisa é certa - o nível de consciência que os diversos setores das economias dos países mais desenvolvidos dos mundos (justamente os que são capaz de mobilizar os recursos para resolver estes desafios) ganharam, nestes últimos quase 10 anos - isso já ninguém nos tira. E estou convencido de que, quantos mais anos passarem, mais perceberemos o papel percursor e fundamental que esta matriz teve na construção de novos paradigmas e modelos de sociedade. Que assim seja. É o meu desejo. Pelas abelhas. Mas mais por nós.