Expresso

Enquanto vidas são perdidas para ondas de calor na Índia, no México, no sudoeste dos EUA, Arábia Saudita e tanto outros locais, as eleições europeias tornaram a extrema-direita, mesmo que dividida em grupos, a segunda maior força no Parlamento Europeu.

Terminadas as contagens, começaram os cálculos. À esquerda cresce a proposta de alianças e uniões para travar a ascensão do fascismo. Na França, a dissolução do Parlamento devido aos resultados do RN (Rassemblement National), e a marcação de eleições já no final do mês – levou os partidos de esquerda a conversarem. França Insubmissa, Socialistas, Comunistas, Ecologistas e outros pequenos grupos uniram-se, lançando uma nova “frente popular” com o objetivo de travar a ascensão ao poder do partido de Le Pen nas próximas eleições. Em Portugal, se já na sequência das legislativas o Bloco, tinha convidado os partidos à esquerda do PS a conversar, outras vozes se levantaram agora para apontar a necessidade de união à esquerda. Os principais argumentos são aritméticos e apontam para a informação de que a soma de votos de Bloco de Esquerda, CDU e Livre constituiriam a terceira força política portuguesa, à frente do Chega e da IL.

Tudo isto ocorre como se a crise climática não fosse a grande definidora – quer queiramos quer não – da política europeia e global. A extrema-direita é interpretada como sendo uma maior ameaça do que o machado que pende sobre as cabeças de todas as sociedades, de todos os países. É interpretada ainda como independente da crise climática e das crises que estão ser desencadeadas como consequências diretas de um clima muito mais adverso à humanidade. O que é descrito como “realismo político” renega essencialmente a compreensão de que sem travar a crise climática o mundo será composto por ondas crescentes de calor, cheias, fome, seca, incêndios e tempestades, e um rasto de morte, destruição, pobreza e refugiados incessante.

A política da extrema direita na crise climática é clara: proteger o capitalismo fóssil e atacar quem sofre os efeitos. Isso está expresso nos programas políticos apresentados, com propostas racistas, xenófobas e nacionalistas, anti-migração e de imposição de uma Europa fortaleza e proteção dos interesses das grandes multinacionais na trajetória rumo ao colapso planetário, mascarada por um discurso protecionista. As respostas da esquerda, por outro lado, são tímidas, pouco ambiciosas ou mesmo inexistentes. Em sucessivas análises políticas erradas, e alinhando nos discursos de direita que alimentam a falsa oposição entre clima e sociedade, boa parte da esquerda ignora o significado da crise climática. Todos os recursos e serviços de ecossistemas essenciais – água potável, produção alimentar, habitabilidade de territórios - dependem de um clima que permita a subsistência da espécie humana, que está a ser destruído pelo capitalismo fóssil.

O programa político da Frente Popular em França é demonstrativo disso mesmo. Esta promete “uma nova página na história da França”, ignorando de forma gritante a crise climática, deixando de lado a necessidade de pôr um fim aos combustíveis fósseis. Este é um programa que, em pleno ano mais quente desde que há registos não menciona uma só vez “emissões” ou “combustíveis fósseis”.

O antifascismo como slogan político unificador das esquerdas sem um programa político capaz de travar as causas dos anseios, medos e angústias de comunidades, juventude, trabalhadores e trabalhadoras é insuficiente. A crise climática é uma causa essencial destes anseios, medos e angústias. Mas além disso, a crise climática é um limite físico objetivo que definirá a existência, ou não, de um futuro. Uma esquerda que a ignore e que adie soluções reais para a travar, em vez de a apresentar como eixo programático central, é e será uma esquerda incapaz, defensiva, conservadora e derrotada à partida.

É essencial que alianças e frentes não sirvam para criar compromissos que travem avanços programáticos. Considerando que as instituições capitalistas são neste momento as normalizadoras do colapso, alianças e união não podem não ser acompanhadas de táticas e estratégias com disrupção correspondente às das crises que enfrentamos. Estas devem apresentar-se como uma ameaça ao status quo e disputar programaticamente o que a extrema-direita apenas disputa narrativamente – alternativas anti-sistema, radicalmente justas para todas as pessoas. Se assim não o for estas serão uniões fracassadas.