Mais de 125 anos depois de o pesquisador norueguês Fridtjof Nansen se ter aventurado na primeira viagem pelo gelado Oceano Ártico, uma nova expedição seguiu-lhe as pisadas, mas agora apetrechada com a mais alta tecnologia do século XXI e ao serviço de dezenas de pesquisadores que durante pouco mais de um ano recolheram informação naquela que é a região do globo mais duramente atingida pelas alterações climáticas. E os primeiros dados mostram um planeta profundamente ferido.
«Vimos como o gelo do Ártico está a morrer. O verão, mesmo no Pólo Norte, é caracterizado por um extenso derretimento e erosão. Se não fizermos esforços imediatos e abrangentes para combater o aquecimento climático, em breve veremos verões árticos sem gelo, que terão repercussões incalculáveis no nosso próprio tempo e clima. Embora hoje o Ártico Central continue a ser uma paisagem fascinante e congelada no inverno, o gelo tem apenas metade da espessura de há 40 anos, e as temperaturas de inverno que encontrámos são quase sempre dez graus mais altas do que as que Fridtjof Nansen experimentou na sua expedição inovadora ao Ártico há mais de 125 anos», conta Markus Rex, líder da expedição e chefe do projeto MOSAiC, do instituto alemão Alfred Wegener, numa apresentação à imprensa aquando do regresso do navio à Alemanha, a 12 de outubro.
Em 20 de setembro de 2019, o Polarstern partiu do porto norueguês de Tromso, com destino ao Ártico Central, o epicentro das mudanças climáticas. Uma vez lá, o navio deixou-se ficar preso no gelo e começou uma deriva de um ano através do Pólo Norte, completamente à mercê das forças naturais, pois a rota e a velocidade foram determinadas exclusivamente pela deriva do gelo alimentada por vento e correntes.
Ao longo das cinco etapas da expedição, um total de 442 pesquisadores, tripulantes do Polarstern, jovens investigadores, professores e membros da imprensa participaram naquela que é apelidada de ‘expedição do século’. Nela estiveram envolvidos sete navios, várias aeronaves e mais de 80 instituições de 20 países. Os pesquisadores, vindos de 37 países, tinham um objetivo comum: investigar as complexas interações no sistema climático entre a atmosfera, o gelo e o oceano, bem como a vida no Ártico Central, para melhor representá-los em modelos climáticos.
Agora os investigadores voltaram para casa com uma riqueza de impressões do Ártico em rápida transformação e com um tesouro incomparável de dados, que uma geração inteira de pesquisadores do clima se concentrará em analisar. «As mudanças climáticas são o maior desafio da humanidade. Um desafio que só podemos superar juntos, transcendendo as fronteiras de disciplinas e nações. A missão internacional MOSAiC, que reuniu investigadores de 20 nações, mostra que, apesar de todos os percalços, a nível internacional existe vontade de estar à altura deste desafio. A MOSAiC é a maior expedição ao Ártico de todos os tempos, é um marco histórico para a pesquisa climática. Ao longo de longos meses no gelo ártico, os especialistas recolheram uma riqueza única de dados com os quais as gerações futuras lucrarão», assinala Anja Karliczek, ministra federal alemã de Pesquisa.
Reunidos no epicentro das mudanças climáticas, os dados ajudarão a preencher lacunas críticas na atual compreensão da região, permitindo reavaliar e avaliar com mais precisão os atuais modelos climáticos. «Somente entendendo como o clima está a mudar no Ártico seremos capazes de tomar as medidas preventivas adequadas contra os impactos do clima e combater com eficácia as mudanças climáticas», ressalta a ministra alemã.
Durante a expedição MOSAiC, os especialistas exploraram o Ártico, tendo como casa-mãe o quebra-gelo Polarstern, que flutuou atracado no gelo do Oceano Ártico. E o que viram não impressionou só os cientistas. Também o capitão do navio, Thomas Wunderlich, foi surpreendido com o que encontrou: «No caminho para o norte, fiquei especialmente impressionado ao ver a quantidade de trechos de mar aberto e, portanto, de gelo facilmente navegável, que encontrámos mesmo perto do Pólo Norte. Não parámos uma única vez e conseguimos seguir uma rota para o norte da Groenlândia, que normalmente deveria ser evitada, já que a área é conhecida pelo seu gelo marinho enorme e virtualmente impenetrável».
Uma expedição histórica
À deriva com o gelo, os tripulantes do Polerstern suportaram o frio extremo, as tempestades árticas e massas de gelo flutuantes em constante mudança durante 389 dias. E os desafios não se prenderam apenas pelas condições de vida extremas nesta zona do globo. O navio teve de ser reabastecido várias vezes no mar, algo que o capitão Thomas Wunderlich conta ter sido outro grande desafio: «Apesar dos sérios desafios colocados pelo reabastecimento no mar, e não no porto, todas as transferências ocorreram de forma notável. Tenho muito respeito pelas proezas náuticas dos outros capitães envolvidos, que completaram as transferências no inverno, durante a longa noite polar, e mesmo em temperaturas abaixo de 30 graus negativos, quando os guindastes de carga no quebra-gelo de reabastecimento russo estavam apenas parcialmente funcionais. O excelente compromisso da tripulação e dos pesquisadores sob essas condições garante uma expedição bem-sucedida, e estou muito feliz por termos todos retornado ao nosso porto de origem, sãos e salvos».
Mesmo que parecendo isolados, os ocupantes do Polerstern tiveram de enfrentar os desafios impostos pela pandemia do coronavírus. Porém, quando devido à pandeia praticamente todas as outras expedições ao redor do globo foram canceladas, graças ao amplo apoio da comunidade científica internacional e aos esforços de toda a equipa, o MOSAiC foi capaz de continuar.
No início do verão, Polarstern teve de deixar brevemente o seu bloco de gelo e várias estações autónomas para uma transferência de pessoal. Quatro semanas depois, uma nova equipa iniciou o trabalho de campo no gelo, continuando os esforços até o último dia, quando o bloco (como previsto) atingiu a borda do gelo a leste da Groenlândia, começou a quebrar sob a influência das ondas e completou o seu ciclo de vida típico. Para explorar a última peça do quebra-cabeças no ciclo anual do gelo marinho - a formação de novo gelo no final do verão - a expedição seguiu mais para norte, cruzou o Pólo Norte e ancorou num segundo bloco flutuante.
Como tal, apesar de todos os obstáculos, a expedição MOSAiC atingiu o seu objetivo: monitorizar o epicentro das mudanças climáticas com mais precisão do que nunca e dar um passo crucial para o entendimento do sistema climático da Terra e como este está a mudar. «Estou muito satisfeito com a forma como a expedição do MOSAiC progrediu e com o sucesso total que tem sido. Devido à expedição, podemos fornecer os dados e as observações do clima que a humanidade tanto precisa para tomar decisões políticas fundamentais e urgentes sobre a proteção do clima», ressalta o líder da expedição. Markus Rex finaliza: «O gelo do mar Ártico não é apenas uma parte importante do sistema climático global; é também um ecossistema único e a base da vida de muitas sociedades indígenas. E é um reino de beleza fascinante e incomparável. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para preservá-lo para as gerações futuras»,
Para tornar este projeto único um sucesso e obter os dados mais valiosos possíveis, mais de 80 institutos reuniram os seus recursos num consórcio de pesquisa. O orçamento da expedição foi superior a 140 milhões de euros. Depois de mais de um ano no Ártico Central, nesta segunda-feira, 12 de outubro, o Polarstern voltou ao seu porto natal em Bremerhaven, Alemanha, acompanhado por um comité de boas-vindas de navios que vieram cumprimentá-los.