Atualmente existem no mundo menos de 700 focas-monge, fazendo destas as focas mais raras do planeta e as únicas que vivem em águas temperadas, distribuindo-se por diferentes populações entre o Mediterrâneo Oriental e o Atlântico. Nas águas portuguesas, entre as Ilhas Desertas e a ilha da Madeira, vive uma comunidade com cerca de 25 elementos, sendo umas das espécies mais ameaçadas e emblemáticas de Portugal. Dela fazem parte o Pontinhos, mas também o Mascarilha, a Maminhas, a Manchada, entre outros adultos, e ainda três elementos mais jovens nascidos em 2017. Assim nos mostra o relatório final do projeto LIFE Madeira Lobo-marinho, que decorreu entre 2014 e 2019, e que caracterizou a comunidade de lobos-marinhos portuguesa. Hoje sabemos quem são, como se comportam e como evolui esta comunidade ameaçada, motivo pelo qual várias ações vão continuar para preservar estas focas nas águas portuguesas.
«A população tem tido uma tendência positiva, mas com um crescimento muito baixo», começa por nos contar Rosa Pires, bióloga do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) e responsável pelo projeto LIFE Madeira Lobo-marinho, na Madeira. Com este projeto foi possível criar um sistema de seguimento do estado da população de lobos-marinhos «bastante eficaz». Rosa Pires conta-nos que conseguem verificar que «afinal de contas o crescimento da população não estava a ser tão grande como imaginávamos. Verificámos que a taxa de sobrevivência dos animais até um ano de vida é bastante baixa o que está relacionado com o facto de o habitat terrestre destes animais (praias no interior de grutas) não ser favorável à sobrevivência dos jovens animais durante as tempestades marinhas, mais frequentes precisamente na época de criação».
Este estudo alargado permitiu também ter um maior conhecimento sobre o uso do habitat marinho por esta espécie na Madeira. «Sabemos agora que os animais, embora possam efetuar mergulhos com profundidades superiores aos 400 m, para se alimentarem, usam preferencialmente a área que vai desde o litoral até à batimétrica dos 200 m», conta.
Veja o vídeo do Life Madeira:
Assim, muito se sabe agora desta comunidade, mais muito ainda há para saber. Desta feita, este sistema de seguimento da população é para manter, fazendo parte de um conjunto de ações denominadas ‘Ações pós-LIFE’. Vai assim continuar a monitorização das grutas utilizadas pelo lobo-marinho através de câmaras fotográficas automáticas, que permite um seguimento do estado da população bastante mais eficaz. É feita também a monitorização da população baseada na observação direta dos animais a partir de postos de observação fixos e móveis. Os patrulhamentos regulares servem para garantir a proteção da Reserva das Desertas, estipulada para preservar esta comunidade.
Por outro lado, pede-se o envolvimento de toda a população através da Rede SOS Lobo-marinho. Ou seja, pede-se a todos os que avistem lobos-marinhos nestas águas que o reportem ao IFCN, se possível com fotos e indicação de hora, local, características e comportamento do lobo-marinho. Esta rede também envolve entidades com capacidade operativa para dar uma resposta adequada em situações em que é necessário intervir para salvaguardar o bem-estar dos animais ou das pessoas. A rede integra o Museu da Baleia, a Guarda Nacional Republicana, o Comando da Zona Marítima da Madeira, todas as câmaras municipais da Madeira e Porto Santo, assim como bombeiros municipais e voluntários entre outras entidades.
O conhecimento adquirido fruto das várias ações levadas a cabo nestes cinco anos teve também como resultado a criação da ‘Estratégia para a Conservação do Lobo-marinho no arquipélago da Madeira’, onde se definem as ações necessárias para manter esta população na Madeira. Por fim, acrescenta Rosa Pires, estão a ser criadas condições para implementar outras ações. «Uma das prioridades é a proibição dos covos (armadilhas de pesca) na Reserva Natural das Ilhas Desertas. O Governo Regional já anunciou esta decisão e está-se a trabalhar a parte da legislação», explica.
A vida entre as Desertas e a Madeira
No âmbito do projeto Life, toda a costa da ilha da Madeira (153 km) e das Ilhas Desertas (37 km) foi percorrida para localizar todas as grutas existentes, emersas e submersas. Afinal, estes são animais marinhos que utilizam essencialmente a zona costeira e que necessitam de vir a terra para repouso e reprodução. A equipa identificou as grutas consideradas úteis, abrigadas da agitação marinha e com praia interior. Foram localizadas 141 cavidades. Destas, 26 com interesse para o lobo-marinho, concluiu o relatório do projeto.
Nessas grutas com interesse para o lobo-marinho, instalaram-se sistemas permanentes de seguimento, que recolhem fotografias a cada 1 hora, permitindo saber se estão a ser usadas ou não pelo lobo-marinho e identificar individualmente os animais. Além disso, marcaram-se quatro exemplares adultos com sistemas de seguimento por satélite.
A equipa de pesquisa percebeu que os lobos-marinhos transitam entre a ilha da Madeira e as Desertas - Ilhéu Chão, Deserta Grande e Ilhéu Bugio. Nestas são utilizadas sete grutas para descanso e duas como locais de reprodução. Para além destas grutas, a praia aberta do Tabaqueiro também é utilizada habitualmente pelas fêmeas reprodutoras durante a época de criação. Na ilha da Madeira utilizam apenas duas grutas.
Mas o que fazem diariamente os lobos-marinhos? «Geralmente ou estão a dormir em alguma praia abrigada no interior de alguma gruta ou praia aberta isolada, ou ainda no mar em algum lugar onde o mar é calmo (temos visto que alguns machos procuram portos e marinas), ou andam pelo mar à caça de alimento. Geralmente têm hábitos solitários, mas na época de reprodução as fêmeas tendem a procurar os mesmos locais para terem e criarem os seus filhotes», explica Rosa Pires.
As focas que uivam
As focas-monge por cá são também conhecidas como lobos-marinhos porque quando os descobridores portugueses há cerca de 600 anos se aproximaram da, agora, ilha da Madeira (1419) ouviram uns uivos que pareciam ser de lobos. Mas ao acostarem os homens não se depararam com lobos terrestres, mas sim com uns animais robustos, que podem atingir os 300 quilos e os quatro metros de comprimento. Eram os principais habitantes da ilha nessa altura.
Não conhecendo estes animais, este primeiro avistamento poderá ter sido assustador. Até porque, segundo Rosa Pires, os lobos-marinhos têm cada um a sua personalidade individual. «Na presença de pessoas, diferentes animais têm comportamentos distintos. Há uns que se afastam, há uns que são indiferentes à presença humana e há outros mais curiosos que se aproximam e procuram interagir. Por vezes, nesta interação podem mordiscar as pessoas ou puxá-las para o meio marinho, o que pode conduzir a acidentes».
Estes animais geralmente não ultrapassam os 22 anos de vida e são sociáveis, embora os machos possam ser muito territoriais. A principal área de alimentação é muito costeira e raramente mergulham a mais de 200 metros, ficamos a saber.
No caso da Madeira, a partir dos seis indivíduos sobreviventes em 1988, quando se iniciou a conservação do lobo-marinho nas Ilhas Desertas, a população começou a recuperar de forma progressiva. Até porque, em 1990, foi criada a Reserva Natural das Ilhas Desertas, com o principal objetivo de proteger esta espécie. Hoje, cerca de metade da população é composta por fêmeas adultas, «as grandes protagonistas que permitiram que esta espécie se mantivesse até aos nossos dias», conclui o relatório.
Com cerca de quatro nascimentos por ano nesta comunidade, a taxa de mortalidade é, no entanto, elevada, estando nos 62% no primeiro ano de vida. «Durante os primeiros meses de vida potenciais acidentes no mar devido a utilizarem praias no interior de grutas ou praias de calhau para repouso e amamentação. Depois com quatro meses começam a aprendizagem para capturar alimento sólido (desmame) e podem aventurar-se em grandes viagens à procura de alimento podendo perder o contato com a colónia ou recorrer a engenhos de pesca para retirar alimento e acabar por morrer afogados, como aconteceu em 2016 em que se encontrou um lobo-marinho jovem morto dentro de uma armadilha de pesca», conta ao SAPO a bióloga marinha.
Perigos à espreita
Com os seus poucos elementos e uma elevada taxa de mortalidade, a sua conservação mantém- se frágil e em risco. As entidades da região e a população estão mais sensibilizada para a conservação do lobo-marinho, mas vários perigos continuam à espreita. Não só a taxa de mortalidade juvenil é elevada, como a própria alimentação parece ser diminuta nestas águas, como a equipa percebeu com os resultados do projeto LIFE Madeira Lobo-marinho. «Verificámos que o crescimento da população pode, também, estar a ser limitado por uma possível escassez de alimento. As águas da Madeira são pouco férteis e têm uma plataforma continental reduzida. Isto é algo que tem de ser explorado e estudado», assinala Rosa Pires.
Acresce a isto estarem fora do seu habitat natural – praias a céu aberto na ilha da Madeira – e confinados praticamente às Desertas, com o uso de grutas para criação que leva a que as crias fiquem expostas às condições de mar mais extremas e estas se tornem numa armadilha mortal para as focas recém-nascidas.
Mas o impacto do Homem não se fica por aqui. Falemos agora das artes de pesca, um perigo real para esta pequena comunidade, onde qualquer morte é um forte embate na sua sobrevivência. Não só a pesca costeira intensiva levou a uma degradação da qualidade do meio marinho litoral, o que por sua vez se traduz na escassez de alimento para as focas, como, segundo o relatório, a atividade de pesca foi a principal causa de morte do lobo-marinho, a partir da década 50 do século XX. Algumas artes de pesca, como os covos e a perseguição direta, são algumas das principais ameaças para a espécie. Por este motivo, o Governo Regional está também a trabalhar para proibir esta armadilha de pesca nas Ilhas Desertas.
As atividades de turismo de natureza no mar, especialmente a atividade de mergulho, podem também ser uma fonte de perturbação para estes animais, pelo que se recomenda que a sua observação seja feita à distância.
Para Rosa Pires, «esta população mantém-se porque se deu início a um projeto para a sua conservação em 1988 e que levou à proteção legal das Ilhas Desertas em 1990, que na altura era a última casa do lobo-marinho. Este trabalho baseado na proteção efetiva do lobo-marinho e do seu habitat, na monitorização da população e na educação e informação ambiental têm-se mantido de forma contínua. E em 2014 reforçou-se este trabalho através do projeto LIFE Madeira Lobo-marinho. Creio que sem isto já não teríamos lobos-marinhos em Portugal».
Ajude, por isso, a conservar a comunidade do Pontinhos. Tendo consciência de que um lobo-marinho é um animal selvagem e, na sua presença, evitar aproximar-se, interagir e perturbar. E informe o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza se avistar algum destes simpáticos e emblemáticos animais. Afinal, somos dos poucos países do mundo a terem focas que uivam...
O QUE FAZER SE VIR UM LOBO-MARINHO?
Se vir um lobo-marinho, não se esqueça de que é um animal selvagem. Não é um animal agressivo por natureza, mas poderá sê-lo ao sentir-se ameaçado. É curioso e poderá procurar interagir com o que o rodeia.
No caso de estar no mar, deve manter a distância e evitar perturbar os animais, ou se possível sair calmamente para terra.
Deve evitar entrar em grutas que se sabe serem utilizadas por lobos-marinhos.
Alimentar os lobos-marinhos não é aconselhado.
No caso de estar a fazer caça submarina, deve libertar-se do peixe e procurar outro local para a caça.
O contato com cães, potenciais transmissores de doenças, deve ser evitado ao máximo.
Contate o IFCN para que se tomem as providências adequadas em caso de ser necessário intervir.