Pequeno por fora, mas grande por dentro. Nesta pequena embalagem, concentram-se três sabores e várias texturas. Numa colherada, aprecia-se uma geleia doce com tons de amargo da casca de laranja, sente-se um preparado cremoso e frutado e, por fim, um pólen que se desfaz na boca. É assim o OrangeBee, o grande vencedor do ‘ECOTROPHELIA Europe 2020’, a maior competição europeia em inovação alimentar ecológica, que decorreu no passado dia 18 de outubro.
Desenvolvido por Bárbara Vitoriano e Adelaide Olim, alunas de mestrado em design e biotecnologia alimentar, respetivamente, na Universidade de Aveiro, este preparado foi o grande vencedor da 13ª edição desta competição que promove a inovação, o empreendedorismo e a competitividade do setor agroalimentar europeu, desafiando estudantes do ensino superior a desenvolverem produtos inovadores e sustentáveis.
E foi essa a inspiração das duas vencedoras, ao reutilizarem resíduos habitualmente desprezados pela indústria alimentar, nomeadamente a água da cozedura de leguminosas (aquafaba) e cascas de laranja. «O produto foi inspirado nas tendências atuais do mercado, e naquilo que achamos que deve ser melhorado. Acreditamos que o aproveitamento de partes de alimentos que normalmente seriam rejeitadas pelas indústrias é essencial, não só para desmistificar o modo como o consumidor vê esses produtos e incentivar o seu aproveitamento a nível doméstico, mas também para que a indústria agroalimentar possa seguir um rumo ecológico e preocupado com o desenvolvimento sustentável», conta-nos Bárbara Vitoriano.
Além de inovador a nível de sustentabilidade, o OrangeBee é ainda rico nutricionalmente. O preparado fermentado sem gordura e fonte de fibra tem 89 kcal por porção, que providencia 8% da dose diária recomendada de vitamina C e 21% da dose diária de FOS, prebiótico importante na regulação do trânsito intestinal. É ainda um produto vegetariano, sem glúten e lactose. Devido à presença do pólen apícola, considerado um alimento funcional, o consumidor obtém também uma quantidade considerável de vitaminas antioxidantes e flavonoides, essenciais na proteção do organismo contra as agressões externas.
Com uma estimativa de uma população mundial de nove mil milhões em 2050, a biotecnologia alimentar é vista como uma arma para ajudar nos desafios que o planeta enfrenta na área da sustentabilidade. «A biotecnologia alimentar tem-nos permitido aperfeiçoar os processos de produção alimentar, desenvolvendo produtos mais resistentes a pragas e mudanças climáticas, e melhorando as suas qualidades nutricionais para assegurar a saúde da população. No caso do nosso produto OrangeBee, este conhecimento permitiu-nos a perfeita conjugação entre vários ingredientes conhecidos pelo consumidor como desperdícios, mas que podem ter uma nova vida e ser novamente integrados na alimentação, através do desenvolvimento de produtos alimentares inovadores e saborosos», assinala Adelaide Olim.
OrangeBee: da ideia ao mercado
O produto surgiu da junção das teses de mestrado de cada aluna. A investigação de Bárbara, enquanto designer, baseou-se nas partes de alimentos que normalmente são desperdiçadas, mais especificamente as cascas de laranja, não só pela sua capacidade nutricional, mas também pelas características organolépticas serem, a seu ver, bastante interessantes. O objetivo era inseri-las em produtos alimentares saborosos e inovadores e aliá-los a uma comunicação gráfica eloquente, com o intuito de desmistificar esses resíduos que são desperdiçados diariamente na cultura portuguesa e dieta mediterrânica. Por outro lado, Adelaide, enquanto biotecnóloga alimentar, encontrava-se a estagiar numa empresa de produtos apícolas e tinha como objetivo trabalhar o pólen apícola, de modo a valorizá-lo e inseri-lo em novos produtos alimentares, promovendo assim as suas características diferenciadoras.
A Universidade de Aveiro permitiu que ambas se conhecessem e aliassem os seus objetivos individuais, ou seja, a preocupação com as partes de alimentos que são seguras e se encontram em condições para consumo humano, mas que são normalmente desperdiçadas, como é o caso das cascas de laranja, e a valorização de um alimento nobre com diversos benefícios para a saúde, mas que ainda não é reconhecido por um vasto número de consumidores, o pólen apícola.
Mas depois da ideia era preciso chegar à fórmula correta. Adelaide e Bárbara realizaram várias experiências de tentativa-erro e testaram várias dosagens e ingredientes. «Todas as experiências foram avaliadas e anotadas, permitindo o entendimento dos próprios ingredientes utilizados e a progressão no desenvolvimento do produto», conta Bárbara Vitoriano. A pandemia atrapalhou todo este processo e do laboratório do Departamento de Química passaram para a casa de cada uma, tendo mais de metade do projeto sido realizado à distância, usufruindo do material a que tinham acesso nas suas cozinhas. «Devido à rutura de stock das latas de grão de bico nos supermercados, decidimos experimentar com o que tínhamos disponível na dispensa de casa, onde o resultado da utilização da água do feijão vermelho e do feijão preto levou à criação de uma gama de produtos. Concluímos que a situação pandémica não foi impedimento para a obtenção de um produto saboroso e inovador», assinala.
O consumidor tem-se tornado, nos últimos anos, mais atento à origem, à sustentabilidade, e aos benefícios para a saúde dos produtos que consome, e isso reflete-se no aumento que existiu nos últimos anos referente ao consumo de alternativas vegetais a produtos lácteos e que irá continuar a aumentar no futuro.
Este preparado fermentado de aquafaba com uma camada de geleia de laranja e polvilhado com pólen apícola tem todos os ingredientes para servir os novos requisitos de alimentos sustentáveis e funcionais dos consumidores. Por isso, chegar ao mercado é uma ambição perfeitamente viável: «Acreditamos que sim, é essa a nossa ambição e uma das razões para termos concorrido ao concurso Ecotrophelia. O papel do concurso Ecotrophelia nacional e internacional, e da PortugalFoods, foi o de colocar as equipas em contacto com a indústria agroalimentar. Neste momento, o objetivo é encontrar os parceiros e indústrias adequadas para que isso seja possível. Recebemos várias mensagens de muitas pessoas interessadas em provar o produto e deixar-nos-ia realmente muito realizadas vê-lo na prateleira de um supermercado nos próximos tempos, disponível para todos os consumidores curiosos», refere Adelaide Olim.
Portugal a distinguir-se na inovação eco
OrangeBee foi o projeto eco-inovador que representou Portugal, de entre os 13 países em competição e as 14 universidades europeias presentes. Os projetos desenvolvidos pelas equipas de estudantes da Grécia e da Islândia garantiram o segundo e terceiro lugar do pódio, respetivamente – o projeto Olive, que desenvolveu gressinos à base de azeite e com diferentes recheios de vegetais e frutos gregos; e o projeto Frosti, que apresentou uma solução de flocos de skyr sem lactose.
Esta é a quarta vez que Portugal participa na iniciativa ECOTROPHELIA Europe, cuja edição portuguesa é, desde 2017, dinamizada pela PortugalFoods. No passado mês de setembro, o preparado OrangeBee destacou-se no concurso nacional, que contou com 16 equipas e envolveu 63 estudantes e 14 instituições de ensino superior nacionais, ganhando o direito de representar Portugal na final europeia.
Sobre Portugal ter conseguido o primeiro lugar, Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods, refere: «A distinção europeia deste projeto português não nos podia encher de mais orgulho. O setor agroalimentar português é conhecido, há muito, nos mercados internacionais, pela sua qualidade e excelência. O facto de se mostrar como uma indústria cada vez mais inovadora, atenta às tendências e aos novos padrões de consumo, que colocam a sustentabilidade no topo da agenda, certamente irá ajudar no caminho da promoção do setor agroalimentar nacional lá fora». A responsável acrescenta ainda que «este prémio é também o reconhecimento do esforço que o setor tem feito no sentido de se aproximar das universidades e dos centros de conhecimento e inovação. Sem dúvida, este estreitamento de relações é a garantia de que o agroalimentar nacional está a preparar o seu futuro».
Este produto alimentar, que pode ser utilizado, por exemplo, como sobremesa, e reutiliza resíduos habitualmente desprezados pela indústria alimentar, foi premiado pelo júri europeu, liderado pela multinacional Nestlé. Christoph Hartmann, head of Academic Alliances na Nestlé, explica a escolha do júri: «O produto OrangeBee tem um design bastante apelativo, muita qualidade e uma proposta de valor elevada. É um excelente contributo para o futuro da inovação alimentar».
Adelaide e Bárbara assinalam que esta distinção, a nível europeu, vem mostrar que o seu trabalho e visão estão no caminho certo. A motivação certa para as duas estudantes continuarem a desenvolver a gama de produtos OrangeBee. «Confessamos aqui que algumas ideias de produtos já começaram a ser testadas por nós, e acreditamos que poderão também ser de sucesso e trazer o caráter de novidade à marca», revela Adelaide Olim…